Capítulo 123

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— Deus me ajude. — Falei comigo mesmo, de pé, em frente ao prédio da empresa Abrahão.

Entrei com o pé direito naquele lugar que me deixava atordoado e irritado com as pessoas esbarrando em você de minuto em minuto. Barulho de telefone, falas altas, mandados e mais mandados de pessoas importantes... Era por isso que Renato fabricava o próprio dinheiro. Aquilo nunca parava. Em hipótese alguma.

Me dirigi ao balcão da frente tentando conversas com suas funcionárias, ambas discutindo em seus telefones em headset.

— Boa tarde. — Falei. — Renato já chegou?

— Só um minuto. — Cagou pra mim.

Aquilo iria durar...

— Você quer falar com o senhor Abrahão? — Uma funcionária me deu atenção, largando o headset de lado.

— Eu sou o genro dele. Micael Borges! — Avisei à elas que mudaram a feição. Do nada. — Você pode me dizer se ele...

— Olha ele aí. — A voz de Renato ecoou atrás de mim. Estava acompanhado de dois caras de terno. Abriu os braços, sorrindo. — Preparado pro seu primeiro dia de emprego?

— Mal posso esperar. — Sorri forçado. Eu estava grato pelo emprego, só não pensei que trabalharia com Renato.

— Venha comigo. — Me chamou. Fui seguindo o homem de poder como um cachorrinho perdido.

Esbarrei em três funcionários, ambos de terno. Ódio! Eu ficaria assim também ou eles tinham problemas com a vida? Não olhavam pra onde andavam?

Entramos na sua enorme sala. Renato fechou à porta atrás de si, apontando pra uma mesa no canto externo da sala. Cheia de papéis. Muitos papéis!

— Ali estão todas as fichas de compradores e empresários que consegui ajuntar esse ano. Seu trabalho é ligar pra todos os 100 primeiros números e separar as categorias. Com atenção, por favor! — Aquilo foi uma ameaça. — Depois você grampeia tudo e pode mandar até uma das minhas funcionárias aqui na frente, elas precisam dar baixa pra voltar os documentos até mim. — Renato sentou em seu lugar.

Fiquei confuso mas entendi.

— Hum... — Observei a pilha de papéis. — Você vai assinar a minha carteira de trabalho?

— E você tem uma? — Arqueou uma sobrancelha, rebatendo.

Eu não tinha uma porque minha mãe nunca deixou eu tirar.

— Podemos revisar o seu outro contrato depois do seu turno. Salário, seguro desemprego, benefícios da empresa, essas coisas. — Deixou passar, atento em alguma pasta que havia achado.

— Quanto você vai me pagar por isso? — Cruzei os meus braços.

Renato parou o que estava fazendo.

— Irei te pagar o que for necessário!

— E quanto é o seu necessário?

Deixei o homem sem palavras.

— Já disse que vamos resolver isso depois. — Voltou a dar atenção na pasta.

— Mas como eu vou trabalhar em um lugar que não sei ao menos a minha renda salarial? — O irritei com aquele assunto, de propósito.

— Garoto, você não queria um emprego? — Renato suspirou, cansado. — Milhares de pessoas dariam a vida pra estar no seu lugar!

— Eu sei, não estou reclamando! — Assenti. — Só quero saber o meu salário daqui em diante.

Renato massageou a têmpora, sem paciência nenhuma.

— Novecentos dólares.

— NOVECENTOS DÓLARES? SÓ ISSO? — Fiquei indignado.

— Você vai ganhar novecentos dólares pra olhar papéis. Não acha que está bom? — Rebateu.

— Você se esqueceu que eu preciso administrar uma casa agora? Novecentos dólares não vai dar em nada. Sou o único que trabalha por lá. — Meu medo era maior. Eu estava cutucando a onça com vara curta.

— Tanto faz. — Renato resmungou. — Pode sentar a bunda ali e começar a trabalhar. Tenho uma reunião em quinze minutos, quando voltar, quero tudo feito e na medida do possível. — Ah claro! Como se eu conseguisse ler mil papéis em uma hora. Gênio!

Renato deu de ombros, levantando. Saiu da sala e me deixou sozinho, acredito que fosse pra me acostumar.

Meu trabalho não era difícil mas também não era fácil. Ficar pendurado em um telefone o dia inteiro me causou dores de cabeça, dor no pescoço e alguns problemas. A pilha de papéis na minha frente me fez ter uma crise de pânico por segundos, mas logo depois lembrei que eu precisava daquele emprego. Ganhar trezentos dólares cuidando de uma garotinha não me ajudaria tanto assim.

— Empresas Abrahão, eu gostaria de falar com o senhor Gouldeberg? — Franzi o cenho após pronunciar o nome que estava no papel. — Ah, claro! — Assenti como um idiota. — Eu posso retornar depois? — Peguei uma caneta e rasurei o número trinta e dois da folha. — Muito obrigado! Tenha um ótimo dia. — Voltei o telefone de volta à base.

Até agora tinha conseguido conversar com dez de uma lista de cem pessoas. Renato me mataria? Foda-se se mataria, era o meu primeiro dia trabalhando de verdade.

— Empresas Abrahão, por acaso eu falo com o senhor Ronald? — Tentei o número trinta e três, com uma caneta em mãos pra caso ele desistisse de conversar. — Boa tarde, senhor Ronald! Sou Micael Borges das empresas Abrahão e gostaria de saber se o senhor gostaria de ficar na categoria... — O cara era surdo e deveria ser um velho safado que ficava assistindo pornô de adolescente. Eu imaginei isso quando o mesmo me pediu pra repetir a frase, cinco vezes. — Não, não senhor Ronald! Não somos de uma empresa de fast food. — Coloquei as mãos na cabeça.

Aquilo iria durar.

Quando terminei os cem primeiros números, sai da sala e fui até o murmurinho de funcionárias do Renato, que ficava em uma sala ampla na frente, como se fosse um hall de hotel. Cinco mesas do lado esquerdo, uma atrás da outra e cinco mesas do lado direito, também atrás da outra.

Parei na mesa de uma morena com o cabelo escorrido, magra, parecia ter uns vinte e poucos anos. Os olhos verdes chamaram a minha atenção.

— Olá. — Soltei meio tímido. Ela me encarou franzindo o cenho. — O Renato me pediu pra deixar isso aqui. — Entreguei a pilha de papéis, um pouco menor agora.

— Olá! Você é quem? — Teve dificuldade pra saber o meu nome, até porque ninguém sabia o meu nome. Nem crachá eu tinha!

— Micael Borges. — Estendi a mão pra ela. Nos cumprimentamos. — Sou novo por aqui. Eu trabalho na sala do Renato.

— Prazer, Micael Borges. — Que sorriso bonito! A moça era bem simpática e deveria fazer sucesso entre os homens. — Meu nome é Yanna. Sou funcionária do senhor Renato há mais de cinco anos. — Uau. — Seja bem vindo as empresas Abrahão!

— É... Obrigado. — Cocei a nuca, super sem graça.

— Meu ramal é 315. Você pode me ligar à qualquer hora, caso tenha dificuldade com os compradores. — Me avisou, sendo simpática no meu primeiro dia de trabalho.

— Eu vou ligar sim, caso eu tiver algum problema. — Assenti leve, sorrindo de canto. — Muito obrigado Yanna.

— Não precisa agradecer.

Sai andando, voltando ao meu lugar e esperando a minha carga horária encerrar pra poder ir para a casa. Eu não aguentava mais aquela empresa e hoje foi apenas o meu primeiro dia!

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