Depois de gritar e socar tudo, a noite já estava caindo e eu fui pra porta da quarto, abrindo os vidros que permitiam a entrada de ar no ambiente. Era uma porta de ferro, daquelas antigas, de casa de vó, com umas estruturas parecidas com janelas. Sentei no modo 'bolinha' perto do metal gelado e fiquei quieta, já que minha voz tinha perdido completamente a potência. Meu choro não tinha cessado, mas agora eram só lágrimas grossas e silenciosas que escorriam pelo meu rosto. Aquilo era um pesadelo... eu tinha conseguido ir bem até ali, controlado os meus sentimentos e as minhas angústias até então, mas minha base tinha rachado com o poder do terremoto que as notícias da Maria tinham me causado. Eu sabia que ela tava bem, falando estritamente na sua saúde. O tratamento tinha começado bem, minha mãe tinha dito que ainda era cedo pra dizer, mas tudo indicava que ela responderia bem, mas o fato é que ela tava sofrendo os primeiros efeitos colaterais e eu não tava lá pra consolar e fortalecer ela.
Quando eu resolvi vir, eu sabia que isso provavelmente aconteceria, mas agora que estava aqui, vivendo o que antes era só uma noção, tava sendo um suplício. Eu tava me sentindo muito muito mal, muito quebrada, muito... muito! Recusei a janta naquela noite, queria ficar sozinha, não queria comer.
Naquela noite, Barbás veio até mim, algo que não acontecia há muitos dias. Eu sentia que ele efetivamente tava me evitando e o tinha acontecido entre nós tinha posto em retrocesso tudo o que eu tinha conquistado até então, que era a promessa de que eu seria ouvida por ele. A minha única moeda de troca era a minha influência... eu sempre podia evitar me negar a ligar e evitar causar problemas pra ele com o fornecedor, mas eu sentia que isso só ia piorar tudo. Agora, depois de saber da Maria, eu me sentia com muita raiva por ele estar simplesmente ignorando tudo o que eu tinha dito antes pra ele sobre ela e, por isso, muito menos disposta a colaborar. Ele se aproximou e parou próximo a minha porta, enquanto eu estava com os olhos grudados no céu noturno. Não desviei o olhar pra ele, não tava disposta a ouvir passivamente as merdas que ele ia dizer pra mim como tinha feito anteriormente. Eu não tava composta e de cabeça fria, eu tava sofrendo. Eu não queria saber...
— Antes de você começar, é bom que saiba que nada do que você fizer vai me fazer sofrer mais do que eu já tô sofrendo. — Disse de uma vez, sem olhar pra ele, abraçando as barras da porta. — E eu sei do que você é capaz. — Minha voz saiu tão morta que nem eu mesmo reconheci.
Ele não disse nada, mas me olhou inicialmente com o mesmo lampejo de raiva e repreensão nos olhos. Eu fiquei ali, olhando pro alto e tentando mentalizar energias positivas pra minha filha, pra ela ficar bem e pra que as pessoas que estavam cuidando dela pudessem suprir a falta que eu poderia vir a fazer naquele momento. Barbás ficou parado ali por um tempo, até tirar a sua arma das costas e a apoiar no chão. Incomodada pela presença insistente dele, que não dizia absolutamente nada pra mim, movi meus olhos pro seu rosto, pra procurar ali o motivo dele ainda estar ali me orbitando em silêncio. Vi um monte de pequenas expressões passar pelo seu rosto.
— Você deu uma volta na Madalena pra ligar... — Começou. Dessa vez, o tom não era ríspido e nem duro como costumava ser quando ele falava comigo. Era baixo e tinha algo mais ali, que eu não consegui reconhecer...
— Eu já falei que eu sou mãe. — Cortei ele, limpando as lágrimas insistentes que molhavam o meu rosto inteiro. — E que a minha filha tá doente. Eu não liguei pra resgate nenhum...
— Então me conta... — Me surpreendi com o que eu ouvi e me perguntei imediatamente se eu tinha entendido direito. Voltei a olhar ele, sentindo o coração disparar no peito. Não sabia se pelo susto ou por algo além. Em seu rosto, eu tive a impressão de ver preocupação. Era por minha causa? Por causa da Maria? Qualquer uma das narrativas, significava muita, muita coisa. Talvez o meu surto tivesse assustado ele, feito ele ficar curioso sobre o motivo, imaginar coisas... e se ele tinha dúvidas, pra mim já era o suficiente — ...a história inteira sobre ela.Eu engasguei, talvez pelo susto, talvez pelas minhas próprias lágrimas. Eu não esperava por aquilo, não naquele momento. Eu tava puta, tava triste, todas as minhas emoções me afogaram e calaram a minha voz. Abri e fechei a boca várias vezes e não consegui começar, simplesmente porque eu não sabia por onde. Minha respiração ficou ofegante e eu dei uma porrada na barra de metal da porta, grunhindo por um sentimento angustiante.
— Por que agora? — Foi a única coisa que eu consegui dizer. Porra, eu tive mil oportunidades de falar enquanto tava numa boa, agora, que eu tava fodida, ele queria que eu falasse... eu não ia conseguir. Eu não queria nem chorar na frente dele... quanto mais dizer coisas que me machucavam e que deviam machucar ele também. Por que ali? Fechei os olhos, sentindo o arranhar na minha garganta.
— Você quer falar ou não quer? — Rebateu a pergunta, deixando transparecer o cansaço na fala. — Se não quiser, eu vou ir embora de novo e você não vai me ver até um dia perto da minha entrega de novo.
Fechei os olhos e fiquei em silêncio, tentando deixar minha dor de lado nem que fosse por um momentinho só. Eu precisava organizar meus pensamentos e contar a minha história. Era pra isso que eu tinha ido ali, eu só não sabia que aquela oportunidade ia aparecer bem num momento daqueles... eu me sentia quebrada, como eu ia falar sobre algo que também me deixava quebrada? Acontece que meus sentimentos não importavam, não ali, não naquele momento. Se aquela era a minha chance, era a porra da minha obrigação agarrar ela. Pela Maria... Eu não sabia o que tinha acontecido, mas o meu tempo tava correndo e eu não sabia o quanto ainda me restava, talvez Barbás nunca mais ficasse acessível daquela maneira de novo.
Quando abri meus olhos de novo, ele estava desistindo de mim e me dando as costas.
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Coração em Guerra
Romantikㅤㅤ"Sou a morte, o diabo, o capeta, a careta que te assombra quando fecha o olho. Sou seu colete à prova de balas, seu ouvido à prova de falas... Eu vou tomar nosso mundo de volta." Djonga ㅤㅤㅤHá 5 anos ela foi acusada de trair o homem a quem ela amav...