Capítulo 157: Pedra preciosa

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POV Luna

Aqueles breves segundos, apenas encarando os seus olhos que a tanto tempo não tive acesso. Segundos que mais pareciam horas. Horas a admirar, a perder-me na sua vastidão. Como esperava, eram diferentes daquilo que me lembrava. O brilho que antes confundia-se com faróis a guiar o meu coração até o calor do seu corpo. Não era mais visível. A força que deles exalava, agora escondia-se em algum lugar. O medo e a angústia dominaram esse olhar junto das marcas de todas as cicatrizes que eles deixaram, tanto no seu corpo quanto na sua cabeça.

— Consegue se lembrar do meu nome? — Pergunto na esperança de reacender essa luz.

Infelizmente... essa única pergunta demonstrou que a esperança talvez não exista. As lágrimas dela escorreram pelo seu rosto. Ela sentou na maca e começou a empurrar o meu corpo para longe dela enquanto forçava a sua mandíbula contra o aparelho que a impedia de gritar.

— Cristal... consegue se lembrar de mim? — Insisto e seguro os seus braços para continuar ao seu lado.

Ela abre os lábios com força e fecha os olhos. Os seus dentes estavam presos por fios de aço entrelaçados e as suas tentativas de gritar começaram a ferir a sua gengiva produzindo linhas de sangue entre eles.

— Dona Cristal, preciso que mantenha a calma, a sua mandíbula possui diversas fraturas, força-la apenas gerara mais problemas. — Amanda diz enquanto tentava aproximar-se dela sem receber nenhum chute ou tapa no caminho.

— Olha para mim... Cristal, aqui ninguém vai-te machucar. — Digo e prendo as suas mãos apoiadas próximas aos meus ombros para que a doutora consiga posicionar-se. — O que vamos fazer?

— Preciso seda-la antes que se machuque. — Amanda diz com uma seringa nas mãos. — Mas não vou conseguir com ela se debatendo tanto.

Mesmo com as mãos imobilizadas, Cristal não parou de se mexer. Chutes, cotoveladas e cabeçadas enquanto a doutora tentava aplicar o medicamento.

— Cristal, precisa parar, mesmo se não for por mim ou por você. Chiara precisa de você... — Assim que menciono a nossa pequena, ela para por alguns instantes e volta a sua atenção para mim. — Lembra-se dela? A sua filha, estava aqui a algumas horas segurando a sua mão.

Cristal observava-me e nos seus lábios já haviam vestígios de sangue. Amanda coloca a injeção no pescoço dela e gradualmente ela fica mais calma, mas ainda estava consciente. Deito-a na maca novamente e com uma gaze e muito cuidado limpo o seu rosto.

— E agora, o que vamos fazer? — Renata pergunta com um tom triste e preocupado na voz.

— Agora é conversar com ela, explicar tudo que aconteceu, descobrir o que ela lembra e acima de tudo, tranquiliza-la. — Amanda diz e apenas seguro a mão da Cristal.

— Tenho certeza que amanhã Chiara vai querer vê-la, isso deve ajudar. — Digo e beijo a sua mão enquanto ela mantinha o seu olhar curioso sobre mim.

— Mas como vamos conversar com ela se esse aparelho não a deixa falar? — Renata pergunta e vejo a Júlia pegar um bloco de notas da mochila.

— Isso pode resolver o problema. — Ela entrega-me.

— Devo ter uma caneta em algum lugar. — Digo e procuro o objeto nos meus bolsos. — Aqui Cristal, pode escrever ao invés de falar.

Ela aceita e demora alguns segundos a mais que o normal para escrever por causa do calmante.

— *Onde estou?* — Leio a mensagem em voz alta. — Está no hospital do norte. — Respondo e devolvo o bloco para ela que volta a escrever. — *Não deviam ter feito isso.*

— Feito o quê? — Renata pergunta confusa.

— *Não deviam ter ido atrás de mim, tinham que me esquecer.* — A olho e abaixo para ficar mais próxima ao seu rosto. — Nunca conseguiríamos esquecer você, é uma de nós, a nossa líder. É mais importante do que pode imaginar.

— Verdade patroa, você sempre esteve nos nossos pensamentos. Não deixamos uma irmã para trás, foi você que nos ensinou. — Renata diz com um sorriso bobo para ela.

— *Foi tudo por minha culpa. Afastei todas vocês e as coloquei nessa confusão, desculpa.* — Coloco o bloco ao lado da maca e a mão dela sobre a cicatriz no meu ombro. — Prometi que enquanto sentir que me ama, não desistiria de você. Não foi culpa sua, estava disposta a sacrificar-se por nós. Por isso, arriscamos tudo para te trazer de volta e posso garantir, nenhum de nós tem arrependimentos quanto a isso. Faria de novo e de novo, quantas vezes fosse preciso por cada uma de nós.

— É bifestinha, você juntou essa família maluca, cheia de erro, mas quando mexem com uma. Mexem com todas, as nossas irmãs vêm em primeiro lugar sempre. Vai ter que nos aguentar por muito tempo ainda, não tem como fugir. — Ivete diz da porta do quarto apoiada no ombro da Gabi que já estava com o rosto molhado pelas lágrimas.

— Bom, já deu de fortes emoções por hoje. Todas aqui precisam descansar. — Amanda diz abraçada a Júlia.

— Posso ficar sozinha com ela essa noite? — Peço e elas apenas confirmam, despedem-se e saem do quarto. — Não precisa mais ter medo de nada, não vou sair do seu lado.

Sento-me na poltrona ao lado da maca enquanto ela me observava. Ela parecia cansada, estende a mão na direção do bloco e o entrego.

— *Lembro de você, Luna, e dos sonhos que tive ao seu lado.* — Olho para ela, mas já estava de olhos fechados.

Sorrio pela mensagem e dou-lhe um beijo de boa noite na bochecha. Ajeito o meu corpo na poltrona, seguro na sua mão e permito-me adormecer ao seu lado. O restante da noite foi complicado. Cristal não conseguia descansar, acordava agitada e algumas vezes chorando.

— Está tendo pesadelos? — Pergunto enquanto enxugava o seu rosto e ela apenas confirma com um balançar de cabeça. — Tem algo que possa fazer para ajudar?

Ela pega a caneta e escreve.

*Me tira daqui.*

— Onde quer ir? — Pergunto enquanto observava cada traço feito na folha.

*Quero ver as estrelas. Não vou fazer nada de errado.*

— A noite está fria, pode ficar doente. — Explico para que ela desista dessa ideia.

*Por favor, preciso lembrar de como elas são.*

— Não te deixaram sair durante todo esse tempo? — Pergunto e ela nega coma cabeça.

*Tinham medo de alguém me ver ou tentar escapar.*

— Okay, mas vai ser rápido e não pode contar para a doutora sobre isso. — Digo e a ajudo a levantar da maca.

Ela ainda estava muito fraca, mal conseguia manter-se em pé. Tento pega-la no colo, mas a mesma afasta-se assustada.

— Desculpa, só queria ajudar. — Digo, ela desvia o olhar envergonhada e passa o braço pelo meu ombro para apoiar-se.

Pego o cobertor que estava sobre a maca e a embrulho.

— Assim não vai ter problema com o frio. — Falo enquanto ela apenas observava tudo que fazia.

Caminhamos em silêncio pelo corredor sem ligar as luzes do lugar para não chamar a atenção das meninas. Vemos Renata dormir sentada nas cadeiras da recepção, vamos até o elevador e subo com Cristal até o heliponto. Ela encarava a noite escura como uma criança. Os seus olhos refletiam a luz das estrelas até a própria lua surgir por entre as nuvens. Tão bela e única, pedra preciosa.

Nem a distância nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora