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— Eu entendi. — Garanti à ela, concordando com a cabeça. Comendo a pipoca com mais vontade dessa vez. Tá, eu tinha entendido. Tinha mesmo, mas e aí? Não era assim tão fácil. Eu sabia o que eu precisava fazer pra curar o meu coração, pra não permitir que ele continuasse duro, mas se fosse fácil eu já tinha feito, po. Não, eu não gostava de me sentir ligado a um passado pesado, como eu me sentia, mas eu simplesmente não conseguia me livrar daquilo. Tava entranhado em mim, era quem eu era agora... como eu ia tirar do meu coração algo que estava lá há muito tempo? Não era o primeiro guia que me dizia pra deixar os meus sentimentos ruins de lado... e eu podia dizer com toda a certeza que eu tinha tentado, sem resultado. No final do dia, eu ainda olhava pra porra daquele nome na parede, deixando o rancor e raiva me rasgarem inteiro, dia após dia. Era como olhar pro abismo... Eu sabia que não devia, mas eu fazia mesmo assim, porque era assim que eu sabia viver. O abismo fazia parte de mim.

— Não entendeu não, mas vai entender. — Ela negou com a cabeça, parecendo um pouco chateada. Mariazinha se movia de maneira bem energética, levantando e batendo pé. — Entende por bem, tio, se for por mal vai doer.

— Vou tentar. Vou me esforçar. — Prometi, mesmo sabendo que era uma batalha perdida. Mesmo assim, era minha obrigação me comprometer com aquilo.

— Quando a pessoa que o tio espera chegar, escuta. — Falou, chegando mais perto de mim, pra pegar mais uma pipoca e colocar na minha boca. — Tem gente precisando do tio.

— A pessoa que eu espero? — Respirei fundo, fazendo mil conexões na minha mente.

— É e tá pertinho. — Ela falou num tom muito incisivo, talvez o mais duro desde o início.

— Perto? — Cheguei a sentir minha garganta ficar seca. Era aquilo o que eu queria ouvir, quase tudo ficou em segundo plano. Minha mente se fixou naquela coisa que ela afirmou. Mariazinha não respondeu mais, me levantei, olhando para Dalila apertando os olhos com força. Ela murmurava alguma coisa pra si mesma, cambaleando até o sofá, onde colocou as duas mãos no rosto, enquanto os braços tremiam de vez enquanto. Dei aquele momento à ela, sem querer forçar mais nada, porque tava claro pra mim que a Mariazinha tava deixando o corpo dela. Minha consulta tinha acabado, ela tinha dito tudo o que desejava e eu tinha entendido o que tinha sido mandado pra mim. Agora era comigo, eu tinha que correr atrás de obedecer... Suspirei, me apoiando na parede e cruzando os olhos. Alguns bons minutos passaram até eu ter a Dalila de volta.

— O que houve? — Perguntou de uma vez, se inclinando pra frente, com a cabeça entre as mãos e uma expressão muito xoxa.

— Eu falei com ela. — Dei de ombros. — Tá bem?

— Não... Tô passando mal... — Ela levou às mãos ao peito. — Que merda.

— Tu tem que ir pro terreiro, pra mãe cuidar de você. É foda incorporar fora de lá. — Falei, me aproximando dela e puxando pela mão, pra ela se levantar. — Vou levar tu lá, vem. Tem que ir.

Liguei pro TK e pedi pra ele vir buscar nós dois de carro, já que não tava muito confiante em levar a Dalila de moto. Liguei pra mãe de santo e expliquei o que tinha acontecido, terminei deixando ela no terreiro mesmo, aos cuidados de gente que realmente podia tratar aquilo que ela tava sentindo. Na volta, eu fui direto pro escritório. Sabia que eu devia voltar pra casa, que a mina tava lá me esperando, mas eu não tava com cabeça pra ela agora.

Fui seco pra minha sala e afastei o quadro, olhando pro nome dela escrito na parede de novo. Não tinha ninguém que eu esperava mais que ela, ninguém. E se ela tava perto, eu ia atrás... Pode ser que eu tivesse interpretado tudo do meu jeito, não tendo realmente entendido o que queriam me dizer, até porque nem sempre a minha mente deixava eu compreender tudo como deveria, mas irmão... a parte final eu entendi muito bem. Tinha que ser ela... eu tava esperando por aquilo por muito, muito tempo.

— Túlio. — Chamei ele, que tava do lado de fora falando com alguém. Assim que ele entrou e fechou a porta, eu já comecei. — Eu preciso que tu me arrume uma informação. Manda alguém de confiança seu ir investigar o complexo dos Prazeres ali, o Fallet, o Fogueteiro, tudo por ali, eu quero saber como anda as pernas por lá.

— Po, tá falando sério? De novo isso? — TK odiava que eu ficasse remexendo naquele assunto de novo, mas ali ele não tinha o que fazer, senão obedecer

— Eu tô mandando. — Respondi o questionamento dele com uma resposta muito firme. — Descobre isso pra mim pra ontem. Quando sair, manda chamar o Andrei que eu quero ter um papo com ele aqui.

Ele foi a contragosto e eu fiquei esperando, tentando digerir tudo o que eu tinha escutado. Pipoca, transformação, cura... Cura, maciez. Sabia que eu tinha que procurar minha mãe de santo e conversar sobre aquilo depois. Agora eu só conseguia pensar nas informações finais... Tinha alguma coisa que eu não tava vendo. Uma venda tava nos meus olhos e eu não tava conseguindo enxergar o que eu deveria.

Peguei um charuto, cortei a ponta e queimei, sentindo o amargor da fumaça dispersar um pouco o conflito da minha mente. Andrei bateu na porta uns minutos depois e eu peguei o nervosismo dele no ar. Geralmente ele era um moleque tranquilo, mas tava fora da caixinha hoje. Eu ia explorar aquilo pra descobrir o que ele sabia.

— Senta ai, irmão. Vamos bater um papo. — Ele fez em silêncio, com os dedos batendo ritmadamente na palma da mão. Aberto como um livro... alguma coisa tinha. O estranhamento por causa do perfume me voltou à mente. — Eu sei que eu já te perguntei isso por agora, mas eu vou perguntar de novo. Você sabe onde tá sua irmã?

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora