Capítulo 194: Paz

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POV Luna

As crianças estravam agitadas, brincavam de esconde-esconde entre as vizinhas na parte de trás da casa. Amanda animada contava sobre a conversa que teve com a responsável do hospital e observava o olhar apaixonada da Júlia nela. Ivete e Gabi brigavam com o carvão e alguns fósforos em frente a uma churrasqueira de tijolos. Alguns meninos foram comprar as carnes enquanto outros colocavam as bebidas numa caixa térmica. Marli e Cristal estavam juntas na cozinha, Chiara, Lúcio e Charlie fazia uma chamada de vídeo para a Laila e Priscilão deita-se na grama a observar o céu escuro sem Lua.

É estranho pensar que, a poucas semanas, estávamos cobertas por incerteza e medo. Agora, riamos descontraídos como se não houvesse nenhum problema a nos rodear. Esses momentos são bons, leves. Será essa a primeira noite que vou deitar com a cabeça tranquila? Será que ainda me lembro o que isso significa? Não precisava pensar tanto, apenas aproveitar cada segundo dessa paz encantadora.

Vejo Cristal olhar para mim e um sorriso fraco se forma no rosto dela. Levanto e caminho até a cozinha, haviam algumas panelas no fogão, o cheiro do tempero era bom e fazia o meu estomago roncar.

— Pode ficar tranquila Senhorita Luna, logo serviremos um aperitivo antes do jantar. — Dona Marli possuía um sorriso acolhedor com um toque engraçado.

— É uma ótima notícia, vou ter que procurar uma academia em breve ou triplicarei de tamanho com tanta comida gostosa. — Digo sem jeito, mas feliz por vê-la satisfeita com o meu comentário.

Os meninos chegam com algumas sacolas de compras e a Senhora vai ajudá-los a separar as carnes para o churrasco de hoje e as que serão guardadas para outros dias. Cristal volta a atenção para uma panela e começa a mexer uma sopa de legumes.

— Pelo menos essa não parece uma água de batata com bolhas de óleos. — Abraço ela quase que de forma instintiva, a percebo fechar os olhos e apertar as mãos com força. Solto a cintura dela e dou um passo para trás. — O que foi? Machuquei você? Foram as costas?

Cristal demorar alguns segundos para abrir os olhos novamente e era impossível não notar as lágrimas prestes a cair. Ela se manteve calada enquanto a respiração normalizava, tento aproximar, mas ela se afasta e tromba de costas com Din que trazia algumas sacolas.

— Opa, cuidado. — Ele ri enquanto ela dá alguns passos para longe de nós e noto as mãos trêmulas.

— Cristal... Calma, respira. — Tento aproximar, mas ela estava muito assustada e corre para o hall.

— Fiz algo? Desculpa. — Din se assusta com a reação dela e deixa as sacolas no chão quando a vemos sair da casa.

— Não... a culpa foi minha, cuida de tudo aqui, vou buscá-la. — Corro na direção dela e saio da mansão.

A sigo por uma fileira de vinhas enquanto a chamava até chegarmos num morro repleto de árvores e mato.

— Cristal... Espera... É a Luna, por favor para de correr. — Não sei como não conseguia a alcançar.

Ela apenas não ouviu e continuou. A subia não era fácil, não queria que ela machucasse, mas quanto mais me aproximava, mais ela corria. Chegamos ao topo e lá estava à vista de um enorme lago o qual refletia as luzes da cidade na outra margem. Apenas um barranco não muito alto nos separava da água. Cristal na beirada para por alguns segundos, fico receosa de aproximar e ela correr novamente.

— Ei! Não precisa fugir, está segura agora. — Dou pequenos passos na direção dela que se ajoelha com as mãos no peito.

