"Júlia ficaria magoada comigo!"

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Procurei desligar minha mente do corpo enquanto a cerimônia prosseguia. Júlia parecia igualmente desatenta, envolta na magia do momento. Eu estava mais preocupado com o depois. Como iria evitá-la?

Uma coisa é evitá-la com ela trajando vestes feias e outra é ela nua na minha frente. Como eu poderia impedir de dar mais un passo para estreitar nosso relacionamento. Como eu iria começar meu plano?

As dúvidas me atingiram com o poder de um golpe. Eu mantinha um rosto sereno, mas por dentro eu estava estranho, vago. O que fazer? Era difícil tramar com aqueles olhos cor de mel em mim.

A voz masculina do padre me trouxe a Terra.
Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a
noiva. disse. E com toda a calma do mundo, a fim de emoldurar o único momento de felicidade que Júlia teria, eu a beijei da forma mais romântica- para ela, não para mim- que pude.

Eu ignorei as luzes causadas pelos flashes, estava acostumado a isso. Júlia não. Ao término do beijo eu a abracei, incapaz de olhá-la
e de mostrar amor em meus olhos. Viramos para
nossos convidados que batiam palmas, sorriam,
assoviavam, me chamavam de gostoso, essas coisas.

Seguimos para o local onde iríamos assinar
nossos nomes. Será que fui o único a ouvi uma
musiquinha de suspense, típica do filme psicose,
na hora em que assinei meu nome? Júlia parecia
toda contente ao assinar seu nome oficializando
o compromisso com seu marido rico e gostoso, ou seja, eu.

Ao olhá-la toda sorridente procurei desviar
os olhos. Enquanto ela estivesse bonita era melhor evitar olhá-la. Saímos de mãos dadas da igreja em direção à limusine que nos levaria a casa de Ana Júlia onde ocorreria a festa. Recebi rajadas de arroz pelas mãos de minha irmã, a guria quase me secou.

É , ela estava irritada com o que eu estava fazendo. Sentamos ao lado do outro e rapidamente partimos. Júlia estava tensa, esperando que eu a agarrasse ali mesmo. Há, que piada! Eu me encostei-me à janela do carro vendo a paisagem fora da janela: lixo, prostitutas, bêbados, travestis, o tipo de paisagem que eu gosto.

Eu estava tão avoado que demorei a sentir uma
mão sobre a minha. A mão de Júlia indicava algo: sexo. Ela queria ou agora, ou mais tarde. Eu tinha que ficar inconsciente para negar à ela tal coisa.

Assim que me virei para vê-la, Júlia jogou-se nos
meus braços. Eu a abracei, claro. jogá-la do carro em movimento é que nāo ia fazer, afinal viúvo não está na cláusula do contrato.

-Acho que estou sonhando. Ser sua mulher..
- murmurou. Eu a mantive nos meus braços, beijei seu cabelo.

Um pouco de carinho não ia matar ninguém. E
novamente o remorso me atingia. Júlia estava tão feliz com aquela farsa

- Obrigado, pelo o que está fazendo. -falei. Fiquei
surpreso por dizer aquelas palavras. E eu estava grato mesmo pelos sacrificios de Júlia.

-Não precisa me agradecer por uma coisa dessas. - A mesma disse. Eu a olhei. Droga, eu estava me
sentindo vulnerável com ela de novo! Ela tocou
meu rosto, confusa pelo modo que eu agia.

- Você está estranho. O que foi? - perguntou preocupada. Sorri

-Nada. A propósito, seus pertences estão em nossa casa, meu apartamento. Deixei os móveis em seu antigo apartamento. O que pensa fazer com ele?- mudei de assunto.

Se ela soubesse do motivo que me deixava estranho, dos planos, tentaria me matar. Lembrei do quarto, arrumado por um ótimo decorador, pronto para ela. E claro das empregadas que contratei. Acho que o
quarto que preparei será um consolo e tanto.

