156- Pequena alegria

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❝𝐍𝐀𝐑𝐑𝐀𝐃𝐎𝐑𝐀 | ♛♚
   Uma força maior atingiu o peito de Gilbert, como se o obrigasse a erguer seu corpo naquela cama.

   Piscou algumas várias vezes, adaptando suas pupilas ao ambiente escurecido de seu quarto, sentindo os alvéolos de seus pulmões correndo para realizarem uma troca gasosa rápida, tentando acompanhar o ritmo de seu coração, de seu peito subindo e descendo, como se sua vida dependesse de ter todos os seus músculos extremamente irrigados por sangue.

   Sentindo seus poros do braço se arrepiarem, não soube ao certo se esse sangue estava quente ou gélido, mas, qual que fosse a situação, a primeira ação inconsciente que tomou foi olhar para o outro lado da cama espaçosa, mas que agora só era ocupada por ele e pelas colchas brancas; um quadro vazio, sem nenhum sinal de colorido para alegrar uma alma vazia.

   Gilbert ainda se lembrava amargamente de ir se desculpar com uma funcionária que trocou as colchas, com resquícios de fios ruivos ainda descansando nos travesseiros, com o cheiro doce ainda abraçando as cobertas, nas primeiras semanas de toda essa situação. Nunca na história daquele Palácio havia sido visto o Imperador erguer sua voz para qualquer um de seus subordinados, até que isso aconteceu.

   Deixou que seu coração se acalmasse antes de por suas pernas para fora da cama, observando o vaso com girassois ameaçando morrer, sabendo que logo teria que pedir para reporem tal, porque era um pequeno detalhe que não conseguia ficar sem.

   “Onde está ela?”; Gilbert pensava.

   Era uma pergunta boba, definitivamente era. Ela estava em cada lugar daquele quarto. Gilbert olhava para as pinturas dos anjos no teto e via ela. Gilbert olhava para as estrelas através das janelas e via ela. Gilbert olhava para um livro da Jane Austen na cabeceira e via ela. Gilbert olhava para uma xícara vazia em sua mesa e via ela. Gilbert olhava para aquela cama e via ela. Gilbert olhava para dentro de si e via ela.

    Mas... não era ela.

   Não era a sua risada e os seus gargarejos que preenchiam os ouvidos de Blythe. Era o silêncio. Não eram os seus rebates e sentenças de teimosia que irritavam ao mesmo tempo que divertiam Blythe. Era o silêncio. Não eram os seus olhos azuis compreensivos que não falavam nada, mas silenciosamente o traziam de volta para cama garantindo que tudo iria ficar bem. Isso... isso o silêncio não conseguia fazer. Isso ninguém além dela conseguia fazer.

   E, de repente, com apenas um estalo, apenas um piscar, apenas uma virada de jogo que fez céu virar terra, terra virar céu, inferno virar paraíso e paraíso virar inferno, tudo mudou. Porque já não era ela que precisava dos braços de Gilbert envolvendo o seu corpo em um tipo de proteção aconchegante para conseguir dormir. Era ele que precisava dela sendo protegida pelos seu braços em um contato acolhedor para conseguir dormir.

   E, ainda buscando por ela, qualquer coisa dela que o pudesse aninhar em uma ilusão de que ela ainda estava por ali, Blythe foi checar o berço móvel que montou ao lado de sua cama, encontrando Nan como sua menina deveria estar: adormecida com seus bracinhos tentando envolver Finho, que definitivamente era o dobro de sua altura e largura.

   Gilbert de fato queria ser quem estava abraçando aquele maldito Golfinho, mas apenas o mexeu um pouco para por o termômetro em sua pequena, satisfeito quando esse demonstrou uma temperatura amena, após os remédios que o pediatra indicou por ligação. Deixou-se olhar mais um tempo para sua filha, o contorno delicado de seu rosto, o narizinho arrebitado...

   E pensar que ela havia achado que o nariz era parecido com o dele, de primeira.

   Blythe contornou a cama e sentou-se em sua beira, observando as portas fechadas de seu quarto e questionando como algum dia tinha conseguido, suportado, as deixar fechadas para quem ele mais queria que entrasse por elas agora, para quem ele ficava se perguntando quando voltaria.

Road Trip III - Shirbert e Anne with an EOnde histórias criam vida. Descubra agora