Encontrei a casa vazia e totalmente em silêncio quando entrei. Vasculhei ao alcance da minha visão e confirmei o que eu já tinha pensado anteriormente. Ela devia estar domindo, porque a porta do quarto tava fechada.
— Fica vocês lá do lado de fora. — Dispensei eles. Eu preferia tratar da Marina sozinho, ela gostava de me dar volta e eu não ia deixar ela me fazer de bobo na frente de gente que eu mandava. — E fica de olho, Túlio.
— Tranquilo, irmão. — Concordou e saiu depois que os outros caminharam pro lado de fora também. Dei mais um gole na minha garrafa de água e abri a porta devagar, notando com ela tava apagada na cama. Enrolada ao redor do próprio corpo, em posição fetal, com uma expressão serena no rosto. Ela parecia em paz ali... aliás, talvez ela nunca tivesse perdido essa sensação, só tinha arrancado a minha mesmo. Pensei em como eu podia retribuir a gentileza.
Coloquei a arma pra frente e cutuquei ela no rosto com a ponta do fuzil. Lentamente ela abriu os olhos e quando viu, pulou no lugar, dando um grito de susto e se encolhendo no canto da parede.
— Bom dia. — Um sorriso satisfeito surgiu no canto da minha boca. Ela me olhou por alguns muitos minutos, parecendo meio em choque.
— Olha, não é bem assim... — Ela já começou falar, como se tivesse uma frase pronta na ponta da língua. Depois parou e passou a mão no rosto, deixando uma dela sobre o coração.
— Tá escaldada? — Perguntei. — Tá devendo?
— Não... — Ela negou com a cabeça, relaxando a postura e suspirando alto, abraçando a almofada que ela tinha feito de travesseiro. — Que foi?
— Tu tem coisa pra fazer hoje, bora. — Joguei o celular no colo dela, que olhou pro aparelho sem saber o que fazer.
— Que? — Ela piscou, passando a mão nos olhos, parecendo não entender o que tava acontecendo. — Achei que tinha vindo porque sentiu saudade. — Provocou com um tom maldoso na voz.
— Se eu pudesse escolher, eu não ia estar olhando na tua cara agora. — Fiquei sério, eu não tava brincando com ela, nem abrindo margem pra ela fazer o que queria. Não que isso fosse relevante, porque ela continuava me dando volta e era por isso que com ela tinha que ser na trela curta. Me apoiei nos punhos, na cama dela, que recuou uns centímetros pra trás. — Faz o que eu tô mandando, resolve o problema que tu criou ai.
Ela piscou de novo e se moveu pro lado, engatinhando pra fora da cama, me contornando. Me endireitei, olhando pra ela de canto.
— Deixa só eu ir no banheiro e voltar a ser gente, tá? 10 minutos, por favor. — Comprimi os lábios e olhei pra ela. — Sem esculacho, só um banho, escovar meus dentes. Cacete, eu acabei de acordar, eu não sei nem onde eu tô.
Ela já tava pegando as coisas dela e correndo pra dentro do banheiro, eu não consegui nem negar o pedido. Eu até podia, mas não fiz, porque eu tava passando um mal do caralho, mais lento do que eu normalmente era.Esperei uns minutos sozinho ali, batendo o pé no chão e transbordando de impaciência. Continuei bebendo a porra da minha água e me reidratando depois de quase ter cagado na minha vida na noite anterior. Ela saiu do banheiros uns minutos depois com o cabelo molhado e uma toalha pequena nos ombros. Quando passou por mim, eu senti o cheiro do sabonete e as gotas de água dela que caíram sobre o meu braço. Ela foi de uma vez só pro celular e me olhou.
— Tá, olha... — Ela suspirou, meio cansada. — Eu não vou botar tempo dessa vez, mas eu tenho certeza de que se eu não ligar regularmente, meus parentes vão ficar com o pé atrás e vão querer se intrometer de novo. Dessa vez não sou eu quem tô interferindo... — Ela ergueu as mãos em sinal de rendição. Sabia que de inocente ela não tinha nada, que tava se aproveitando da influência dela pra fazer o que tava fazendo e, mesmo que dissesse ao contrário, ela continuaria mantendo as minhas cargas reféns, até que eu desse um jeito naquela merda de situação. Eu não caía no joguinho dela. O inferno dessa porra toda é que não era simples assim arrumar todo o montante gigante de droga que eu precisava todas as minhas favelas. Não era simples de comprar, nem de transportar pra cá, muito menos pra receber. Não era qualquer um que fazia... De qualquer jeito, os meus pulos eu já tava dando. O tempo dela tava contando e isso tava tomando 100% do meu tempo. — É um sinal de boa fé que a gente vai resolver tudo numa boa, valeu?
— Faz o que tu tem que fazer de uma vez. — Mandei.
Ela discou o número no celular rápido e botou no viva voz, falando com uma figura conhecida minha, 'Rogier'. Era estranho como a pose dela mudava quando ela tava falando com ele, sua postura ficava mais séria, a voz mais firme... posição de comando. Mais estranho ainda era ver a Marina naquela condição, eu não conseguia imaginar, apesar de saber bem que ela era capaz. Disse que era pra liberar, mas pra ficar de olho no Homero que ele ainda tinha coisa pra pagar. Do outro lado da linha, o homem falou que era pra ela continuar ligando e ela prometeu que faria. Implícito naquela conversa, estava a ameaça que me mantinha de mão atadas com ela. Eu me perguntei o quanto eu abriria mão pra não correr o risco de deixar ela ruir tudo o que eu tinha construído até ali... Porra, aquilo nunca ia ser o suficiente pra eu deixar ela ir, eu preferia tomar no meu cu. Ia cair eu e ela, foda-se. Se pá aquela fosse a nossa sina mesmo...
— Tá feito. — Me devolveu o celular. — Eu sei que tu tá puto comigo, talvez eu mereça um pouco disso, apesar de eu dizer aqui de novo que eu não fiz nada. — Disse, gesticulando com as mãos. — Mas a gente precisa conversar urgente, mesmo. Não me enrola aqui, por favor, eu quero conversar contigo mesmo. Sobre a nossa filha... Numa boa, mesmo...
— Isso de novo... — Suspirei, quando ela resgatou aquela ideia de volta na minha mente.
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Coração em Guerra
Romansaㅤㅤ"Sou a morte, o diabo, o capeta, a careta que te assombra quando fecha o olho. Sou seu colete à prova de balas, seu ouvido à prova de falas... Eu vou tomar nosso mundo de volta." Djonga ㅤㅤㅤHá 5 anos ela foi acusada de trair o homem a quem ela amav...