Capítulo 172: Caos

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Quebra de tempo: Horas antes.

POV Cristal

Luna se despede e não demora muito para uma mulher estranha entrar no quarto. Amanda e Júlia pareciam receosas com a presença dela. Talvez esperassem algo de mim, mas estava tão cansada que mal conseguiria mexer o meu corpo. Cada movimento causava uma dor diferente em um lugar aleatório. Até respirar doía. Não que isso seja uma novidade, após tanto tempo, não sentir seria estranho. A mulher estava agitada, vestida com um pijama de carrinhas de cachorro e carregava uma bolsa preta de tecido ou plástico. A minha cabeça latejava, era difícil manter os olhos abertos, provavelmente ainda não acostumei com a luz e os movimentos dela não ajudavam. Às três não demoraram para se aproximar. Se pudesse, as mandaria embora. Ficar sozinha não é bom, mas é melhor que esse medo constante quando estou com elas.

Chega a ser engraçado ouvir a Luna dizer que conseguiram, resgataram-me. Uma grande ilusão para amenizar a realidade. Scofield venceu no momento que fui capturada e Teddy morto. Sacrificaram os seus dias a me procurar ou invés de continuarem com as suas vidas. Não consigo apagar as memórias daquele dia, elas voltam a minha cabeça cotidianamente. O som das balas, o cheiro de merda daquele capuz, o grito da Luna, os tiros me atravessarem e o corpo dele ensanguentado, caído ao chão. Fui fraca, não consegui salvá-lo, derrotada.

— Cristal!? Oi! O meu nome é Liliam. Sei que não nos conhecemos, mas sou a esposa do irmão da Luna, o Thomas. — A voz dela era doce, mas não tinha ânimo para a conhecer e apenas desviei o olhar. — Vou cortar o seu cabelo, não sou uma profissional, mas darei o meu melhor para a deixar ainda mais bonita.

— Vou fazer companhia para o Thomas, acredito que não vão precisar de mim. — Júlia avisa antes de sair do quarto.

— É uma mulher linda, Cristal, mas não entenda mal. A imaginava um pouco diferente. — Ela ri envergonhada, não queria ouvir as suas opiniões, não importavam. — Sei lá, pela descrição da Luna, pensei que fosse mais parecida com a Júlia, sabe? Cheia de tatuagens e uma cara fechada. — Por que não fica calada de uma vez? É tão difícil de entender que não me interessa?

Foi alguns minutos dela a conversar sozinha, o som se misturava ao barulho da tesoura até Amanda decidir buscar um copo de água para nós.

— Nossa! Desculpa estar tão tagarela, mas é muita emoção estar diante de você. Assim, como explicar? Quando conheci a Luna, nos tornamos amigas quase que no mesmo instante. Nisso o Thomas decidiu ampliar o mercado da agência, ele é advogado conhecido. Concordamos em nos mudar para a cidade já que aqui o Harry, nosso pequeno, cresceria com os tios, as tias, vários primos. — As palavras dela, essa animação, eram indiferentes para mim. — Todos nos acolheram tão bem, como uma família de verdade. Agora estou com a mulher que começou, reuniu todas essas pessoas. Sinto-me honrada na sua presença.

Apenas conseguia pensar em como a fazer calar a merda da boca. Não queria lembrar mais o passado, pensar em tudo e muito menos ouvir a visão de uma total desconhecida sobre a minha vida.

— Eles contaram por cima sobre o que aconteceu com você e adoraria dizer que entendo pelo que está passando, mas não consigo nem imaginar. Arrepio inteira só de pensar em alguém me obrigar a ficar longe do meu bebezinho e do Thomas. Credo! Com certeza surtaria em poucos dias, perderia toda a minha sanidade. — Mais uma risada envergonhada. — Tipo, não estar no primeiro dia dele na escola, não conhecer os amiguinhos de infância. Olha, ninguém pode negar a sua força. — Apenas consigo fechar os olhos na esperança de não conseguir ouvir mais nenhuma palavra, de perder-me na escuridão. — Chiara e Mel com certeza herdaram isso de você. A menor é mais tímida, mas muito inteligente e talentosa. A escola fez uma exposição com os trabalhos das crianças e ela foi elogiada pelos pais e professores. Ficaria orgulhosa de ver. E a Chiara nem se fala, pode não ter as melhores notas, mas o coração dela é gigantesco. O próprio Thomas teve que a buscar na diretoria uma vez por defender duas garotas de um grupo de meninos idiotas. Corajosa e valente, os melhores adjetivos para ela sem dúvida alguma. Sem contar que é linda com uma personalidade impressionante. — Por favor, para... Não queria chorar na frente dela, não quero pensar em tudo que perdi... Por favor... Só para.

Preciso sair daqui. Gritar, correr para qualquer lugar. As minhas mãos tremiam. Não sabia se estava irritada, com medo ou agoniada. Chiara já está adulta e a Mel em poucos anos se tornará uma adolescente. A dor de cabeça que antes impedia-me de abrir os olhos, agora causava ânsia e tontura. Ouço o último corte ser feito nos meus fios e levanto da poltrona sem muito controle dos meus passos. Poderia cair a qualquer segundo, mas precisava fugir, mesmo que me arrastasse para isso. Queria ficar sozinha, talvez bater a cabeça numa pedra ou na beirada da pia e esquecer da minha própria existência.

Não sei ao certo como consegui chegar ao banheiro ou trancar a porta atrás de mim, mas estava aliviada por estar ali. Conseguia ouvir as vozes das meninas do outro lado misturadas com a da Cold, Scofield, Ryan, Rodrigo, Naomi. Os estalos do chicote, as batidas na porta, garrafas jogadas na parede e risadas nojentas. Um completo caos, o meu estomago revirava e um pouco do gosto da sopa voltava a minha boca. Já não controlava as lágrimas do meu rosto e não conseguia gritar. Fechar os olhos não é uma opção, por medo de não os abrir novamente. Não lembrava como respirar, estava sufocada. Vejo o bloco de notas e a caneta passaram pela fresta da porta, mas todo o barulho suprimia a voz das meninas.

Foca na respiração Cristal, eles morreram, não precisa ter tanto medo. Chiara, Melissa, Luna... Todas as meninas estão seguras. Não surta, só dessa vez, não perde a cabeça. Essas vozes são só paranoias, traumas. Logo o silêncio vai voltar, é apenas uma questão de tempo... Merda!

Nem a distância nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora