"É difícil pronunciar a palavra esposa?"

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- Eu fiz a comida dessa vez, não deve estar muito bom visto que é a primeira vez que cozinho. Se você quiser podemos parar em algum lugar e comer algo. - João sorriu constrangido. Olhei melhor o prato.

- Não parece estar tão ruim. A aparência dos ovos está boa. - apontei para os ovos em meu prato com o garfo.

- Hmmm... Não querendo desaponta la, mas isso não é ovo. É uma panqueca. - disse e notei um tom divertido em sua voz. Olhei para a próxima opção do meu prato, o que eu julguei ser uma panqueca.

- Se isto não é um ovo, o que é isso do lado? Pensei que fosse uma panqueca. - apontei para uma forma parecida com uma panqueca em meu prato.

- Esse aí é o ovo. Não consegui fazer uma panqueca consistente e acabei deixando a consistência para o ovo. - ele parecia incrivelmente constrangido.

Eu quis rir, ele parecia engraçado com aquele ar
de constrangimento, mas a lembrança do pesadelo me pegou e o sorriso que pensei em mostrar a ele morreu. Encarei meu prato e comi a comida ofertada sem sentí la. Não fazia isso por que achava que devia estar horrível, mas por que eu estava alheia a tudo. Eu apenas me perguntava quanto tempo demoraria até João Pedro Mota se cansar de mim e me colocar de lado.

....

- Eu posso fazer isso. - pediu. Eu o ignorei.

- Você fez o café, eu lavo a louça. É justo. - disse concentrando-me em lavar a louça suja. Mota estava de pé ao meu lado na pia. Após o café ajudou me a levar a louça suja para lá e agora eu fazia a minha parte.

- Eu estava pensando... Já que ninguém estará aqui para cozinhar, e certamente você não quer conferir minhas habilidades na cozinha novamente, nós poderíamos almoçar juntos. - sugeriu. Eu o olhei e pude ver como a ideia o deixava feliz. Eu temi o sentimento que sua sugestão e sua expressão de alegria faziam comigo. Votei a encarar a louça que eu lavava.

- Eu vou almoçar com Duda, nós sempre almoçamos juntas, então...

- Acho que Duda não vai ligar se mais uma pessoa estiver com vocês.

- João, eu não acho uma boa ideia. O refeitório é para funcionários e a presença de um superior lá vai deixar a todos desconfortáveis. Vamos seguir com o nosso dia-a-dia intacto? - disse em uma voz firme. Enxuguei minhas mãos em um pano de prato e retirei o avental que usava. Nós precisamos ir, não posso me atrasar.

- Ainda está cedo. Por que a urgência em sair para o trabalho? - perguntou e sua voz mostrava certo aborrecimento com algo.

- Eu ainda preciso passar no RH e justificar minha falta por ontem. - peguei minha bolsa e segui para a saída. Ele veio atrás de mim.

- Você não precisa justificar. Você é minha esposa então...

- Mas vou justificar mesmo assim. - eu o cortei. - Já disse que não quero privilégios só por que eu sou sua... - minha voz travou; algo instintivo. Eu não estava habituada a usar a alcunha de esposa.

- O que? É difícil pronunciar a palavra esposa? - seu rosto mostrava irritação, mas eu não conseguia descobrir o porquê de estar irritado.

Seguimos silenciosos até a garagem. João Pedro me olhava sem parar, um rastro de censura no olhar.

Ao chegarmos à garagem, peguei as chaves da minha moto. Abri o compartimento onde estava o capacete, o peguei e coloquei na cabeça guardando em seu lugar minha bolsa. Fechei o compartimento e quando eu ia subir na moto...

- O que você está fazendo? - perguntou. Eu o olhei, ele parecia surpreso.

- Pegando minha moto para ir ao trabalho. - disse sentando na moto.

- Eu pensei que você iria comigo no meu carro. - sua feição mostrava desapontamento.

Não procurei refletir sobre o comportamento de João Pedro naquela manhã e o porquê de parecer aborrecido com cada coisa que eu fazia. Num tom frio até mesmo para mim, eu disse:

- Não pense que vou alterar as coisas que faço diariamente só por que estamos bem. - liguei a moto e parti.

Segui a uma velocidade razoável. Em pouco tempo ele me alcançou com o carro. Continuei a dirigir tranquilamente. Procurei não pensar nos últimos acontecimentos, eles poderiam me distrair a tal ponto que perderia o controle da moto.

De fato o sono teve um efeito bom para mim,
como se fosse um remédio para as feridas em meu coração. Logo a dor voltaria então eu precisava estar em um lugar seguro e não em cima de uma moto.

Quando cheguei à garagem da empresa, desci rapidamente guardando meu capacete e pegando minha bolsa. Mota estacionou a alguns metros de mim, em sua vaga reservada, e se colocou ao meu lado quando comecei a caminhar para um dos elevadores dos funcionários. Estranhei quando ele entrou comigo.

- Você não vai pegar o seu elevador? - perguntei encostando-me nos fundos do elevador após apertar o botão do meu andar.

- Não me importo com o elevador que eu vou pegar desde que eu chegue aonde quero. - disse de costas para mim.

Após um pouco de silêncio, o elevador para abruptamente. Atordoada, desencosto-me dos fundos do elevador.

- O que houve? - pergunto. Mota vira se para mim. - Estamos presos aqui?

- Não. Eu apertei o botão de emergência e o elevador parou.

- Por que fez isso? - eu o questionei seguindo para o painel a fim de apertar novamente o botao, assim o elevador seguiria. O mesmo segurou minha mão.

- Júlia, nós precisamos conversar. - João Pedro disse com firmeza.

Seu tom de voz e a expressão séria no rosto indicavam que uma conversa não muito boa viria. Voltei para o fundo do elevador, cruzando meus braços em frente ao corpo.

- Sobre o que você quer conversar? - perguntei. Os lábios dele se transformaram em uma linha reta.

- Você sabe sobre o que nós iremos conversar.

- Se eu soubesse, eu não perguntaria. - meus pés batiam impacientes no chão. Eu não o olhava mais do que a cortesia permitia.

- Júlia, eu estou tentando. Mas se você não ajudar, nós nao conseguiremos. - eu o olhei com confusão. João Pedro bufou exasperado. - Estou falando desse muro que nos mantém afastados. Não finja que não existe tal muro. Eu estou tentando rompê-lo, mas sozinho nao vou conseguir. Preciso que você tente também.

- O que exatamente você quer de mim? - perguntei. Minha pergunta o deixou ainda mais aborrecido.

- Quero que você faça algo! Não aja como se ainda fossemos inimigos! Eu quero que você seja a minha esposa em sua totalidade! Eu quero que você...

- Mota, não dá! - disse irritada.

- Claro que dá! Será que vai doer você me abraçar, me beijar, falar um pouco mais carinhosamente comigo? Você sequer consegue dizer que é minha esposa, pelo amor de Deus! - levantou as mãos para o céu num gesto irritado.

Sua respiração estava alterada, o João todo estava alterado, parando para pensar, ele tinha seus motivos.

"The contract" Adaptação MojuOnde histórias criam vida. Descubra agora