Fui pra sala meio contrariado, passei antes no quarto pra ver se a Maria Ísis continuava deitada. Eu precisava sair dali, precisava de um ar, de da minha mente a buceta daquele demônio. Vesti minha blusa que tava jogada no sofá e peguei minha moto pra sair de rolé. Deixei vir um segurança só atrás de mim, não tinha porque mais. Se tinha um bagulho que eu tinha bem feito naquela favela era a pacificação. Até onde eu sabia, e eu sabia pra caralho, ninguém me queria morto ali dentro.
Subi pro meu escritório, fui ver como estavam as coisas ali, aproveitar pra fazer uma ligações que eu tava precisando. Tava pra cobrar o maluco que tava indo ver as coisas pra mim lá pro lado do Rio Comprido. Queria saber que caralho aquela gente dos Prazeres tinham vindo fazer na minha favela, a história tava esquisita. Até agora, eu não sabia o que eles queriam aqui... e não conseguia nem imaginar o que podia ser. Isso sim era preocupante pra porra.
— Tá aí ainda, Xica? — Perguntei assim que abri a porta, percebendo a mina no sofá do canto, rabiscando os cadernos das bocas.
— Tô cabando já. — Respondeu. — Cheguei tarde hoje.
— Tá explicado. — Sentei na minha cadeira e puxei meu celular pra fazer minhas ligações. Claro que eu podia fazer aquela porra amanhã, mas eu quis fazer hoje.
Um tempo mais tarde, um dos meus de confiança, o Marcelinho, bateu na minha porta, querendo falar comigo sozinho. Quando era assim, boa coisa não era... Já tava imaginando a reclamação que ele ia fazer. Boca X pegou parte maior da droga, Fulano fez Y e eu não gostei. É foda. Resolver problema interno dos outros era a pior parte.
— Entra aí, irmão. — Mandei, olhando pra Xica de canto. — Acaba isso aí amanhã, Shirley. Deixa eu falar com ele aqui, vai pra casa.
Ela bufou pegou os cadernos, colocando os cadernos no mesa. Se despediu de nós dois e saiu, recostei na cadeira e olhei pro Marcelo, querendo ouvir o que ele queria falar.
— Po, chefe, eu vim falar só daquele negócio lá que tu me mandou organizar... — O tribunal, eu lembrava bem. Mandei ele ia atrás de cada irmão que tinha deixado a Rocinha com o Túlio naquela época que eu caí de tróia, os que ainda tavam vivos e ali na favela comigo, e organizar a porra do tribunal. Não dava nem 20 cabeça, se minha mente não me enganava, mas era o que é.— Então fala, irmão. — Fiz um gesto com a mão pra fazer ele seguir em frente. — Falou com os parceiros todos?
— Todos, chefe. Tava achando um tempo bom pra geral, no final da semana que vem dá. Pode ser? — Perguntou e eu puxei o ar, parando pra pensar.
— Minha filha tá aí... — Falei, estalando os dedos da mão de uma vez só. Aquela era a situação onde eu não sabia o que fazer. Geralmente eu tinha uma resposta simples na ponta da língua e foda-se, era aquilo e doa o que doer... mas, de alguma maneira, era da minha família que eu estava falando.
As coisas, do jeito que estavam, não tinham como ficar. Aquela incerteza era uma praga do caralho, tava fazendo mal pra todo mundo. Pra mim, pra ela, pra quem amava ela... Isso pra não falar de um problema que eu tava fingindo não ver, mas que eu sabia que podia colocar minha cabeça a prêmio: minha reputação.
O jeito como meus amigos e meus inimigos me viam... fofoca viajava rápido, que nem flash, que nem raio. Não tinha como parar esse fluxo, só se adaptar pra não estar com o corpo na hora que essa porra fosse cair. Eu sempre tinha cuidado pra ser firme o suficiente pra não abrir margem pra contestação, e não ser rígido a ponto de criar problema no meu meio, de me encher de inimigos. Era um equilíbrio delicado pra porra, irmão. Quando se perdia, a merda tava feita.
A real é que, se eu fosse forte de verdade, eu já tinha matado a Nina sem cerimônia nenhuma. Ninguém ia se colocar contra isso, tirando, o DR, a Dalila e o Wallace. Só que depois de tanto tempo, dar espaço pra ela se defender era o justo, isso ninguém podia falar que não era. E resolvia os meus problemas com os irmãos dela... até aí, eu tava agindo conforme o proceder, né?! Quase, po. Isso se eu não desse um tanto de mordomia pra ela, coisa que até eu mesmo parava pra me questionar a respeito depois. A mina tava na minha casa, às vezes saía com o Túlio... quer moleza maior, irmão? Se pá a sorte é que eu administrava minha casa com mão de ferro e as coisas que ela fazia lá dentro, ficava dentro daquelas paredes.
Acho que a essa altura do campeonato, todo mundo já tinha entendido que ela era a mãe de um filho meu, mas e aí, né?! A suspeita que caía sobre ela era de Judas, irmão. Quem dá moleza pra um, dá pra todo mundo. Isso que era o perigoso. Eu sentia que umas dúvidas começavam a pairar no ambiente e eu não podia deixar aquilo se espalhar, nem crescer. Não podia violar o código. O que tinha que ser feito, tinha que ser feito e pronto, acabou...
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Coração em Guerra
Romansaㅤㅤ"Sou a morte, o diabo, o capeta, a careta que te assombra quando fecha o olho. Sou seu colete à prova de balas, seu ouvido à prova de falas... Eu vou tomar nosso mundo de volta." Djonga ㅤㅤㅤHá 5 anos ela foi acusada de trair o homem a quem ela amav...