Capítulo Cento e Doze

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Eu me lembro de ter ouvido em algum lugar, alguém dizer que a nossa percepção do tempo muda de acordo com o nosso estado, a forma como estamos nos sentindo em cada momento.

E juro por Deus, sem brincadeira nenhuma, que naquele instante, por mais nada a ver que isso soasse, eu senti como se o tempo tivesse parado.

E tinha, cara.

Porque eu tava sentindo tanta coisa e não era nem ao mesmo tempo; cada uma dessas sensações, mano, eu podia definir cada uma delas com precisão e não estavam todas misturadas, mas elas vieram em partes, bem distintas umas das outras. Primeiro, eu me senti confuso, depois cansado, frustrado, desiludido e, por fim, eu senti raiva. Não, caralho... não era apenas raiva, eu senti ira, ódio. Um ódio que me corroía por dentro; centímetro por centímetro da minha pele. Aquele ódio que te faz querer abrir seu próprio peito na unha, que te faz querer gritar, que te sufoca e aperta a sua garganta sem dó nem piedade.

E tudo isso, num intervalo de segundos...

O farol deixando meu irmão — meu irmão? — mais branco do que ele já era.

Acho que eu tinha acionado o bagulho no máximo pra pegar o federal de surpresa, obstruir sua visão de forma que ele não percebesse bem que eu tava arrancando pra passar por cima dele.

E como tinha sido eu que havia sido pego de surpresa, minha primeira reação instintiva foi tirar um pouco o pé do acelerador...

Só que eu tava possuído pelo ódio, porra.

Completamente envolvido por aquela sensação maldita que fervia o meu sangue.

E, sim, eu tinha tirado o pé do acelerador.

Por alguns segundos...

Só pra enfiar o pé com tudo de novo, logo em seguida, fazendo o ponteiro do velocímetro voltar com tudo, vibrando.

Foda-se, caralho.

Foda-se, foda-se, foda-se. FODA-SE.

E só fui, irmão. Fui com tudo, com toda a força que eu tinha na perna, não quis nem saber.

E naquele momento, no momento final, o filho-da-puta conseguiu se jogar pra direita, caindo sobre o asfalto e eu passei rasgando, por um triz.

Um triz.

Chega eu senti — ou acho que senti, já nem tinha mais certeza de porra nenhuma — o Rodrigo batendo de leve contra a lataria do carro, pouco antes de cair no asfalto.

Pelo retrovisor, eu pude ver, ele deitado, virando a cabeça pra acompanhar o carro. E o arrombado tava de boa porque não deu nem cinco segundos e ele se pôs de pé novamente, correndo pra calçada.

Minha atenção se virou de uma só vez pra peça sobre o banco, entre as minhas pernas.

O que eu devia fazer agora?

Dar meia volta com o carro, tentar atropelar ele de novo ou simplesmente abaixar o vidro, emparelhado com ele e sentar o dedo? Ah, mano... não foi difícil pensar isso. Não foi difícil sentir vontade de fazer isso. Eu não tinha porque ficar botando panos quentes em cima de mim mesmo.

Não era a primeira vez que eu pensava algo assim com relação ao meu irmão, era?

Que inferno, que desgraça de vida!

Vai se foder, caralho.

Então, eu...

Ah, mano, eu apenas segui dirigindo, cortei na primeira rua que apareceu e segui nessa loucura por uns dez minutos, só cortando aqui e ali sem saber exatamente pra onde eu estava indo. E pra onde eu iria? Pra onde?

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora