Capítulo Cento e Quarenta e Nove

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— Tamo' vendo aí que os caras estão soltos — Raul ressaltou, indo até uma das geladeiras que estavam dispostas pela área externa, pegando duas long necks, me dando uma delas. — Como a rapaziada gosta de dizer: a liberdade cantou pra eles.

— É, pra todos eles — debochei, abrindo a garrafa. — Porque, você que é polícia, tá ligado como que funciona o sistema prisional, né? O bagulho é que nem escola, entra todo mundo numa turma e aí quando acaba, sai todo mundo junto.

E só então pareceu que o lesado do Raul entendeu a ironia e voltou a olhar pra eles, confuso. Deu um gole na cerveja, ainda olhando e aí sugeriu ter chegado à uma conclusão, quando voltou a me olhar.

— Será que...? Não, Alemão, mas... eu não ouvi falar de fuga nenhuma, pô. E esses caras aí são grandes, mano... quando tem fuga assim, o assunto corre rápido.

— É... é o normal mesmo.

— E logo agora que o governador acabou de morrer...

Apenas devolvi o olhar pro Raul, cansado.

— Meu Deus... chega me bateu uma sensação ruim aqui, Alemão.

— Ele finalmente nos viu — comentei, acenando com a cabeça, assim que notei o Kalil sorrindo pra mim, enquanto falava com os caras.

Não deu um segundo, ele veio na nossa direção.

E dentre os quatro caras que estavam com ele, justamente o Guri e o Bispo o acompanharam.

— Salve, Alemão — Kalil foi o primeiro a falar, abrindo um sorrisão e erguendo a mão pra me cumprimentar; o estralo ecoou alto. — Já tava pensando que você não vinha.

— Nesse barraco aqui onde você organizou o bagulho, não tinha como não vir — falei, fazendo os três rirem. Raul parecia tenso demais pra fazer qualquer outra coisa que não fosse ocupar a boca com a cerveja.

— E aí, Alemão — Guri foi o seguinte, já apertando minha mão. — Quanto tempo, rapaz.

Bispo apenas me cumprimentou. Não abriu a boca.

— E esse aqui é o meu parceiro, o Raul — apertei o ombro dele, porque parecia que os caras só tavam esperando ele ser apresentado pra que pudessem cumprimentá-lo.

— Mas que bom que você chegou, Alemão. Eu tava querendo mesmo desenrolar um papo com você.

Virei quase toda a garrafa de uma vez.

— Também.

— Beleza, vamo' encostar aqui, então — e já seguindo na direção da piscina de borda infinita, ele sorriu pros caras, falando: — a gente já volta, rapidão.

Kalil me conduziu até o gramado ao lado da piscina, para encostarmos na barreira de concreto e vidro que separava a área externa do declive que o morro fazia até a rua lá embaixo.

Me encostei no parapeito pra olhar melhor e não vi nada além das árvores. Fiquei curioso pra saber que tipo de engenharia os caras usaram ali pra prevenir deslizamentos e essas merdas, porque um morro íngreme feito aquele, se fosse nas regiões menos afortunadas do litoral, era papo de uma garoinha ser suficiente pra enterrar aquela casa.

— E aí, cara, como é que você tá? — ele perguntou, me olhando bem nos olhos.

Fiz careta de quem não entendeu.

— Tô meio preocupado com você, Alemão, sem brincadeira. Sei lá, porra... você parece meio quebrado, tá ligado? Um olhar meio perdido e desanimado...

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