"Só mais um dia..."

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Se já havia passado a raiva então por que ela volta e meia ficava na defensiva e jogava na minha cara tudo o que houve entre nós? Lembrei do que ela havia dito sobre eu não conseguir administrar o meu casamento. Era a mais pura verdade, mas ainda sim fiquei mal por ouvir suas palavras.

- Mas você me perdoou? Pelo que você disse agora a pouco, sobre eu não conseguir administrar o meu casamento... Você não me perdoou, não é? - ela ficou tensa com minha pergunta. O silêncio dominou o ambiente e achei que não me responderia.

- Eu não o perdoei. - sua resposta me pegou desprevenido - Mas eu escolhi você. No final, é só isso o que importa. Agora vamos dormir.

Então era isso. Júlia não me perdoou, ela apenas me aceitou ao seu lado. O fato de ela não me perdoar seria um grande problema para nós dois. Eu me perguntei freneticamente se ela continuaria comigo se soubesse o real motivo das coisas horrendas que fiz a ela no passado. Eu poderia apostar que não.

- Eu vou recuperar a sua confiança, ou morrerei tentando. murmurei para uma Mulher já adormecida.

Eram em momentos como esses que eu refletia sobre contar ou não a verdade. Oportunidades surgiram, mas eu sempre desistia. Eu pensava: posso contar amanhã, só mais um dia! Mais um dia para ter uma Júlia simpática e receptiva a mim! O dia nunca chegava. A verdade parecia mais e mais distante de ser revelada. Ana Júlia me recriminaria pela minha lerdeza e ela tinha razão. Se eu quisesse ter um futuro saudável com minha mulher, eu deveria contar sobre o contrato. O problema era que contando a verdade, eu poderia não ter o futuro ao lado dela como almejo.

Essa confusão mental perdurou durante vários minutos até que me entreguei ao cansaço e dormi abraçado a ela.

...

- Amor, eu cheguei - anunciei enquanto passava pela porta do nosso apartamento e a trancava. - Amor? Olhei em volta.

As luzes do apartamento estavam apagadas. Eu não conseguiria enxergar se não fosse o fato das cortinas que cobrem as persianas estarem abertas e o brilho mortiço da Lua adentrar. Caminhei pelo apartamento retirando o pesado casaco que usava e deixando-o em cima do sofá juntamente com minha pasta. Olhando para o extenso corredor que dava acesso aos demais cômodos da casa, notei que a luz do quarto dela estava acessa.

- Júlia? continuei a chamá la estranhei ao notar que não havia ninguém em seu quarto embora as luzes estivessem acessas. Olhei para o piso e visualizei um papel.

Caminhei até lá pegando o papel e lendo-o. Era o testamento do meu pai, aquele que tinha a cláusula que me obrigou a me casar apenas para receber a parte de minha herança.

O que o contrato estava fazendo ali? Não deveria estar guardado em um cofre nas dependências da empresa? Será que...?

Eu não tive tempo para me desesperar. Pela visão periférica captei a luz do banheiro acessa com a porta entreaberta e algo deitado no piso.

Como em um filme de horror, eu me movi bem lentamente, como um velho, enquanto os olhos captavam melhor a imagem. Meu coração batia acelerado e minha respiração estava insuportavelmente ofegante. Minhas mãos trêmulas alcançaram a maçaneta e empurrei completamente a porta.

- Júlia estava ali, linda se não fosse à palidez excessiva do seu rosto que tinha uma expressão lívida. Embaixo do pescoço havia uma profunda laceração feita com algo afiado. Sangue por todo o lado manchando sua bonita camisola branca. Cai de joelhos, catatônico com a cena. Uma de minhas mãos foi ao seu pulso, mas nada senti. Ela estava imóvel, fria, não se mexia. Estava morta. Júlia se matou. Tudo por culpa do contrato, por minha culpa.

- Ahhh! - meus olhos se abriram encarando o teto do quarto onde estava hospedado. Meu coração dava pulos e minha respiração estava tão ofegante quanto no pesadelo que eu tive. Alguém murmurou em meus braços. Júlia estava profundamente adormecida, aninhada em meus braços.

Minha mão tocou a pele abaixo dos olhos e senti a umidade lá. Eu estava chorando e fiquei chocado com essa constatação. Meu pesadelo infelizmente estava vívido em minha mente. Pensar nele e compreendê-lo era atordoador. No meu pesadelo ela descobria sobre o contrato... E se suicidava.

Batidas soavam na porta. Resmunguei. Não queria de jeito nenhum me levantar, havia conseguido minutos atrás. Mas também não queria que Júlia acordasse. Levantei seguindo para a porta, sabendo muito bem quem batia aquela hora da manhã.

- Bom dia! - Ana Júlia me cumprimentou radiante. Eu a olhei de testa franzida.

- Está muito cedo. - resmunguei já fechando a porta na sua cara. Ela me impediu de fazer isso colocando o pé na porta.

- Não seja chato! Pedro e eu estamos esperando por vocês. Acorde sua mulher e diga para ela descer.

- Por que só ela? E eu?

- Só me interessa que minha cunhada esteja pronta. Hoje é o dia das compras, um "programa de meninas”. Você pode fazer o que quiser, até passar o dia de pijama comendo porcaria e assistindo jogo na TV. - Ana me deu língua e saiu saltitando pelo corredor. Fechei a porta.

Eu poderia ignorá la, voltar a dormir aconchegado a Júlia. Porém eu sabia o quanto minha irmã era insistente e o quanto sua insistência era incômoda. Por isso voltei ao quarto, me sentei na cama e, gentilmente, despertei minha mulher. Acariciei seu rosto com ponta dos dedos, me inclinei e sussurrei em seu ouvido:

- Amor, nós precisamos acordar. - ela se remexeu deitando de bruços, mas não me atendeu.

- Me dá mais uns minutos. - pediu. - Não posso. Se não for acordada por mim será acordada por sua cunhada e acredite: não vai querer isso. Claro que ela mesma já conhecia a teimosia sem limites de minha irmã. Levantou se amuada.

- Isso só pode ser brincadeira! - resmungou.

Acredito que seu resmungo foi por que ela viu o horário no relógio no criado mudo e concordou comigo. Estava muito cedo.

- Oi Júlia e... Nossa! Que galo enorme é esse na sua testa? O que aconteceu? - Ana Júlia perguntou enquanto nos aproximávamos. Resolvi me aproveitar da situação para provocar.

- Nós tivemos uma noite e tanto! A minha empolgação fez isso com ela. - levei um golpe na costela, nada doloroso. Any me olhou irritada. Ela ficava linda com aquela expressão no rosto.

"The contract" Adaptação MojuOnde histórias criam vida. Descubra agora