Bruna - Havia alguma coisa diferente

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Havia alguma coisa diferente no jeito de ser de Kadu no ensaio de hoje. Ele estava mais livre, mais solto, mais sorridente. Parecia que tinham lhe tirado um enorme peso das costas. Fez piada. Deu risada. Rodopiou comigo no colo. Estava até difícil de concentrar. De botar para fora toda a dramaticidade do tango.

─ O que é que você tem hoje, garoto? – Perguntei na pausa para a água.

─ Sabe quando você toma uma decisão acertada e parece que o universo conspira a seu favor?

─ Não. – O universo nunca conspira a meu favor, quando muito, não conspira contra. – Você está falando de sorte. Eu não sou o tipo de garota que acredita em sorte.

─ Também não acho que eu esteja falando de sorte. – Ele me pegou pelo braço e saímos rodopiando pela sala numa valsa sem fim. – Estou falando em pegar a vida pelo laço. Em ser dono das suas próprias escolhas. Acertar e errar sozinho.

─ Bom... Nesse caso... Nós estamos conversando. – Não tive muito escolha com relação a isso. Parece que desde sempre precisei tomar conta de mim mesma. – Faz bastante tempo que "tomei minha vida pelo laço" como você disse.

─ Eu sei. – De repente, parou e me encarava com aqueles olhos azuis dele. – Você foi minha musa inspiradora. – A forma como ele disse aquilo me pegou de surpresa e eu fiquei sem jeito. Carlos Eduardo deve ter percebido meu constrangimento, pois apenas sorriu de maneira carinhosa e beijou minha bochecha. – Afinal, se uma maluca inconsequente e tresloucada que nem você consegue administrar a própria vida, imagina o que um cara centrado como eu não consegue fazer...

A brincadeira me tirou do sério. Fiquei parada no meio do salão, os olhos soltando faíscas de ódio. Ele sentou no chão e ria, ria, ria. Puxou minha mão. Sentei ao seu lado. Colocou a cabeça encostada na minha. Carlos Eduardo estava livre.

─ Brunetilde, vou alugar um apartamento para mim. – Disse.

Aquilo sim me surpreendeu de verdade. Kadu estava disposto a sair debaixo da barra da saia da sua mãe? Deixar de ser o menino mimado de classe média alta e cair de cara na classe trabalhadora com contas para pagar? Taí uma notícia interessante. O que teria acontecido para provocar tamanha mudança?

─ Preciso da sua ajuda. – Ele deitou no chão e ficou olhando para o teto. – Nunca aluguei um apartamento sozinho antes. E preciso de um que esteja dentro das minhas posses. Além disso, não faço ideia do que preciso ter para montar minimamente um apê.

─ Acho que posso te ajudar sim. – Estava feliz com a euforia dele. Deitei ao seu lado. – Mas você vai ter de me explicar que bicho te mordeu para você tomar uma decisão dessas...

─ Minha mãe. – Ele disse olhando para o teto. Bom, o pouco que conheci de Dona Débora justificava a escolha. – Não aguento mais ela tomando todas as decisões da minha vida. Dizendo o que eu devo ou não devo fazer.

─ Pelo menos você tem uma mãe que se preocupa... – Ele não sabia a sorte que tinha.

─ Você a defende? – Dava para ver que estava bem zangado com a mãe. – Ontem ela me deu um sermão sobre como eu deveria me afastar de você. – Sentara novamente.

─ E você disse para ela que chegou a essa mesma conclusão sozinho? – Eu continuei deitada, mas o fuzilava com os olhos. Ficou calado me encarando. Depois se deitou e pegou minha mão. Eu a tirei das mãos dele. Levantei. Comecei a juntar minhas coisas. Kadu veio atrás de mim.

─ Eu acho que estava errado. – Disse hesitante. O mesmo Carlos Eduardo de antes. Só faltou pedir desculpas.

─ Pois eu acho que você estava certíssimo. E sua mãe também. – Peguei meu celular. Coloquei uma camisa por cima da malha de ginástica e saí sem que ele encontrasse resposta para me dar. – Vou ver esse lance do seu apartamento, qualquer coisa te ligo mais tarde. Ok?

Sorriso nos lábios. Beijinho estalado e parti. Não ia deixar esse moleque mimado brincar com meus sentimentos. 

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora