Capítulo 173: Não quero ser um fardo

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POV Cristal

Parecia que os meus órgãos tremiam enquanto o meu corpo estava paralisado. Lágrimas quentes escorriam pela minha bochecha e a garganta estava seca ou torcida. Não conseguia os silenciar. Enjoada, tonta, agoniada e em pânico por um, dois, cinco ou dez minutos. A ponta dos meus dedos formigava, mas não me dava o trabalho de mexê-los.

— Cristal... — A voz da Luna em meio ao caos, suave, quase uma melodia, mas nem conseguia distinguir se era real. — Abre para mim, por favor... Lia contou o que aconteceu, a mulher que chamei para cortar o seu cabelo... — Ela estava aqui, a menos de um passo de distância e não conseguia mover-me para a abraçar. — Foi mal, nem imaginei que ela pudesse dizer aquilo... Não vou deixá-la sozinha, se quiser passar a noite aqui, tudo bem. Vou ficar com você... — Podia sentir a culpa nas suas palavras, mas não entendo o porquê.

Saber que ela estava ali, ouvi-la, gradualmente acalmou os meus pensamentos. Os resquícios de todos aqueles sentimentos ainda estavam em mim, mas já não incomodavam tanto.

— Sei que não quer falar, nem ouvir sobre nada disso, mas... Sei lá, esquecer ou não tocar no assunto, não vai resolver nada. Então, se de alguma forma quiser conversar ou escrever sobre... É só uma ideia. — A voz da Luna foi a primeira que ouvi após anos sem acreditar existir uma saída daquela escuridão.

Nos segundos seguintes tenho vagas lembranças da Chiara. Como agora, não sabia se alucinei ou não. Talvez seja uma boa forma de começar.

*A Chiara estava lá?*

Passo a mensagem por baixo da porta e não demora para obter uma resposta.

— Onde?

* Onde me acharam.*

— Sim, não consegui impedi-la de participar, nem poderia. Ela se esforçou muito para estar pronta quando a encontrássemos. — Pelo menos não estou totalmente louca.

*Lembro de poucas coisas daquele dia, mas tenho certeza que ouvia a voz dela. Pensei que tivesse delirado.*

— Foi uma festa quando Charlie mandou a sua localização. Estávamos ansiosos desde que ele ligou pela primeira vez.

*Ele arriscou tudo por isso. Igual ao Ry... *

— O garoto falou o que fizeram com ele. Sinto muito! Não devia ter viajado, sabia que tinha algo errado e ainda assim virei as costas e fugi... Sinto muito... — Ela se culpou de novo.

*Gostei que foi. Estava segura longe, não queria que se envolvesse. Se machucasse de novo.*

— Foi muito esperta para encobrir os mapas.

*Não o suficiente.* Se fosse, Teddy ainda estaria aqui.

— Demoramos alguns dias para entender, pena que contamos para um traíra.

*Quaresma?*

— É, aquele cretino, que ódio de ter acreditado nesse merda. — Terceira vez.

Sabia que haviam corruptos na polícia, mas não lembro do rosto dele. Não gosto do rumo dessa conversa.

*As meninas não estão à sua espera?*

— Estão, mas conseguem resolver sem mim.

*Pode ir, só quero dormir um pouco.*

— Não consigo. — A voz dela mudou, está trêmula.

*Por quê?*

— Porque... Algumas vezes, enquanto estava com eles... Era como se estivesse lá com você... Conseguia ouvir e ver tudo que faziam, menos impedi-los... Menos protegê-la. — Não era uma ilusão? Então a presença que me fazia dormir a noite era ela?

Esforço-me para destrancar a porta, arrasto até ela, sento ao seu lado e apoio a cabeça no seu ombro. Precisava senti-la ali, o toque, o cheiro, vê-la. Os nossos corações estavam sincronizados, calmos. O sono testava-me e não sabia ao certo por quanto tempo continuaria acordada.

— Vamos para a cama. — Ela sugere, talvez tenha notado o meu cansaço, mas tinha compromisso e não posso a atrapalhar.

*Precisa ir até às meninas.*

— Não vou deixá-la sozinha. — Luna estava decidida com a mão estendida para mim.

Não quero ser um fardo para elas e sei que ele não vai sair daqui sem mim. Talvez não seja tão ruim, também a quero comigo.

*Vou com você.*

— Tem certeza? — Apenas confirmo com a cabeça e aceito a sua mão ao me levantar.

Ainda não tinha firmeza nas pernas, elas bambeavam em alguns passos. Luna segura a minha cintura e caminhamos juntas até a garagem. Ela ficou nervosa por não ter nenhum carro disponível, ou seja, teríamos que ir de moto. Concordei sem problemas e ela entregou para mim a sua jaqueta, pois não queria que sentisse frio. Luna conversa com as meninas pelo rádio antes de subir na moto e durante todo o percurso pude sentir o perfume dela, no vento que incomodava o meu rosto.

Não demoramos para chegar e percebo que já havia esquecido de como era esse luar. As entradas, a pista, as luzes. Faz tanto tempo que mal recordava-me da fachada com o grande letreiro Inferninho envolto por chamas vibrantes. A música alta não incomodava tanto quanto as vozes variadas que ecoavam de dentro do lugar. As minhas mãos estavam inquietas ao imaginar quantas pessoas haviam ali.

— Fica tranquila que não vamos ficar na muvuca. Vou deixá-la num quarto no segundo andar. Prometo, não vai demorar. — Luna dizia calma enquanto prendia uma bandana vermelha no meu rosto. — Assim que encerrar as vendas, levo-a de volta para o hospital ou podemos dar uma volta pela cidade, você decide. — Ela toca no meu rosto com um sorriso cativante. — Está linda.

Não sabia como reagir e apenas permiti que ela me guiasse por um corredor pequeno até a festa. O lugar estava cheio, a maioria dançava, bebia e gritava enquanto outros se agarravam pelas paredes, sofás e em cima das mesas. Sinto que poderia perder-me da Luna a qualquer momento e seguro o seu braço quando ela tenta forçar a passagem pelas pessoas.

O cheiro forte das bebidas, esbarrões por todo lado e as vozes que se misturavam a música em um barulho alto e aterrorizante faziam o meu coração acelerar. Sentia uma estranha fragilidade diante dessa multidão. Como uma formiga junto de gigantes prestes a ser pisoteada. Luna ainda conseguia empurrar alguns, mas não parecia que estávamos nos movendo. Um barulho mais alto na caixa de som como um chamado de debandada. Não consegui reagir ao percebê-los na nossa direção, apenas permiti que Luna nos prendesse contra a parede e agarrei a sua cintura. Parecíamos a beira de um abismo com centímetros de terra a nos proteger da queda.

Nem a distância nos separaOnde histórias criam vida. Descubra agora