- Alugá-lo eu acho. Vou colocar um anúncio ou coisa parecida no jornal. - ela relaxou mais e mais nos meus braços, devia estar cansada.
Eu a mantive próxima de mim e não demorou a ela ressonar. Isso era bom, ela não roncava.

Kate fazia um barulho estranho enquanto dormia, parecia possuída pelo Satanás.
Não demorou chegarmos ao nosso destino. Acordei Júlia da forma mais calma possível enquanto adentrávamos a casa de Ana Júlia.

A decoração estava estupenda, nem gostaria de
pensar no rombo nas minhas finanças para aquele casamento de mentira! Tudo estava perfeito, flores, puxa-sacos para todo lado.

- Nossa! Ana fez um ớtimo trabalho! - Júlia
murmurou Eu estava distante demais para voltar a Terra e responder como um ser humano de verdade.

- Meu dinheirinho gasto com flores...

- Meu amor, você está bem?- tocou na minha testa. Eu devia estar agindo como alguém com atraso mental. Peguei sua mão e a beijei.

- Estou cansado. Foi uma correria na empresa esses dias. fechei os olhos tentando relaxar no banco de couro do carro.

- Por isso eu quis trabalhar. Eu não devia ter me
afastado. Júlia disse. Eu não respondi.
O motorista estacionoue logo estávamos seguindo para a nossa festa. Eu teria que agir e rápido.

...

Eu parecia um boneco sendo manipulado por um desconhecido, sorrindo quando tinha que sorrir, conversando com pessoas quando a situação exigia. Júlia deve ter notado que eu só estava no evento em corpo, minha alma nem poderia estar fora do corpo, eu não tenho alma.

Posei para fotos, para filmagens. Realmente tudo estava sendo muito cansativo e eu até poderia usar a desculpa de que estava cansado para evitar uma relação amorosa, mas eu sabia que
teria que ter uma desculpa perfeita. Bebi algumas taças de champanhe oferecidas pelos garçons, uma dose de vinho aqui e ali.

Quando consegui fugir de toda aquela loucura fui para o bar beber. Eu iria encher a cara e evitar Júlia. Ela estava ocupada demais com seus amigos favelados para notar o que eu estava fazendo.

- O que está fazendo? - a voz em tom de
reprimenda me censurou.

- Bebendo Ana Júlia. - murmurei tomando uma
dose de uísque.

-O que pretende fazer? Enchera cara e não
aproveitar sua lua-de-mel? - virei a tempo de vê-la com uma expressão furiosa cômica, os braços cruzados em frente ao peito.

-Olha, eu acho que você prevê o futuro!- fiz
um grande "Ó" ao final da minha frase e terminei com a dose de uísque.

Acenei para o garçom pedindo mais uma dose. Claro que Ana Júlia bancou a birrenta e arrancou o copo que o garçom me estendeu, cheio.

-Oi noiva! Já comeu alguma coisa?- Ana disse subitamente. Ah, Júlia estava na área. O efeito da bebida parecia estar me alcançando.
Logo eu iria despencar.

- Hmmm não. - Júlia murmurou. Aproveitei a
distração e pedi outra dose.

- Então vamos comer. Eu também não comi nada. Minha irmã deve ter pegado Júlia e levado para algum lugar para comer. Agradeci. Eu iria me esbaldar na bebida. Por que eu não poderia fraquejar. Eu não iria tocá-la, essa era a única coisa nobre que eu faria.

Tomei dose atrás de dose, misturando bebidas
em meu organismo. Primeiro foi à incoerência
que me tomou, eu devo ter falado muita merda
enquanto enchi meu corpo de álcool. Após isso foi à sonolência. Júlia ficaria magoada comigo, Ana ficaria irritada. Eu não ligava. Meu patrimônio sim me interessava, era minha maior prioridade. O amanhã estava chegando, e podia sentir. Seria algo extremamente doloroso para Júlia.

"The contract" Adaptação MojuOnde histórias criam vida. Descubra agora