Conseguia ouvir o choro descontinuo pelos soluços e suspiros de dor. Um grito inesperado é solto e ecoa sobre a água a formar pequenas ondas. Não sabia o que falar... ou não tinha o que falar. Seria idiota pedir para que ela se acalme, mas poderia deixá-la ali para desabafar? Prometi que estaria aqui e nem sei o que fazer para ajudar. Apenas sentei poucos passos ao lado dela enquanto escutava aquela melodia agoniante. Não sabia quanto tempo passou, mas sentia as vibrações das mensagens que recebia.

Mensagens ligadas.

Conversa privada com Sapafrozen ligada:

(Ivete): tudo certo por aí?

(Ivete): conseguiu encontrar ela?

(Ivete): pelo amor, diz que não esqueceu o celular na casa.

(Ivete): caralho, garota, responde antes que alguém infarte.

(Luna): estou com ela, não precisam se preocupar, logo vamos voltar.

(Ivete): então liga para a Chiara e convence ela a não entrar no meio do mato atrás de vocês.

Conversa privada com Sapafrozen desligada.

Afasto um pouco da Cristal, não queria que a Chiara a ouvisse chorar.

Mensagens desligadas.

Ligação com Filhota ligada.

(Chiara): onde vocês estão? O que aconteceu? A minha mãe machucou? Estão bem?

(Luna): respira e falar devagar ou não consigo responder. Estamos bem, ninguém se machucou.

(Chiara): Din disse que saíram às pressas da mansão, não avisaram ninguém.

(Luna): sim, foi isso, quando voltarmos, explico tudo, não precisa ficar preocupada.

(Chiara): posso ir até vocês se precisar, só me manda a localização e...

(Luna): não precisa, filhota, já está tudo bem. Relaxa a cabeça, logo vamos voltar.

(Chiara): certeza?

(Luna): sim, acalma todo mundo aí e guarda um pouco de carne para nós. Amo você.

(Chiara): também amo, manda mensagem qualquer problema.

(Luna): não vamos ter problemas essa noite, pode ficar despreocupada. Vou desligar, beijos.

(Chiara): beijos.

Ligação com Filhota desligada.

Vejo as mensagens das meninas e respondo que já estaríamos de volta. Cristal parou de chorar e apenas observa a água. Sento ao lado dela, um pouco distante.

— Desculpa... — Ela limpa o rosto. — Não queria estragar a noite.

— Mas não fez isso. — Os nossos olhares se cruzam e percebo os olhos vermelhos dela. — Quer conversar?

— Não sei se consigo... Às vezes é tão calmo e de repente um turbilhão de memórias, pensamentos, vozes, rostos. — Ela diz com uma voz falha, com um nó na garganta.

— Foi algum gatilho? — Pergunto e ela leva as mãos para a cintura.

— Ainda não consegui esquecer os toques dele. — Mais algumas lágrimas escapam.

— Não deveria esquecer. Vai conseguir superar e vou ajudar com o que conseguir. Vamos acalmar essa tempestade na sua cabeça e, com o tempo, será apenas passado. — Aproximo, seguro a mão dela e faço um carinho.

— Gosto quando está perto de mim, sinto que estou segura, mas ainda não consigo ficar tão perto de ninguém. — Ela tira a mão da minha.

— Já é um ótimo começo. — Sorrio. — Melhor voltarmos, as meninas estão preocupadas, está escuro e se demorarmos muito, duvido que a Ivete vá deixar algo para nós. — Tento amenizar o clima pesado.

Ela concorda com a cabeça e voltamos para a mansão. O pessoal nos vê entrar e percebo o alívio de todos.

— Quer ficar perto da churrasqueira conosco? — Pergunto enquanto ela estava de cabeça baixa.

— É melhor ir para o quarto, não quero atrapalhar. — Ela responde e começa a subir as escadas.

— Você nunca atrapalha. — Tento convencê-la, ela olha na direção deles e volta a subir. — Bom descanso.

Espero ela chegar no topo da escada e vou até o pessoal na churrasqueira.  

Nem a distância nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora