"Eu pude sentir a dor dela"

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- Acho que Júlia descobriu que Kate e eu, no passado... - não terminei. Era vergonhoso lembrar, falar.

- Você tentou expor seus sentimentos a ela?

- Não. Perdi muito tempo. Guardei o sentimento em mim e agi como um babaca. Eu não percebi que a estava perdendo. Achei que mais cedo ou mais tarde a raiva ia amainar e quando isso aconteceu, eu tive esperanças, mas ela não mudou por mim.

- Acho que sei onde vai chegar... Júlia arranjou alguém? - olhei para minha irmã.

- Como captou tão rapidamente a mensagem?

- Por que eu sou mulher maninho. Sei como as mulheres pensam. Um homem costuma mudá-las rapidamente e acredito que foi o que houve com Júlia, não é?

- Ela nao estava mais sendo agressiva, era tão indiferente a mim que... Eu a segui certa vez. Eu a encontrei com outro homem! - minha voz se alterou enquanto as lembranças terríveis me tomavam. Júlia nos braços de outro... O inferno!

- Wow! Entao ela realmente te chifrou? Bom para ela. - Ana disse toda animada. Olhei carrancudo para ela. - Ok, eu me calo! Continue.

- Eu demiti uma funcionária amiga dela acreditando que a tal funcionária a influenciava.

- VOCÊ O QUE? - Ana Júlia levantou-se exasperada. Ergui as mãos em sinal de rendição.

- Olha, antes de me criticar eu lhe digo que a funcionária era péssima! Até furtos ela cometeu. - justifiquei me antes que ela começasse a gritaria. Minhas palavras a detiveram.

- Ainda sim vou averiguar isso. - disse voltando a sentar ao meu lado. - Continue.

- Eu fui ingênuo. Não fiz o que deveria fazer. Eu deveria ter dito o que eu sentia, mas não fiz. Então encontrei a tal Izabela, que eu demiti. Ela estava sentida comigo e disse sobre os planos de Júlia. Eu tive que agir! Ela iria me deixar e ficar com um cara! E eu... - procurei me acalmar. Só de lembrar eu ficava nervoso. Principalmente por que eu ainda sentia a ameaça pairando.

- O que voce fez João Pedro? - Anaju perguntou. Não ousei olhá la.

- Antes que você me critique, eu não a estuprei nem nada disso. Eu a induzi a ficar comigo e ela  cedeu. - falei numa voz que mostrava o meu cansaço. Levantei me. - Eu preciso vela agora.

- Hei, você não me contou os detalhes! Eu quero saber de tudo! - eu me virei e sorri ao ver os olhos brilhantes de Ana.

- Ana Júlia, eu não sou uma mulher para fofocar. Eu tenho coisas mais importantes a fazer. - fui em direçao a porta. Agora era a hora de enfrentar meus demônios.

Primeiro eu a procurei no quarto de minha irmã, não a encontrei. Segui para o seu quarto, certamente ela estava lá. Hesitei na porta por alguns instantes.

- Júlia? Eu posso entrar? - perguntei enquanto adentrava o quarto. Ela não estava lá.

Constatar isso me deixou a beira da histeria. Corri apressadamente para o primeiro andar da casa. Temia que ela tivesse ido embora na surdina. Encontrei com Pedro na sala. Arfante pela pequena corrida, perguntei:

- Pedro, viu à Júlia? - meu estado frenético o alarmou. Ele apenas sacudiu a cabeça em negativa. Eu me pus a correr pela grande casa tentando enxergá-la, rezando para que estivesse em algum lugar. Avistei um grupo de empregados na cozinha.

- Oi, algum de vocês viu onde está a minha esposa? - perguntei numa voz mais contida. Todos se entreolharam, mas um deles respondeu.

- Eu a vi sair. Deve estar lá fora, perto do lago. - disse o senhor.

Murmurei um agradecimento e segui rapidamente para o local onde Ela poderia estar. Eu a encontrei, encostada na cerca próxima do lado artificial. Eu a contemplei por alguns instantes e então dei os passos a fim de estreitar o espaço entre nós, todos os espaços.

Hoje teríamos a conversa definitiva e o que fosse decidido aqui não mudaria. Vi Júlia colocar as mãos na cabeça, parecia perturbada.

- Júlia? - eu a chamei. Ela se endireitou num átimo. O corpo extremamente rígido. Não se virou para me olhar. - Por que veio para cá? Está escuro e a noite está fria demais. Vamos voltar para dentro. - caminhei em sua direçao, temeroso.

- Você me fez vir até aqui e eu vim, por que queria ter uma conversa definitiva. Me fez esperar até O anoitecer e já anoiteceu... - sua voz era perturbadora de ouvir. Ela estava prestes a surtar, eu sentia.

- Júlia, eu... - comecei, mas me detive. O que eu iria dizer a ela? A verdade?

Ela me perdoaria se soubesse que inicialmente
eu a queria apenas para ganhar dinheiro? Não, mulher nenhuma perdoaria. Seria melhor calar a boca. Coloquei a mão em seu ombro, queria virá la e olhá la. Pedir desculpas. E então ele veio, um tapa.

Desorientado como estava a princípio não me situei dos fatos. Pouco a pouco, em uma fração de segundos, eu fiquei a par da situação: Franco me bateu.

Após o espanto eu a olhei, eu realmente a olhei. Eu vi em seus olhos castanhos, marejados e raivosos, toda a dor que eu causei. Como um filme diante de meus olhos, mas desta vez eu os assisti pelos olhos dela...

Flashback...

- Aonde vai querido? - perguntou meiga. Eu nem sequer a olhei concentrado demais em ajeitar minha gravata.

- Não interessa a você! - disse grosso enquanto saia pela porta.

Lembro-me daquele dia. Não pareceu nada demais para mim na ocasião. Agora que eu a amava eu me odiei verdadeiramente por aquele dia.

Manhã de domingo. Ela sorria forçadamente, engolindo a dor que sentia com minha frieza. Eu dava mais atenção ao café que sorvia do que a ela.

- Eu queria conhecer a fazenda da família. Vamos para lá qualquer dia? - colocou sua mão sobre a minha. Eu a afastei de mim.

- Vá sozinha se quiser. - falei áspero. Os olhos dela umedeceram, mas ela conseguiu reprimir o choro.

Flashback off

Tão mesquinho eu fui. Eu a feri tantas vezes! Um tapa de Júlia, vários dele, não eram nada; não compensavam. E estranhamente, enquanto as lembranças vinham rapidamente, eu pude sentir a dor dela. Retirei a mão pousada no meu rosto e me preparei para mais. E então ela não hesitou. Avançou contra mim golpeando repetidas vezes meu rosto, sem me dar tempo sequer de me recompor.

Não sei por quanto tempo fui golpeado na face. Estranhamente a dor física não me alcançou. Tudo o que eu sentia naquele momento era a dor dela, a dor de minha mãe que deve ter sido similar a dela. Por fim acabou, ou deduzi ter acabado, estapeando-me tão forte que quase fui ao chão.

Eu a vi cair no chão, esgotada. Seu corpo tremia e seu rosto banhado em lágrimas. Eu havia revivido naquele momento os piores momentos dela, por isso Júlia estava naquele estado.

Eu era nocivo.

"The contract" Adaptação MojuOnde histórias criam vida. Descubra agora