Meu pai havia chegado enquanto minha mãe estava lá em cima, no banho. O velho era reservado, sempre dava uns toques na gente e queria juízo na nossa vida, tanto da minha parte, como a da parte de Lidiane. Sempre chegava cansado do escritório, afinal, ser advogado não é tão fácil como parece.— Oi filho. — Meu pai bateu de leve em minhas costas, cumprimentando.
— E aí, pai. — Estava arrumando a mesa do jantar. — Muito trabalho?
— Só problemas e mais problemas. — Verificou a caixa de mensagens que havíamos na sala. Minha mãe colocava as correspondências tiradas de fora ali. — E mais um problema. — Rasgou o envelope branco.
Franzi meu cenho.
— Aconteceu alguma coisa?
— Pela madrugada... — Meu pai negou com a cabeça, pausadamente, enquanto lia as letras miúdas do envelope. — BETHHHHHHHH. — Gritou. — Mas que cacetada é essa? Pelo amor de Deus! — Estava indignado.
Fiquei quieto, voltando à ajeitar os talheres na mesa. Meu pai arrancou o paletó, ficando apenas com a camisa de botões, onde as arregaçou, afrouxando também a sua gravata.
— Papai, escutei um grito. — Lidiane desceu, bastante arrumada por sinal. — Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu sim! Pode sentar aí na poltrona. Você também, Micael. — Me chamou, tirando a minha atenção dos talheres. Me sentei ao lado de Lidiane, que encolheu os ombros, esperando pela notícia, assim como eu.
Minha mãe desceu logo em seguida, usando um vestido até os joelhos, solto, tinha uma taça de vinho na mão e um salto enorme nos pés. Por que ela ficava elegante em casa? Isso não fazia o menor sentido.
— Tigrão, você chegou! — Os apelidos... Eu prefiro poupar você disso.
— Cheguei e vamos ter uma conversa em família. — Colocou as mãos na cintura.
Minha mãe ficou do nosso lado.
— Isso aqui é a conta de luz desse mês. — Meu pai balançou a folhinha. — Vocês conseguiram gastar mais de mil dólares em luz. MIL DÓLARES! — Arregalei meus olhos. Minha mãe ficou quieta e Lidiane abaixou a cabeça.
Mil dólares era muita coisa pra uma simples conta de luz.
— Vocês não fazem ideia do que é trabalhar duro igual eu trabalho, pra gastar mil dólares em luz. É difícil, gente. De verdade! Só que vocês não se ajeitam o mínimo possível pra mudar isso. — Meu pai estava extremamente puto. — Começando pela Lidiane, que vai fazer dezesseis anos e ainda dorme com abajur ligado. — Esbraveceu. — Fone de ouvido na orelha enquanto a TV está ligada, sem ninguém assistindo. — Umedeceu os lábios, bravo. Me encarou em seguida. — Banhos e mais banhos quentes e duradouros. Se você quer se aliviar Micael, faça isso na água fria, e não fique dois anos debaixo do chuveiro pelando fazendo coisa que não deve. — Fiquei em silêncio. — Também não tem necessidade de ficar com o computador ligado a noite inteira. Não está usando? É simples! Só tirar da tomada. — Encarou a minha mãe. — E você! — Apontou para ela. — Pra que tomar banho de banheira com todas as luzes do quarto acesas, ventilador ligado e umidificador de ar, tudo dentro da suíte! — Estava indignado com aquilo. — Vocês não tem um pingo de noção. Um pingo!
— Tem algo que a gente possa fazer, papai? — Lidiane ajuntou as mãos, aflita.
— Tem. Claro que tem! — Foi irônico. — Vocês podem começar pela economia. Conhecem essa palavra? — Observou nós todos.
— Jorge, você sabe que a gente tenta mas... Poxa Tigrão! — Minha mãe fez uma careta triste, tentando convencer o meu pai de tirar toda a sua raiva dela. — Vamos mudar os nossos hábitos. Não é mesmo, crianças?
— É melhor mesmo! Se não eu vou ter que tomar uma medida drástica sobre a casa. — Pausou. — Se as coisas continuarem assim, nós vamos ter que nos mudar.
— Pera aí, pera aí. — Me levantei. — Pra que mudar? A casa é ótima! Não temos que gastar com nada. — Fiquei confuso.
— A casa é alugada, bonitinho. — Lidiane fez uma careta, revirando os olhos.
Minha boca foi no chão e voltou.
EU IRIA MORRER sem saber que morávamos de aluguel. Aquilo foi a surpresa do ano pra mim e eu estava preocupado demais com aquilo. Aquela casa era perfeita, parte da minha infância foi construída naquele lugar. Eu não podia sair dali, do nada, por uma conta de luz de mil dólares, graças a minha família sem noção e à mim também.
— Como assim a gente mora de aluguel, pai? — Queria explicações. — Todos esses anos eu fui enganado?
— Você acha que é fácil construir uma casa em plena Nova Iorque? Ainda mais no bairro que você mora? — Meu pai me fuzilou com o olhar. — Você anda com roupa de marca, carro do ano, tem dinheiro pra viajar nas regionais com o seu time de futebol. E quem paga todas as suas mordomias? — Eu me senti mal, de verdade. — Hein, Micael? Quem paga? — Fiquei em silêncio. — Agora você sabe que eu não tenho dinheiro pra comprar uma casa. Uma boa casa!
— Eu super posso sair do meu colégio. Ele é pago, não? — Lidiane se ofereceu.
— Eu posso vender o meu carro, pegar a grana e ajudar na casa. — Optei também.
— E eu posso me desfazer de uma das minhas bolsas. — Ok. O mundo iria se acabar a partir de agora! — A Chanel é a mais cara que eu tenho, Tigrão. — Caminhou até o meu pai, que não queria muita graça com ela.
Ele nos observou.
— Me mostrem que vocês podem mudar. É um desafio que eu deixo pra vocês. — Saiu andando em direção à cozinha, voltando para a mesa de jantar.
Lidiane bufou, amassando seu rosto em uma almofada.
— Isso só pode ser pesadelo, cara. — Estava incrédula. — O papai está tão ruim assim, mãe?
— A gente gasta demais, minha filha. — Minha mãe se sentou ao lado dela. — É muita coisa fútil que a gente tem.
— Mas a gente acha que é rico, mãe! — Alertei. — Eu não sabia que a situação estava tão apertada assim.
— E o seu salário, mãe? Você ajuda o papai?
Minha mãe encolheu os ombros como uma gatinha, após fazer uma cara de dó, ela sempre usava essa estratégia quando fazia algo errado. Mas não funcionou, como sempre.
— Eu comprei a última edição da Louis Vuitton. — Congelou o sorriso.
— Porra, mãe! — Fiquei bravo. — Você não ajuda o papai em nada?
— Foi um combinado que a gente fez. — Se defendeu.
— Não vai ter jeito. — Pensei. — Eu preciso arrumar um emprego.
— Você? — Lidiane riu. — Ninguém vai querer te contratar, Micael.
— Vai sim! Pelo menos eu trabalhando, consigo sair de casa na boa. — Expliquei. — Você me ajuda, mãe?
— Eu não vou deixar você morar sozinho, Micael. Nem que eu tenha que vender o meu silicone, eu não vou! — Foi rígida. — Você ainda é de menor e é homem. Eu conheço gente do seu tipo, já tive a sua idade. — E ainda parece que tem.
— Então você não vai me deixar trabalhar?
— Eu não vou discutir com você, Micael. Não vou!
— Já está discutindo. — Bati de frente com a minha mãe, que acendia um cigarro, já que estava nervosa e irritada. — Eu tenho uma cabeça formada, mãe! Não sou igual a Lidiane.
— Ei! — Ela chiou.
— Pra que você quer sair de casa? Me diz! — Bateu os pés. — Você vai fazer a sua casa de abate? Ou você vai enfiar um dos seus amigos lá dentro pra ficarem tirando onda, achando que a vida é só putaria?
— Eu só quero diminuir as despesas, mãe! Um a menos vai ajudar e fazer total diferença na casa.
— Então comece a economizar! — Estava brava enquanto tragava o cigarro. — E chega desse assunto! Vocês dois me tiram do sério.
Você também, mãe! Você também me tira do sério!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Aposta de Amor
RomanceMicael Borges e seu grupo de amigos decidem criar uma aposta maluca, onde o foco é atrair a atenção de Sophia Abrahão, a popular do colégio e a estrela das líderes de torcida. O por quê disso? Simples: Queriam se vingar de seu namorado. Mas a apos...