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— Meu Play 5, pai, olha, olha! — O Pedro todo animado com o presente dele acabou acordando a Maria Ísis. A Nina encostou a mão no meu ombro, com cara de cachorro machucado, antes de chamar a menina pra subir com ela pro quarto pra dormir. Ela deu mais uma olhada pra Larissa e ela pegou que tinha alguma coisa só de olhar pras nossas caras. 

— Maneirão, meu filho, agora pela seu presente e vai pro seu quarto que eu já vou subir pra montar ele pra você. — Mandei com um tom severo. 

— Mas eu quero jogar na...

— Faz o que eu tô mandando, bora. — Apontei pra escada e olhei pra ele. Rapidinho ele pegou o caminho da roça dele e me deixou com a Larissa. 

— Que que deu dessa vez, hein? — Ela já fez uma cara de cansada e sentou no sofá. 

— Então tu sabia o paradeiro da Nina todos esses anos... — Comecei, apertando um copo do bar entre os dedos. 

— Quem te contou? — Ela soltou primeiro, de surpresa. Nem tentou se defender. — Não é bem assim, calmou ai. Eu soube que ela tava na fronteira em Foz há uns anos, sim, mas foi por motivo de força maior e...

— Eu já tô ligado nisso também. 

— Porra, Barbás, é que... 

— Não quero tuas explicações, só vai me deixar mais puto. — Cortei ela, sabendo que ia ter que engolir aquela desfeita que ela tinha me feito pra fazer o que era correto. Eu me orgulhava de ser um homem justo, irmão. E eu conhecia o significado da palavra gratidão. Eu tinha fazer o que era certo ali. — Eu tava te devendo uma por causa do lance lá de Copacabana. Agora eu não te devo mais nada. 

Ela não disse mais nada, certeza que ela tinha entendido o que eu quis dizer. Pro que ela tinha feito, eu podia, e ia ter toda a razão e o apoio do bonde, pra botar pra foder com ela. Quem não tivesse na transparência, na pureza, na sinceridade, rodava. Por anos a lealdade dela, que eu achava estar comigo, tava com a Nina. Se fosse em outra situação, ela estaria fodida comigo, mas eu sabia que, pelo menos na intenção, ela tinha zelado pela minha filha. 

— Eu só queria que a menina... 

— Eu já falei que eu não quero explicação, porra. — Olhei pra ela, que ficou calada. Ela sabia que tava no erro comigo. — Tu pode continuar fazendo teu trabalho como gerente da endola e das nossas armas, que é o que tu faz direito... mas tu tá dispensada de ser um dos meus seguranças pra qualquer coisa que seja. Tu entendeu? 

Ela suspirou e concordou com a cabeça. 

— E se tu contar pra alguém que eu deixei baratinho pra tu, isso ai que tu fez, eu vou matar você, sendo tu mãe do meu filho ou não. — Ela tinha uma língua maior que a boca e era bom que ela soubesse que se aquilo um dia saísse dali, aí sim eu ia ter que cobrar o preço certo da merda que ela tinha feito. 

— Claro que eu não vou falar nada. — O tom dela era baixo. Ela se levantou e passou por mim pra ir pro quarto do Pedro. — Tu pode ter perdido a confiança em mim, mas tu ainda sabe quem eu sou. Eu só quis preservar a tua filha, que tava muito doente naquela época, de ficar no fogo cruzado entre você e a Nina. 

Virei a cabeça pra olhar ela de canto de olho. Raiva. 

— Se vocês ainda quiserem se matar, é com vocês mesmo. É só me dar a menina que eu crio como se fosse minha, longe dessa doideira de vocês. — Não tinha deboche, nenhuma acidez nas palavras dela. Era real o que ela tinha dito. 

Larissa passou reto e subiu as escadas. O negócio tava resolvido ali, mas eu ainda tava bolado. Sei que eu tinha prometido pro Pedro que ia ajudar ele com as coisas dele, mas eu tava precisando ficar sozinho e pensar. Passei no meu quarto, botei uma casaco preto e peguei a chave da minha moto e minha pistola. Convoquei meus seguranças, peguei minha moto e desci reto pra Rua Um, pro lugar onde era o meu refúgio. Ali eu ficava sozinho, fazia meus negócios e dava um tempo de todo mundo. 

Cheguei no meu escritório, passei a chave na porta e sentei na minha cadeira. Puxei um whisky debaixo da mesa e pedi pros amigos fortalecerem com um de 20 pra eu bolar um fino. Lá, fumando meu baseado, eu tirei o quadro que tampava os rabiscos que eu tinha feito na parede. Todos os nomes daqueles que me deviam estavam ali. Todos riscados. 

Até o dela. Marina. 

Fiquei olhando praquelas letras, uma após uma, até o risco em cima. Porra, eu tinha riscado o nome dela porque ela era carta fora do baralho. Aquilo nunca tinha trazido qualquer paz pra mim, nem tinha feito eu me sentir 1% melhor. 

Fiquei muito tempo ali, fumando, pensando. Senti tudo. Senti raiva, quis jogar tudo naquela sala pro alto. Senti tristeza, por tudo ter terminado naquele jeito. Senti felicidade, pela Maria Ísis... Fui do céu ao inferno um milhão de vezes. 

No final, mandei chamar o Piloto. Em menos de 10 minutos, ele bateu na porta e eu abri pra ele. 

— Senta ai, irmão. Pega um copo pra tu. — Falei, jogando os cadernos de contabilidade pra baixo da mesa e o quadro no lugar. 

Ele se serviu e ficou esperando eu falar algo. 

— Posso te ajudar como, meu patrão? — Perguntou um tempo depois. 

— Preciso de um favor teu. Não questiona, só faz o que eu tô mandando e fica quieto na tua. O que eu vou te pedir, é um negócio meu. Se tu fizer direito, tu vai ter minha gratidão e eu vou te dar um agrado legal. Se alguém ficar sabendo, eu vou saber quem eu vou culpar. Tu tem culhão pra segurar uma missão dessa? 

— Pode mandar, patrão. Tu sabe que tu pode contar comigo pra fazer as coisas no xiu, po. — Falou. Eu não sabia não, mas se ele pensava assim, melhor pra mim. 

— Tu sabe a mulher que eu pedi pra tu ficar de olho, a Marina? — Perguntei. Ele acenou com a cabeça. — Então, o esquema é o mesmo, mas agora eu quero que tu ajude ela. O que ela pedir pra tu fazer, tu vai atrás e faz. Depois tu me conta, pra eu saber o que esperar. 

— Tudo certo, chefe. — Ele falou de cara, mas eu vi na expressão dele que tinha achado a situação esquisita. Não falou nada porque não tinha cu pra isso. 

— Até se ela quiser sair da favela, é com ela, tu vai atrás. Ela deve ir ver uma gente lá fora, eu não sei irmão, mas faz o que tiver que fazer. O único limite que tu tem é só a vida dela. Não deixa aquela filha da puta se matar, o resto é com ela e tu vai atrás. 

— Po, Barbás, mas e se ela quiser fugir. Pegar um carro, dá um perdido, vazar, sumir... 

— Tu não vai deixar isso acontecer, porque isso é tua responsabilidade e tu vai fazer seu trabalho direito. — Comecei já dizendo o nível que eu queria dele. — E ela não vai fugir. A filha dela tá comigo, se ela for embora, ela pode ir, mas vai sozinha e aí ela nunca mais vai ver a menina na vida dela. 

— Po, se o senhor acha... 

— Eu tenho certeza do que eu tô falando. Ela não vai fugir. Agora vai lá. — Levantei pra apertar a mão dele. — Amanhã cedo tu procura ela e diz que eu te mandei pra levar ela pra resolver os BOs dela. Tranquilo? 

— Tranquilo, deixa comigo. 

Abri a porta e deixei ele sair. Voltei pro meu canto, sozinho, pros meus pensamentos. Eu tinha que começar a pensar no que eu ia fazer caso alguém quisesse se levantar contra mim. A hora de bolar um plano pra suprimir qualquer racha na favela era agora. Eu tava deixando minhas costas de fora e sempre ia ter um que só precisava de uma oportunidade pra tentar meter a faca. 

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora