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...mas na boa? Eu ficava pensando no destino final daquilo. Eu tinha medo. Não sabia quando a raiva voraz que eu tinha dela tinha começado a se diluir a ponto de me fazer vacilar como eu vacilava agora. Eu tinha que encarar as coisas como eram: eu tinha dado pra ela o benefício da minha dúvida. Minha certeza, aquela central, que eu tinha carregado comigo até ali tinha se desfeito em um monte de pontos de interrogação. O poder dela... Minha mente corria em mil direções pra eu tentar remediar aquilo de algum jeito... Um jeito eu ia dar de fazer tudo acontecer como tinha que ser.

— Fiquei sabendo. — Ele disse, parecendo desconfortável. — Tu pode jogar mais pra frente, chefe, e eu...

— Não, esse burburinho aí por causa dessa história ai vai dar merda ainda. — Disse, olhando pra fora e depois pra ele, que ficou quieto por um instante. Eu senti que ele queria falar alguma coisa e fiquei calado, esperando ele seguir em frente.

— Sabe qual é, Barbás, é que os caras tão meio balançado, sabe? A mina tá na sua casa, né? Com a sua filha e pá... E ela, po...

— Eu sei bem como que é, irmão, sei a história. — Disse, fazendo um sinal pra ele parar. — E eu sei o que eu tô fazendo. Final da semana. — Decretei.

— Então tá marcado, meu patrão. Sexta? — Perguntou.

— Sábado. — Ia ser dia de baile, só o dia já era cagado, mas era assim que eu queria que fosse. — Depois de anoitecer, antes do baile começar. No terraço daquela minha casa lá da Laborieux que tá vaga. — Falei.

— É isso, tá mandado já. — Concordou com a cabeça. — Vou avisar pros parceiros.

Bati minha mão com a dele e o Celin deu as costas pra mim. Mantive a postura até ele sair, quando eu fiquei sozinho, dei um soco na mesa pra externar todas aquelas contradições de merda que eu tinha dentro da minha cabeça. Girei na cadeira e fiquei um tempo ali olhando pro nada... depois, minha visão foi pro quadro que escondia um bagulho especial.

Levantei e fui até lá, tirando o treco da frente e revelando a lista de nomes riscados, e o dela... Marina. Passei o dedo pelas letras, uma a uma, me sentindo puto, confuso. Raiva. Raiva de mim... Raiva dela. Da vida... Perdi foi tempo olhando pra aquela porra, a noite varando já. Tava na hora de ir pra casa.

Me afastei, dando uma última olhada. Virei de costas, peguei meu fuzil e fechei tudo, indo pra minha moto e chamando meu segurança pra andar atrás de mim que nem minha sombra. Voei até minha garagem, parei minha moto lá, do lado das outras. Entrei pra sala, dando de cara com a Nina sentada largada no sofá, olhando pro teto e estalando os dedos da mão um a um. Ela me percebeu e seu olhar vago, que não estava fixo em nada em especial, parou em mim. Nina se endireitou, me encarando daquele jeito que eu conhecia bem... ela tava tentando me ler, entender o que eu tava pensando, prever os meus passos.

— Tá marcado... O teu tribunal. Semana que vem, sábado. — Contei, passando a chave na porta atrás de mim e parei de braços cruzados, me escorando na parede do lado da entrada.

— Hum. — Ela falou, eu percebi que ela ficou meio sem reação. Será que ela tava esquecendo dessa porra desse detalhe? —Achei que tu fosse estourar rojão... Não que ia ficar com essa cara de cu aí. — Ela falou, levantando e sentando no sofá do outro lado de sala.

— Eu já te falei isso antes, mas eu não sei o porquê... não sei mais se eu te quero debaixo da terra. — Não consegui olhar diretamente pra ela. — Na verdade, eu sei bem, se pá o motivo esteja dormindo lá em cima agora. — Ela ficou em silêncio e eu respirei profundamente, olhando pro anel de ouro grosso que eu levava no meu dedo. Por um momento só, eu imaginei minha aliança ali. — O lance é que eu não sei como eu vou te matar e olhar pra minha filha depois.

— Se... — Eu vi ela começar e depois parar, engolindo em seco. — Se eu morrer, você vai cuidar da nossa filha?

— Óbvio. Não vai faltar nada pra ela, como não falta pro Pedro, porra. — Respondi sem nem precisar pensar sobre. — Mas isso não é o suficiente.— Já comecei a sentir meu sangue começar a ferver. Eu tava ficando velho e com o pavio curto.

— Não é. — Ela concordou com um olhar cansado no rosto, as mãos sobre as pernas com a palma virada pra cima. Saí da minha posição e andei pela sala a passos lentos.

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora