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— Agora? — Ele estranhou. Foi tipo, do nada. Sabia que aquela parte tinha ficado pendente entre nós e eu não queria perder a oportunidade de pôr alguns pingos nos is de uma vez. — Como?

— É, tipo, agora. Não pessoalmente, isso não dá por enquanto, mas eu posso tentar fazer uma videochamada. O que tu acha? — Sugeri. Aquela ideia eu tinha tido durante a madrugada, se eu convencesse ele a me acompanhar, eu podia só ligar pra minha mãe e tentar algum contato com a Maria. Ele conseguiria ver ela e eu ia conseguir sepultar parte das dúvidas na cabeça dela.

Ele se remexeu desconfortavelmente, mas concordou com a cabeça.

— Whatsapp?

— É. Não sei se vai dar, ela tá no hospital com a Maria até onde eu sei, mas eu posso tentar. Você quer? Ou só vale pessoalmente?

— Qualquer coisa vale. — Respondeu, me olhando com um olhar subitamente aflito. — Bora.

— Bora. Tipo... me empresta o seu celular e uma TV, pode ser? — Pedi, mancando até próximo dele. Agora eu ia ter que manter a farsa que tinha me levado até ali.

— Primeiro me fala o que tu vai fazer.

— Vou ligar pra minha mãe, faço a chamada e espelho a tela na TV. Simples. — Disse. Ele concordou com a cabeça mais uma vez e deu as costas pra mim, mandando que eu o seguisse. Pus o pano com gelo na ilha da cozinha e agradeci a Madalena pelo apoio com o gesto de mãos. Fui trupicando todo o caminho até a sala, que, agora, se encontrava absolutamente vazia.

— Faz. — Ele deu o celular na minha mão, com os contatos dele, onde eu salvei o número da minha mãe. Depois, entrei no whatsapp e fiz uma ligação pra ela. Uns segundos depois, ela atendeu. Coloquei no viva-voz.

— Sou eu, mãe. Me fala da Maria. — Já cheguei indo direto ao ponto.

— Ela respondeu bem. — Respondeu de uma vez e eu suspirei aliviada. — O Dr. acha que não precisa mais de observação inicial, eu vou voltar com ela lá pro meu apartamento de Copacabana, Nina. Sem condições de ir pro Fallet, a casa lá nem ficou pronta.

— Tá certo, leva as babás dela contigo. Ela vai ficar melhor lá, passa o endereço pro Guilherme que ele vai colar ai pra fazer o acompanhamento dela, tá? — Comecei falando. — Vocês ainda tão no hospital? Queria ver ela.

— Estamos, ela tá brincando com uns livros de pintar que eu comprei. Hoje de manhã ela acordou mais disposta, tive que arrumar umas coisas no improviso pra distrair ela aqui. — Contou. Ainda era cedo da noite, então, imaginei que ela não ia estar dormindo.

— Abre a câmera pra mim e dá pra ela, no mesmo esquema de sempre. — Falei, ouvindo ela falando um 'mamãe quer te ver, Marizinha'. Ela respondeu um 'mamãe?' tão empolgado que meu coração ficou quentinho no peito. Desviei o olhar pro Barbás, vendo uma luz de expectativa nos olhos dele.

Ele ligou a TV e botou pra espelhar tela, enquanto eu mudava pra chamada de vídeo. A primeira coisa que eu vi foi a minha mãe, que sentou na cama que a Maria tava e deu o celular na mão dela. Prendi a respiração ao ver o rostinho dela debaixo, com o telefone no colo dela, enquanto ela falava alguma coisa com a Cláudia.

— Filha? — Chamei. Ela voltou os olhos pro celular e levantou a câmera, ajeitando a visão de si mesma. Maria já sabia como fazer aquilo muito bem, afinal, era desse jeito que nós duas nos comunicávamos com o pessoal daqui enquanto morávamos no Paraguai. Ela tinha um catéter nasal e parecia um pouco sonolenta, mas ainda sim, tinha uma aparência saudável, na medida do possível.

— Mamãe, mamãe! — Ela repetiu, sorrindo pra câmera tão feliz e inocente que eu perdi o ar. Voltei meu olhar pro Barbás, que olhava fascinado pra televisão. Ele se sentou no sofá lentamente, observando fixamente cada movimento que passava no visor. Eu não soube dizer o que ele tava sentindo, só... parecia muito embasbacado.

— Oi, meu amor. Como você tá? — Perguntei, mantendo ela entretida com a minha voz.

— Tô bem, mamãe. — Ela parecia tão, tão feliz, apesar de tudo. Meu raiozinho de sol... — Ontem minha barriguinha tava doendo e eu não conseguia comer a comida. — Contou e eu suspirei. Coincidência ou não, eu tava me sentindo horrível da mesma forma ontem. Meu estômago estava um lixo. Eu e ela éramos muito ligadas desse jeito.

— E hoje você acordou bem, amor? — Perguntei.

— Aham. — Concordou com a cabeça. — Hoje eu fiz um desenho, mamãe.

— Então mostra pra mamãe. — Pedi. Ela virou a câmera de um jeito totalmente desengonçado pra tentar mostrar as suas obras de arte sobre uma mesinha que se estendia do lado direito da maca. Aproveitei a oportunidade pra olhar pro Barbás e tentar extrair alguma coisa das feições dele. Mudava o tempo todo. Ele parecia feliz, depois infeliz, empolgado, depois melancólico. Eu imaginava a montanha russa de emoções pela qual ele estava passando naquele momento. Em silêncio, ele continuava olhando fissurado pra TV, como se quisesse captar cada pixel colorido que tinha no visor.

— Ela é o que você imaginava? — Afastei o microfone pra falar.

— Ela parece com você... — Piscou, sem olhar pra mim. Eu vi os seus lábios se comprimindo e as sobrancelhas se juntando. Parecia uma expressão... triste? — E com o Pedro. — Exatamente como eu tinha descrito anteriormente. Era uma verdade inegável. Não... eu não estava mentindo.

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora