90

1.8K 132 3
                                    

— Eu não tava lá quando botaram os caras no pau, mas pelo que o Barbás falou pra gente, tá rolando uma movimentação estranha pro lado de lá. Eles tem algum interesse aqui que a gente não sabe, tá ligada? Mas parecia importante, porque vieram mesmo sabendo que ia dar merda pro lado deles. Além disso, parece que quem mandou os caras pra rondar aqui não foi o cara que tá mandando lá agora... — Rolou um estalo na mente dele, que virou pra mim na mesma hora. — O nome é esse ai que tu falou agora... Nina... — Sua voz mudou pra repreensão na mesma hora.

— Eu não mandei ninguém, tá? Esse é o problema. Quem foi que mandou, tu sabe? — Insisti e ele ficou mais desconfiado ainda. Pior, ficou em silêncio. — Fala, Russo, pelo amor de Deus.

— Explica primeiro. — Mandou.

— Porra. — Xinguei, dando um tapa na minha testa. — Escuta, as favelas lá do Rio Comprido tão na mão de alguns familiares e conhecidos meus. Barnabé, Rogier, são todos de lá, mas são de confiança minha e nunca iam se meter com o pessoal daqui porque eu mandei ficar longe. Essas favelas não podem sair da nossa mão, porque é pra cá que vem a maior parte da nossa droga que atravessa a fronteira. — Eu saí atropelando ele com informações resumidas e que ocultavam a minha figura. Não era hora de explicar 100% meu papel naquilo tudo, então, era melhor que eu ficasse como uma peça a parte. Até porque, a partir do momento que o Russo descobrisse que eu era alemão, ele ia se tornar meu cúmplice. Se descobrissem, ele tava morto. A ignorância era uma benção. — Tô achando tudo isso esquisito, me fala o que tu sabe.

— Tu lembra do Pirraça? — Falou, meio hesitante.

— O Pirraça? — Eu quase gritei. — Ele quem mandou aquela gente?

— É, po.

Passei a mão no rosto, xingando todos os palavrões que vieram pra minha mente. Puta que pariu... É, eu tinha visto o Pirraça no último mês. Ele agora é um dos gerentes mais antigos e considerados dos Prazeres e, por isso, se eu queria fazer as coisas darem certo, eu simplesmente não podia dar um esculacho nele e tirar ele dali ao meu bel prazer, do contrário, eu ia criar um mal estar foda entre mim e os outros da favela dele. Quando a palavra de ordem era unificação, essa indisposição era extremamente ruim em todos os aspectos. Assim, eu me contentei em desfilar minha autoridade na cara dele e escolhi ignorar todos os problemas que eu tinha tido com ele no passado e seguir em frente. Até porque, né, remoer as bostas que tinham rolado entre eu e ele há anos atrás não ia trazem bem nenhum. Ele tava nas ordens do gerente geral dos Prazeres, que acabou virando um amigo meu, então, eu achei que ele tava sob controle. Eu não confiava naquele bosta, mas ele não tinha poder nenhum. Isso era o que eu achava... Como eu tinha mandado um tropa independente pra cá, então? Debaixo do gerente geral da favela e do Barnabé? Como isso, porra? O movimento tinha uma hierarquia vertical que era muito, muito clara. Tu não dava um passo sem que o que tivesse acima de você não tivesse de acordo com isso. Se alguém rompia isso, toda a estrutura colapsava junto.

— Rogier, tem alguma esquisita nisso aí. Alguma coisa tá errado, não tá batendo. — Falei, voltando o celular pra orelha. — Quanto tu falou com o Barnabé a última vez? Ele não demonstrou ter nada fora do normal?

— Que isso, Nina?! A última vez foi quarta agora, não foi há muito tempo, mas a gente falou rápido sobre a carga. Ele só parecia com pressa, mas não falou nada não. — Contou. — Ele é de confiança, po. Tenho certeza.

— Olha só, vai lá na minha casa, no meu escritório tem o meu arquivo. Pega ele inteiro. É um monte de documento, exame, um monte de coisa minha. Eu deixo as coisas importantes todas lá. Pega tudo e trás pra cá pessoalmente, vou precisar de você aqui. Acorda o tio Arami e pede pra ele voltar à ativa só por umas semanas, tá? Eu sei que o velho ainda tá inteiraço e ele sabe como administrar as coisas daí. E suspende o fornecimento de arma pra lá só por enquanto. Eu sei que tem as que eu encomendei, mas segura elas ai contigo até eu ter certeza do que tá acontecendo lá. — Foi jogando ordens em cima dele, eu esperava que ele tivesse anotando.

— Pera, pera... Tá dando merda nesse nível aí? De eu ter que sair daqui? — Perguntou, meio chocado.

— Não sei, mas vou dar um jeito de descobrir. De qualquer jeito, na melhor das hipóteses pode ter gente fazendo cagada deixando do nariz do Barnabé e ele não tá vendo. Não sei o que tá rolando, mas ele pode não estar dando conta e eu não tenho como sair daqui agora. — Falei e o Russo fez um sinal pra mim, apontando lá pra fora. — Eu tenho que desligar, só faz o que eu tô falando, tá? Eu ligo pra tu logo logo, vai reunindo minhas coisas ai e suspende as armas, se prepara pra vir. — E desliguei. Wallace pegou o celular da minha mão e me puxou pro canto, abrindo uma das gavetas do guarda-roupas.

— Não tá aqui não, Nina? — Perguntou, revirando as coisas que tinham ali, me incentivando a entrar no jogo.

— Já olhei aqui, cacete. — Reclamei, erguendo minha coluna e cruzando os braços. Dalila e Piloto nos observavam da porta. Acenei pra eles e me abaixei, pra continuar remexendo em coisas aleatórias pra manter a farsa.

O Russo saiu junto com a Dalila e ele foi junto para a sala. Eu sentei na cama, respirando profundamente e enfiando a mão nos cabelos com raiva. Onde tinha fumaça, tinha fogo. Aquela história tava mal contada. Pirraça mandando gente própria pra cá? Qual o problema dele? E qual o problema de quem tava cima dele. Caralho, que ódio. A culpa era minha, claro. Eu tinha que estar lá... A minha ocupação naquelas favelas era muito recente, eu ainda tava conquistando a confiança do pessoal e assentando as coisas. Tava tudo indo muito bem, mas era óbvio que ia desandar se minha figura simplesmente sumisse de lá. Eu tinha esperança que o Barnabé, que era um cara já cascudo da área, pudesse atuar como um tapa-buraco decente na minha ausência. Nesse nosso mundo, a Terra girava mais rápido que no asfalto.

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora