150

1.9K 167 40
                                    

— Você ficou longe a semana toda. Toda. Você me afastou de novo logo quando... — Deixei a mágoa transparecer na minha voz e imediatamente me arrependi por isso. Passei a mão no rosto com força, limpando as lágrimas, e olhei pra ele, recuperando a ferocidade nos olhos. — Eu sou uma mulher. Uma mulher forte. Eu vou passar por isso de cabeça erguida.

— Eu sei. — Disse simplesmente, com a mesma expressão apática no rosto. Ele ergueu a mão pra me tocar de novo, mas parou. Ele se levantou e olhou a Ísis, que tava com os olhos arregalados por causa da gritaria. — Só queria saber se tu tava pronta. Até mais tarde.

Barbás deu um beijo na cabeça da Maria e deu as costas pra nós, saindo pela porta.

Fiquei naquele quarto me sentindo péssima. Voltei pro chão, me encaixando na Ísis pra abraçar ela forte e a incentivar a voltar a comer.

Eu tava com medo, mas também tava determinada. Eu não ia me deixar paralisar. 


[...]


A tarde chegou. Nada poderia impedir ela de chegar, até porque o relógio tava correndo. Ás 16h eu tava pronta. As pessoas que falariam por mim estavam ali também. Russo, Dalila, minha mãe, Andrei, até a Larissa e, por incrível que pareça, o Guilherme. Ele tinha se cagado horrores de medo de subir a favela, mas como eu pedi e expliquei minha situação delicada, ele fez um esforço. Dalila fez questão de descer pra buscar ele lá no pé do morro pra trazer ele pra cá. Meu tio, Rogier, também queria estar ali, mas seria uma afronta muito grande fazer ele vir até a Rocinha. Além disso, eu precisava dele em outro lugar. 

Eu reuni todas as fotos que eu pude do tempo que eu tive fora, os laudos da Ísis o Guilherme conseguiu trazer pra mim, tudo o que fosse material físico e que pudesse corroborar com a minha narrativa eu trouxe comigo. Pedro e a Maria Ísis, por mais que fossem personagens importante da história, ficaram em casa com a Madalena. Aquele lugar não seria ambiente pra criança. 

Às 16h, quem veio buscar a gente foi o TK. Veio diretamente falar comigo. 

— Tá na hora, Nina. O pessoal tá se reunindo lá já. — Ele disse. Com uma das mãos, ele apertou meu ombro. — Vou te dar uma força lá hoje. Tô ligado que essa porra toda começou porque eu ouvi o Mandarim falando com o Parma sobre você. Eu sei o que eu ouvi, eu sei que eu não tô doido, mas tu pode não ter nada a ver. Mermo que depois tudo tenha dado a entender que... — Ele parou, negando com a cabeça. — Vô te dar esse voto de confiança na frente de geral. 

— Valeu, Túlio. — Tentei sorrir pra ele. — Eu sei que tu não acredita que eu não tive nada a ver, mas só de tu não falar isso hoje lá já vai ajudar pra caramba. 

— Tu é uma menina boa, Nina. Sei lá que porra que tu foi fazer, mas tu teve seus motivos, que eu sei que é tua filha. Hoje que eu também tenho meu filho... se pá eu também fizesse um monte de merda por ele. Não é que eu não acredite em tu, tá ligada? — Ele começou, mas eu parei ele com a mão. 

— Tá de boa, amigo. Só bora lá de uma vez. 

Colocamos a galera toda nos carros que trouxe pra levar o pessoal. Eu fui com ele, o Russo e a Larissa em um separado. 

Eu já tinha tido muito tempo pra ficar nervosa, surtar, ficar com medo ou ficar triste. Subi a Rua 1 tranquila, pronta para o que viesse pela frente. Subimos até o final, para um lugar que parecia até uma casa de festa que ficava por ali. Era um salão grande que eu já conhecia. O portão da garagem tava aberto e na porta tinha um monte de moto parada. Meu pessoal já tava descendo quando eu desembarquei do carro. 

— Qual vai ser o esquema, Túlio? — Perguntei assim que descemos. 

— Seguinte, eu, Russo e Larica vamos pro salão lá, já que a gente vai discutir com os irmão. O pessoal que vai falar lá vai ficar nessa salinha aqui... — Ele saiu entrando e abriu uma portinha. Eu chamei a Dalila, minha mãe, o Guilherme e o Drei pra ficarem ali. Tinha umas cadeirinhas, mas era só isso. — Barbás vai mandar chamar conforme o bagulho for rolando. Tu vai com a gente agora. 

— Tranquilo. — Concordei. 

— Leva os teus bagulhos. — Disse, já pegando a pasta que o Gui tinha trago da mão dele e botando em cima da caixona de coisas que eu tinha trago também. — Deixa contigo lá já. E bora que eu acho que a gente tá atrasado já, na real. 

TK colocou a cabeça pra fora da sala e deu uma olhada lá pra dentro. 

— Bora, Nina, só falta a gente. — Ele me puxou junto com ele pra fora e fechou a porta. 

Caminhamos por um corredor e eu fui estalando meus dedos pra aliviar a ansiedade que começava a embrulhar o meu estômago. Não sabia se tava quente pra caralho ali ou se eu que tava soando mesmo... Em alguns segundos, eu consegui ver o que me esperava logo a frente. 

Tinha um meio círculo de cadeiras onde o pessoal tava sentado e na parte aberta, a cadeira do Barbás tava bem no centro. Ali estavam todos reunidos e pararam de falar assim que viram o TK comigo. William se levantou da cadeira e fez um sinal com a mão pra gente de aproximar. Túlio sentou na cadeira dele em uma das pontas e eu fiquei ali, olhando pra cara do Barbás.  

— Lá no meio, Marina. — Disse, apontando pro meio do círculo. Ele pegou a caixa e a pasta da minha mão, puxando mais uma cadeira pra deixar as coisas do lado dele. Ainda tava perto pra eu pegar o que eu precisasse. Tava perto dele também, que já saiu abrindo e olhando as coisas que tavam ali. 

Parei no meio no semi círculo, ficando exatamente de frente pra ele. Barbás me olhou nos olhos por longos segundos antes de finalmente dizer... 

— Vamo começar. 

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora