Ele desviou os olhos de mim, negando com a cabeça pra si mesmo. Ele mirou o nada, sem dizer uma palavra sequer pro que eu tinha acabado de dizer. Passei a mão nos cabelos, querendo me aproximar dele. Isso durou só um segundo, porque uma onda de raiva contra ele me varreu inteira. Eu estava exposta ali e ele não estava me dando nem sequer uma abertura. Suas paredes estavam de pé, pra me manter longe e suas armas todas apontadas pra mim. Quis socar ele, gritar e vomitar em cima dele que a culpa que ele colocava sobre os meus ombros naquele momento era a pedra que derrubaria o Golias. Eu podia ser um gigante contra qualquer outro naquela sala, mas contra ele eu me sentia uma formiga.
Eu só não queria me sentir tão sozinha ali. Eu tinha o apoio do meu irmão, da Larissa, até o do Túlio, mas não tinha o dele.
— Vou dar minha visão pra vocês aqui. Eu ouvi falando dela, ouvi o que o Parma e o Mandarim colocando a pilantragem deles em prática, mas até onde eu sei, ninguém falou que ela tava junto. Porra, pra mim faz sentido ele tirar ela fora da cena, né? É pai dela. — Túlio começou e ele demonstrando o claro apoio dele a mim foi um gesto que me emocionou de verdade. — A real é que a gente tá botando ela aqui porque ela é filha do Mandarim. Se ela tem a ver ou não... — Ele deu de ombros como quem dizia que aquele fato não fazia diferença. — Eu não quero botar ninguém pra pagar por um erro que não foi ela cometeu não. Pra mim a Nina não é o pai dela.
— Mas vem cá, Índia, em 5 anos tu não conseguia voltar antes nem uma vez sequer não? — Foi uma menina que perguntou dessa vez. — Barbás ficou quase 3 anos preso, dava pra tu dar a luz pra tua filha e voltar, dava não? Pelo menos pra prestar uma explicação pro cara. Tu fez errado, mesmo se tu for inocente.
— Eu concordaria contigo se eu não tivesse descoberto um câncer na minha filha logo com 1 ano de vida. Leucemia, câncer de medula óssea. — Disse, me sentindo subitamente cansada. Sentei no chão, passando a mão no rosto. — Minha filha ficou muito magra, chorava o tempo todo de dor, tinha uma infecção atrás da outra, vivia no hospital com ela. Desde o início, eu já fui avisada que o câncer dela era agressivo, que o risco de metástase era enorme se não insistíssemos num tratamento ainda mais agressivo desde o início. Era o tempo todo na corda bamba com ela, com medo de não conseguirmos mais controlar a doença, dela se espalhar, de eu perder minha filha. Tinha épocas que a Ísis ficava muito fraquinha... — Aquele era um assunto perigoso pra minha saúde mental. Eu sempre ficava desesperada sempre que pensava em como a Ísis ainda tinha aquela coisa, que podia matar ela a qualquer momento, dentro dela. Eu só ia descansar quando eu pudesse dar à ela a cura. — O Dr. que eu trouxe aí vai poder explicar melhor pra vocês o que ela têm e como a rotina do tratamento dela era infinita. Ele é testemunha de tudo o que nós passamos, entrando e saindo de hospitais o tempo todo. Enfim, ela fez tratamento 1 ano e meio até o câncer desaparecer. Com 3 anos nós achamos que ela tava livre do câncer e estávamos tratando só os efeitos colaterais da quimioterapia, que já eram ruins o suficiente. Com 4 anos, descobrimos que o câncer voltou e que eu precisava achar uma medula óssea pra ela, ou ia perder minha filha mais cedo ou mais tarde.
Mais uma vez, eu ouvi silêncio de todos os presentes. Barbás olhava para o teto do salão, parecendo abalado. Nem todos iam conseguir perceber isso, mas eu via um mínimo vacilar na expressão dele.
— E cadê a menina? Tinha que trazer ela aqui. — Perguntou um dos presentes, dessa vez mais cauteloso.
— Cara, a Maria Ísis tá em casa, eu evito de tirar ela de lá porque a imunidade dela é baixa. Ela tá fazendo quimio de mês em mês pra manter a doença sob controle até que a gente consiga o transplante.
— Po, eu vi tu passeando com ela um dia e ela parecia namoral. — Disse um outro.
— Eu tenho laudo. Tu não precisa acreditar em mim não, eu tenho um pilha de exames pra comprovar o que eu tô falando, é só pegar aqui na caixa. O médico dela vem aqui falar também pra vocês. — Interrompi ele.
— Tô ligado, mas era melhor ver a menina, po...
— Ninguém vai tirar minha filha de casa. — Foi o Barbás quem segurou a onda do outro. — Minha filha tá doente e não tem nada a ver com isso aqui. Ela tá em casa e vai ficar lá, então corta o assunto ai já.
— Eu já expliquei porque simplesmente eu não consegui voltar antes. Vou chamar o Guilherme pra explicar melhor o quadro da Ísis pra vocês. Perguntem pra ele aí o que vocês quiserem saber. — Disse e o Túlio se adiantou pra ir pra salinha buscar o Gui. Enquanto isso, ele pediu pra eu ficar lá dentro com a minha família.
Entrei calada e sentei num canto, querendo tomar alguma cachaça forte e apagar. Meu coração tava dolorosamente acelerado no peito. Dalila veio pro meu lado, sentou bem pertinho de mim e não falou mais nada. Deitei minha cabeça no ombro dela e apertei sua mão com força. Minha mãe e meu irmão ficaram mais afastados, orando de um jeito muito fervoroso juntos.
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Coração em Guerra
Romanceㅤㅤ"Sou a morte, o diabo, o capeta, a careta que te assombra quando fecha o olho. Sou seu colete à prova de balas, seu ouvido à prova de falas... Eu vou tomar nosso mundo de volta." Djonga ㅤㅤㅤHá 5 anos ela foi acusada de trair o homem a quem ela amav...