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— Eu vou mo-morrer? — A Maria perguntou, parecendo muito alarmada com aquela situação. Tanto que ela até gaguejou, coisa que já tinha sido corrigida na sua fala há um bom tempo. Envolvi ela com meus braços e a apertei forte contra o meu corpo. Enfiei meu nariz no seu cabelo, inspirando forte e sentindo o cheirinho floral do seu shampoo. 

— Não... — Minha voz saiu só um sussurro frágil e cansado. Eu já estava naquela batalha com ela há tanto tempo que já estava muito difícil procurar de onde tirar forças pra amparar ela. 

— Desculpa, a gente não devia estar falando essas coisas perto dela. — Guilherme me lançou um olhar culpado. 

Barbás ficou um tempo que pareceu infinito parado no mesmo lugar, abrindo e fechando os punhos. Eu podia ver sua cabeça trabalhando, as engrenagens girando tão rapidamente que chegava até sair fumaça.   

Cara, eu não tinha como negar, eu tava com muito medo dele negar. Por mais que eu soubesse o quanto aquele homem era corajoso, o tempo também o endureceu e o tornou primeiramente  cauteloso. Eu sabia que ele era um bom pai, mas caralho... ele tinha tido tão pouco tempo com a Ísis que eu não sabia verdadeiramente se... e eu não podia o culpar... Tudo isso fundia o meu coração dentro do peito. 

— Maria Ísis. — Abri os olhos quando ouvi a voz dele. Barbás tava bem na nossa frente, abaixado na frente da Ísis, estendendo uma mão pra tocar o rostinho dela. Vi o brilho de umidade nas suas bochechas morenas... ela tinha ficado muito assustada com as palavras do Guilherme, provavelmente só tinha compreendido o final e o impacto disso estava transbordando pelos seus olhos. — Olha pra mim aqui, vem cá. — Ele pediu, puxando ela pelo queixo muito delicadamente. Ísis se afastou de mim uns centímetros, somente pra encarar o Will.

— Você é minha filha. — Ele falou baixo, mas com uma firmeza inabalável. — Eu sou o seu pai e o seu pai não vai deixar você morrer, tá me entendendo? — Insistiu na resposta dela. Ísis passou a mão nos olhos e concordou com a cabeça. — O que tiver que ser feito, eu vou fazer e foda-se. O que tiver que ser, vai ser, tá nas mãos de Deus e dos meus guias. — Ele passou a palma da mão pelo restinho dela, encaixando seus dedos no pescoço dela e a segurando com a mais firme delicadeza que eu vi na minha vida. — Se o preço de você crescer, feliz, forte, bonita, for um negócio que tá dentro de mim, então já é teu. — Will se esticou pra dar um beijo na testa dela antes de se levantar. 

Quando se pôs de pé novamente, toda a hesitação tinha deixado ele. 

— É claro que a gente vai fazer, doutorzinho. Marca ai essa porra e me fala o dia, que eu vou ver o que que eu vou fazer pra me resguardar. — Disse, concordando com a cabeça. — Não tem moleque aqui pra dar pra trás não, só coloca ela pra fazer o procedimento e me mantém informado. 

— Graças a Deus. — Guilherme concordou com a cabeça, soltando um suspiro pesado de alívio. 

Joguei meu corpo pra trás, levando as duas mãos ao rosto. Felicidade, vitória, a linha de chegada logo à frente... A cura da Ísis, a coisa pela qual eu tinha arriscado tudo, agora estava aqui, tão perto... 

Abracei ela com força, encostando minha bochecha na dela. Me afastei só pra olhar ao seu rostinho bonito, eu ri em pura euforia, com minhas lágrimas se acumulando e atrapalhando minha visão. Com meus polegares, acariciei suas bochechas. Encostei nossas testas e me permiti chorar de felicidade. 

Uns segundos depois, minha curiosidade me fez desviar meu olhar pro Will por um momento. Larissa tava falando algo com ele e apertando seu ombro. Eu vi preocupação nos seus olhos, tensão no seu corpo todo... meu coração se apertou no peito com a visão dele vacilando na sua usual confiança. Ele faria porque ele era homem e era pai, mas ele, com certeza, tinha medo das consequências. 

Beijei o topo da cabeça da Ísis e me desvencilhei dos seus bracinhos, indo lentamente pra perto do Barbás. 

— Will? — Chamei, parando há alguns centímetros das suas costas. — Vai dar tudo certo. 

Ele só concordou com a cabeça, me olhando por um segundo fugaz antes de desviar sua mirada de volta pra Larica. 

— Depois a gente fala sobre isso, eu tenho que subir pra 1 que tenho um bagulho pra resolver lá. — Ele encostou sua mão muito rapidamente no meu rosto, num gesto de despedida, e subiu de novos as escadas, provavelmente pra pegar suas armas e as chaves da sua moto.

Me senti frustrada com a evasão dele. A gente precisava conversar, muito... mas talvez aquela não fosse a melhor hora. Ele precisava colocar seus pensamentos no lugar e eu ia dar esse espaço pra ele. 

— Passa mais tarde lá no escritório da Rua 1, Nina, ele fica lá até altas horas quando tá bolado com alguma coisa. Certeza que tu pega ele lá se for a noite. — Larissa cantou a bola e passou por mim pra chamar o Pedro, que tava jogando bola do lado de fora nesse momento. 

Ela levou o menino dela de volta pra casa e o Barbás deixou a casa não muito tempo depois. Eu e o Guilherme ficamos discutindo ali as possibilidades, enquanto deixamos a Maria Ísis se distraindo com algo na TV. 

— Gui, não dá pra gente fazer isso em uma das UPAs daqui? Em uma das clínicas que os caras do trem tem aqui... não sei. — Sugeri, pensando em uma solução pra aquele problema de levar o Barbás lá pra puta que pariu.

— Se desse eu tinha te falado, Nina. O problema é que são poucos os hospitais que tem estrutura de fazer um transplante como esse, ainda mais sendo com uma compatibilidade de só 50%. Pela segurança da Ísis, tem que ser num ambiente estéril, isolado do jeito que só uma sala de cirurgia pode ser. Se alguma bactéria contaminar as células que colocaremos nela, você tem que lembrar que ela vai ter zero defesas no corpo dela. A medula óssea que vamos destruir é literalmente todo o sistema imune da menina... — Explicou ele. — Uma infecção causada pela coleta irregular, pelo transporte, vai matar a Maria Ísis. Não dá pra fazermos nas coxas, é um procedimento muito, muito delicado. 

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora