Capítulo Cento e Onze

1.2K 102 78
                                    

A minha vida é aqui e eu não consigo sair

É muito fácil fugir, mas eu não vou

Não vou trair quem eu fui, quem eu sou

Eu gosto de onde eu tô e de onde eu vim

Racionais MC's – Formula Mágica da Paz


Estremeci, maluco.

Graças a Deus que eu tava de costas pra ele, agachado diante da caixa de ferramentas. Sutilmente — pelo menos, na minha cabeça, eu acreditei que tava sendo sutil —, eu coloquei o fundo com as ferramentas por cima do revólver e fechei a caixa.

Ele não viu, ele não viu, ele não viu, ele não viu, fiquei repetindo na minha cabeça, me virando pra ele.

— Tava procurando minha chave doze — menti, tratando de botar um sorriso no rosto. Abençoadamente, o moleque também sorria, mas ao contrário de mim, o sorriso dele era verdadeiro. — Agora que eu lembrei que deixei ela com o Raul.

— Eu nem sei o que é chave doze — ele riu, botando a mão na cintura.

Me forcei a rir também.

— Você chegou agora? — perguntei.

Ele resmungou, confirmando.

Peguei a caixa de ferramentas e tratei de colocá-la na prateleira mais alta.

— Veio como? — questionei.

— De Uber.

Pegando minha deixa, ele saiu do quartinho e ficou do lado de fora esperando, enquanto eu fechava a porta. Assim que a fechei, tirei meu celular do bolso, checando as notificações.

— Oxi, moleque... nem tem nenhuma ligação ou mensagem sua aqui — observei. — Se queria voltar pra casa, tinha que ter me ligado que eu te buscava, né?

— Ai, eu até dei um pulo lá no Tigela, mas você não tava lá — ele ergueu os ombros, seguindo pra dentro de casa. Fui acompanhando ele. — Você falou que ia fazer um favor pra sua mãe, eu não quis te atrapalhar.

— Tem essa de atrapalhar não, moleque — o puxei pra perto de mim pelo ombro. — Sou teu marido nessa porra. Qualquer coisa, não importa o que seja, tem que me bater um rádio que eu vou te buscar.

Ele riu baixinho, me abraçando pela cintura.

— E voltou cedo assim por que? — eu quis saber.

— Tava só minha prima e a minha tia em casa e a minha prima já tava pra sair com o namorado dela e aí chegou uma vizinha lá, amiga da minha tia e as duas embolaram na conversa, eu acabei ficando deslocado.

Esse era um detalhe sobre a tia e os primos dele que vinha se tornando cada vez mais evidente pra mim — no começo, era só aquela impressão mesmo, tá ligado —, só que agora, já era um pouco mais difícil me forçar a crer que era apenas coisa da minha cabeça.

Não, mano, eu não achava que eles eram ruins pro moleque; não chegava nem perto disso, só que eu não conseguia me livrar da ideia de que eles podiam fazer mais por ele. Porque, de fato, o moleque só tinha eles de família. Beleza que eu não podia jogar o bagulho nas costas deles e cobrar essa responsabilidade, mas vendo tudo o que eu vi nas poucas vezes que eu trombei com o pai e o irmão dele e pensar que isso se arrastou por anos — com aquela história, inclusive, que a Isabela tinha comentado pra mim sobre o irmão do pai dele ter batido nele ao ponto do moleque ir parar no hospital —, e a tia dele não ter tentado levar o moleque pra morar com eles sob a justificativa de que não havia espaço, 'cê é louco, irmão, eu não engolia muito bem isso.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora