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Eu tremia só de pensar nela, no que podia estar acontecendo, no perigo que ela tava passando. Eu imaginava o quão assustada ela devia estar... chorosa e chamando por mim. Aquilo tava me consumindo por dentro. Ergui minha mão esquerda só pra notar como ela tremia violentamente bem na frente dos meus olhos. Espasmos me varreram inteira, meu estômago se revirou e deu um nó dentro de mim, me fazendo querer vomitar tudo o que eu tinha comido até então.

Puxei o ar que me faltava para os pulmões e os soltei de uma vez só, sentindo vertigem. Barbás passou por mim e pegou o casaco dele da poltrona, colocando no próprio corpo.

— Tu vai sair? Vai até lá? — Perguntei, seguindo ele de perto.

— Vou ir mandar levantar o dinheiro pra molhar a mão do batalhão. — Ele disse, seguindo na minha frente. — Pra não ir todo mundo lá preso... e tua mãe não se complicar tendo que explicar porque tem um monte de corpo dentro do apartamento dela.

— Corpo, quê?! — Minha pressão deve ter até baixado.

— Fica namoral ai. — Mandou, apontando pra dentro quando viu que eu seguia ele deliberadamente.

— Ah não, não me deixa aqui sozinha, eu não vou conseguir. De verdade, eu não vou. A Maria Ísis tá precisando de mim, eu tenho que ir até ela. Se alguma coisa acontecer com a minha filha e eu não tiver lá... — A conotação sombria daquela frase assustou até mesmo a mim.

Ele não me deu ouvidos, assim como eu imaginei desde o princípio. Ele tava focado no seu próprio objetivo e eu tava ficando no seu caminho. Eu entendi que o Barbás tava fazendo a parte dele, mas eu não ia aceitar ficar ali parada, sem poder fazer a minha, de jeito nenhum. Minha Maria precisava de mim e eu ia até ela de qualquer jeito.

Voltei pra cozinha sentindo meu coração bater acelerado nas minhas orelhas. Minha respiração tava ofegante e agora, eu não conseguia mais derramar uma lágrima sequer. Meus olhos chegavam a arder, mas estavam secos. Apesar disso, eu ainda tremia. Madalena, vendo meu estado, correu pra pegar um copo de água pra mim. Aceitei, bebendo o líquido devagar. De certo que eu ia vomitar se tomasse tudo de uma vez.

Sentei por uns minutos, digerindo toda aquela informação e pensando em que engenhosidade eu ia inventar pra sair dali e poder ir estripar quem estava invadindo o apartamento da minha mãe e ameaçando a vida da minha filha. Ninguém podia parar uma mãe obstinada a salvar o seu filho, ninguém. Isso era muito além do que qualquer outra pessoa, que não tivesse filhos, podia entender.

Fiquei umas boas dezenas de minutos ali, me acalmando o suficiente pra agir racionalmente dali pra frente. Eu nem pensei muito sobre o que eu tava fazendo, nem tinha medo das consequência. Eu queria a minha filha.

— Madalena, busca um cobertor grosso? Eu tô com frio, muito frio. — Sussurrei pra ela, aproveitando pra fazer a mulher acreditar que a minha tremedeira não era por causa do nervoso. Por conta da minha situação meio deplorável, ela concordou sem dizer muito e foi na direção das escadas. Saí pro lado de fora, pra espreitar o segurança que ficava no meio da garagem, me vigiando. Por ordens do Barbás, nenhum deles podia entrar dentro da casa dele armado, então, quem ficava muito próximo ou que precisava entrar muitas vezes, geralmente só usavam pistola. Muito que bem...

Suspirei profundamente e deixei o copo com alguma coisa de água cair no chão, gritei. Correndo pra fora da casa, fiz um sinal com a mão para o menino da garagem, apontando pra o vão abaixo do móvel da cozinha. Não foi difícil fingir desespero, eu realmente me sentia daquele jeito. Toda e completamente desesperada.

— Que foi, ô? — Ele perguntou, me olhando esquisito. Segui apontando para o móvel. — Que que tem?

— Bicho. Bicho... é um rato, eu acho. É enorme... tão grande que parece um gambá. — Falei atropelando as palavras. — Eu tenho pavor, tenho pavor de verdade. Olha lá. — Pedi.

— Eu não tô vendo nada aqui...

— Tá ali, meu filho, olha. — E dei mais um gritinho, pulando pra trás dele. — Olha pra mim, por favor.

Eu devia parecer uma maluca. Tava obviamente assustando o cara, que parecia ser novo até. Mais novo que eu, nos seus 19, 20 anos.

— Olha. — Pressionei, até que ele se abaixou pra ver o que diabos tinha embaixo do móvel. Nessa hora, eu agi rápido pra cacete, puxei a blusa dele pra cima e peguei a pistola que tava pendendo na sua cintura, na parte de trás da bermuda. Foi assim que eu concretizei a minha brilhante ideia de roubar a arma de um dos seguranças mais próximos que eu tinha da casa.

Ele levantou na hora e me olhou assustado, talvez surpresa pela minha ousadia. Eu era louca, eu sabia, podia estar assinando minha sentença, mas essa era a última das minhas preocupações no momento.

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora