Capítulo Cento e Seis

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— Você não vai atender? — o moleque perguntou, me tirando do transe.

— Não... vou atender não. Chega de dor de cabeça por hoje.

— Quem é que tá ligando?

— O Kalil — respondi. E por que mentir?

— Ah, eu lembro dele. Com um nome diferente assim, a gente acaba guardando, né? Ele tava no meu aniversário, até conversei com ele.

— Foi? — deslizando a barra de notificações pra baixo, botei o celular naquele modo "não perturbe" e bloqueei a tela.

— Eu gostei dele — comentou, um sorriso vago no rosto. — Ele é inteligente. Ele parece aquele tipo de cara que sabe de tudo, que consegue lidar com qualquer situação, mente aberta mesmo.

— Diferente dos meus outros amigos?

— Eu não quis dizer isso, grandão.

Resmunguei, tentando me fazer de sério, mas acabei ramelando e deixei escapar uma risada.

— Ciúmes agora, homem?

— Eu não gostei de ouvir você elogiando ele assim.

O moleque fez uma cara de quem prova algo ruim.

— Ele é muito inteligente sim, isso é inegável. Mas ele não é bonito, Alexandre.

— Ah, então quer dizer que se o malandro fosse bonito, era outra história? É assim?

— Ai, como é dramático — ele saiu de cima do banco. — Come isso aí logo, antes que eu tire o prato de você.

— Mas nem fodendo — e passei meu braço ao redor do prato, pra protegê-lo. — O bagulho bom do jeito que tá aqui, você não vai conseguir nem salvar a panela, porque já me deu o aval pra comer o resto e não dá pra voltar atrás.

— Ah, então é assim? Quer dizer que se eu quiser comer mais um pouquinho, eu não posso?

— Não, moleque. Aqui já era. É só meu — tentei manter a postura firme, mas vacilei novamente e acabei rindo. — Tô brincando, meu amor. Você quer comer mais?

— Eu tava brincando também. Se você tá com fome assim, aproveita.

— Não, não. Vem aqui comer comigo — e abri minhas pernas, batendo na coxa. — Senta aqui no colo do pai.

— Eu não vou falar nada pra você, Alexandre — ele encobriu os olhos com a mão, mas não foi o suficiente pra esconder o sorriso.

— Vem, meu amor. Faz esse gosto pra mim — insisti e ele acabou indo até o armário pegar um prato e fiz questão de encher pra ele.

— Será que vai aguentar nós dois? — ele perguntou assim que sentou no meu colo.

— Sempre aproveitando a oportunidade pra zoar o gordão aqui, né? — falei, enchendo o garfo pra ele.

— Eu tô engordando também, seu Alexandre.

— E vai continuar engordando mais — levei o garfo até a boca dele. Ele até riu, mas aceitou e comeu tudo.

— Lógico, tudo é motivo pra você me dar coisa pra comer, nunca vi.

— Tô bancando o lobo mau aqui, moleque. Te engordando pro abate.

— Que história do lobo mau é essa que eu nunca vi? — ele perguntou, após mais uma garfada.

— Você vai ver, mais tarde — mordendo o braço dele de leve, o fiz se retrair, o rosto tornando a ganhar aquele tom avermelhado que ficava tão bonito nele.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora