[MARINA]
Fiquei o resto do dia angustiada, sem saber o que ia acontecer em seguida. Me arrependi logo de cara de ter sido tão compassiva com o Barbás, de ter prolongado o cacete do meu sofrimento em mais 3 dias só pra pagar de boa moça pra ele. William filho de uma puta, eu já devia imaginar que ele ia me enrolar daquele jeito. Tentei afastar um pouco a poeira do lugar onde eu ficava com o pé, mas era foda... tava espirrando tanto que meu nariz chegou a sangrar uma hora. Essa rinite ainda ia me matar. Eu ia me afogar em sangue enquanto dormia, certeza... Barbás pau no cu. Mil vezes otário.
Quando caiu a noite, porém, o Túlio desceu e veio com um monte de outros caras. Ai pronto... já imaginei a bosta feita. Eu ia morrer ali naquela hora, cheguei a sentir até uma arritmia.
— Se eu puder pedir um favor, me mata com um tiro na cabeça. Eu tenho pavor de morrer queimada. Só o cheiro do pneu e da gasolina já me dá um negócio aqui. — Falei pro TK quando ele se aproximou de mim com um pano preto e fez menção de colocar na minha cabeça
— Valeu. — Ele riu de mim, tampando minha visão com aquele treco. Depois, me seguraram pelos braços e me conduziram pra além da sala. Senti o gelado do vento e me perguntei a quanto tempo eu tava ali... chegou a me surpreender a brisa. O barato durou pouco, porém, porque me colocaram dentro de um carro e lá fui eu.
Menos de 10 minutos depois, paramos e me tiraram de lá de dentro. Nenhum deles tavam sendo agressivos comigo, isso era um bom sinal, pelo menos. Fui andando conduzida por um lugares esquisitos, subindo uns degraus e o vento da noite cessou. Tava tudo silencioso demais, quando eu fui autorizada a tirar o capuz. Me deparei com uma salinha simples, com móveis bem básicos mesmo... Era uma casinha pequena, que, depois de passar dias naquele porão, parecia os portões do céu... Então eu tinha sido atendida afinal.
Pisquei, olhando ao redor com emoção. Eu queria tanto um banho.
— Seguinte, tu fica aqui agora. Preciso nem falar que não pode sair, que vai ter gente te vigiando ali do lado de fora, mas sei que tu vai ficar namoralzinha. — Túlio começou.
— Pra mim tá ótimo. Eu só quero roupa pra trocar essa, se não vou ser obrigada a ficar pelada, e vai tá tudo 100%. — Me apressei em dizer.
— Vou deixar meu número aqui contigo então. Tem um telefone ali de cabo, tu liga pra cá se precisar de alguma coisa. Só não conta pro Barbás que eu te dei essa moral, valeu? — Disse, rabiscando o número dele num pedaço de papel qualquer.
— Valeu, Túlio. Se eu nunca te disse que tu é um ser humano incrível, saiba agora. Teu coração é do tamanho do mundo. — Quase me emocionei com o gesto dele. Mais uma vez, ele era o primeiro a me estender a mão... exatamente como tinha sido há tantos anos atrás.Ele só me deu um sorrisinho de canto, me deu mais algumas instruções bem educadas e foi embora em seguida. Fiquei sozinha ali e a primeira coisa que eu fiz foi espiar o lado de fora, notando uma par de homens armados do lado de fora. Bom... eu não podia nem reclamar. Aquilo era o céu, se comparado ao lugar onde eu tava antes. Dei uma explorada rápida na casa onde eu tava. Era realmente pequena, mas era completinha. No quarto tinha uma caminha de casal simples e, sobre ela, tinha alguns poucos pares de roupa. Nunca fiquei tão feliz em pegar uma toalha e correr pro banheiro. Joguei a roupa toda no chão e assim que a água caiu no meu corpo — gelada pra variar, nada de chuveiro quente — eu me senti outra pessoa. Saí daquele banheiro me sentindo renovada e cheirosa de novo.
Vasculhei os armários da cozinhazinha que tinha e não achei absolutamente nada. Tava tipo, vazio... Fiquei me perguntando se iam trazer comida pra mim. Na volta pra sala, achei o tal telefone. Pra variar, ele tava sem os cabos. Bom, eu desconfiei que não iam dar um mole desses pra mim. Ok, eu tava incomunicável, mas ainda sim eu tinha uma cama pra dormir. Já tava progredindo.
Depois de tomar banho, a primeira e única coisa que eu fiz foi ir direto pra cama e apagar. De verdade, eu dormi a noite inteirinha e acordei no dia seguinte quando já era tarde. Em uma pá de dias só cochilando sentada, finalmente poder dormir foi um sonho. O colchão não era nada demais, mas pra mim pareceu como uma nuvem de Deus. Meu bom humor no dia seguinte tava inabalável.
Levantei que nem uma fadinha e fui pra sala, onde um menino bateu na janela com uma quentinha na mão.
— Ô dona, mandaram pra tu aqui. — Peguei a comida da mão dele. — Depois a mulher do irmão ali vai passar no mercado pra comprar uns negócios pra tu comer ai, valeu?
— Valeu. — Sorri, sentando na escada mesmo e abrindo pra ver o que tinha. O cheiro tava ótimo e eu tava com fome mesmo... comia até pedra se deixassem. Era uma quentinha clássica, tinha arroz, feijão, uns pedaços de carne, farofa, até um macarrão aleatório ali no canto. Era muita comida, tipo... muita mesmo, porque era das grandes.
— Cês já comeram? — Perguntei pros dois meninos que me velando que nem um morto do lado de fora.
— Ainda não, dona, mas tamo de boa.
— Come aqui comigo, não como isso tudo não. — Ofereci. — Sério, vou botar pra vocês também, pode ser? — Eles ficaram meio sem jeito, querendo recusar, mas eu não dei nem a oportunidade pra isso. Sabia que eles deviam estar com fome, na minha época de guardar beco de favela eu ficava só pela hora da morte por causa dos meus turnos. Se ninguém trazia comida pra gente, passávamos fome mesmo até a hora que alguém vinha trocar com nós. Entrei e procurei uns pratos pra distribuir a comida. Peguei uma das cadeiras da mesa de sala e levei lá pra fora. Eles sentaram na porta e comeram comigo, foi até que bem legal, porque a gente ficou conversando uns negócios aleatórios. Gostei de ter companhia, alguém com quem conversar, porque a solidão já tava me matando.Eu sabia que com as pessoas só se conseguia o que queria de duas maneiras: por mal, que era coagindo e chantageando pra obrigar a pessoa a fazer o que você desejava, ou por bem, dando um jeitinho. Sabia que se eu conseguisse a confiança deles, minha vida ia ser mais simples...
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Coração em Guerra
Romanceㅤㅤ"Sou a morte, o diabo, o capeta, a careta que te assombra quando fecha o olho. Sou seu colete à prova de balas, seu ouvido à prova de falas... Eu vou tomar nosso mundo de volta." Djonga ㅤㅤㅤHá 5 anos ela foi acusada de trair o homem a quem ela amav...