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— Mas porque é sujo assim? — Ela tava curiosa com a paisagem que ela via na frente dela. — E as casas ali são feias. — Apontou pro inicio da Vila Macega, que era uma das partes mais humildes da favela. Se as casas de tijolo sem reboco já não era bem muito bonitas, eu ficava imaginando o que a Maria estava pensando sobre os barracos feitos quase exclusivamente de madeira e material reciclável.

Ela nunca tinha visto ou tido contato diretamente com a pobreza, da qual eu já fiz parte.

— Lembra que eu te falei que eu tinha vindo de um lugar pobre, filha? Que a mamãe já tinha sido humilde que nem aquelas tias que a gente visitava no hospital?

Ela concordou com a cabeça, mas não falou nada, continuando a observar a paisagem.

— Aqui é um lugar de gente humilde também. — Disse, passando a mão nos cabelinhos dela.

Sabia que na cabeça dela, ia dar um nó. É, era um lugar de gente humilde, mas não era isso o que ela via dentro da casa do Barbás. Ali dentro e do lado de fora, às vezes parecia dois mundo completamente diferentes. Como eu ia fazer ela entender?

— Você morou aqui, mamãe? — Perguntou, apontando pra casa.

— Aqui? Aqui nessa casa? Não. Eu morei pra lá. — Apontei pra um ponto distante, próximo da entrada da favela, pra simbolizar a área do boiadeiro. — E pra ali. — Fiz um gesto mais pra direita, pra uma área que a gente não era capaz de ver bem, que era a Cachopa e a Dioneia.

— E a sua casa era bonita? — Quis saber.

— Não do jeito que essa aqui é... — Dei de ombros. — Ela era bem mais simples. — Contei, me sentindo meu saudosa. A confusão parecia estampada na carinha dela. — Sabe Ísis... eu tenho que te contar uma história que acontece aqui nessa favela. — Olhei pro horizonte, com o céu limpo e o sol brilhante sob as nossas cabeças.

— História da mamãe? — Perguntou.

— Também. — Sorri pra ela, ajudando ela a descer da cadeira onde ela tava em pé. — Você não me pergunta sempre do seu pai? Vem que eu vou te contar como eu conheci ele e você nasceu.

Eu vi os olhos dela brilharem de repente. Eu nunca tinha falado com ela sobre o assunto, apesar da insistência dela. Agora, que ela estava prestes a fazer 5 anos, talvez fosse a hora ideal de colocar uns pingos nos is. Ali era o lugar e o momento ideal pra isso.

— Ele mora aqui, mamãe? — Ela já foi com sede ao pote.

— Calma, Ísis. Uma coisa de cada vez.

— Onde a gente tá indo? — Enquanto eu guiava ela escada à baixo, eu vi a agitação aparecer no seu semblante de novo.

— Dar uma volta pra visitar os lugares onde a mamãe viveu, pode ser? Quem sabe depois disso você não passe a achar a Rocinha bonita... — Sorri pra ela, segurando a sua mãozinha firme entre os meus dedos.

Ia ser bizarro pra mim rever a minha trajetória junto com ela. Eu não sabia bem como eu ia me sentir passando em frente das casas onde eu já tinha morado, em frente da minha escola, pelo lugar onde eu casei, o lugar onde eu perdi meu irmão... De qualquer maneira, eu não podia fugir daquilo. Eu precisava contar a minha história pra Ísis e fazer ela entender o quanto a existência dela era o que sintetizava tudo o que aquela favela tinha me dado de melhor. Ísis era filha da Rocinha tanto quanto eu, mesmo que ainda não soubesse disso. Ela precisava conhecer a minha casa... ela precisava conhecer a sua história... precisava conhecer o pai dela. Eu não queria mais adiar isso.

— Lena, troca a roupa da Maria pra mim? Eu preciso ligar pro Túlio. — Pedi. Ela, mais que prontamente, atendeu. Fui até o quarto mostrar a mala da Ísis e pegar as alianças, que, com muito custo, eu tinha resgatado na noite anterior.

Fui até a parte da frente da casa. Sabia que nenhum deles ia ter coragem de me acompanhar, então, pedi, com muito jeitinho, que ligassem pro Túlio e me deixassem falar com ele. Meio escaldados, um deles fez o que eu pedi. Eu senti que era uma boa forma deles se livrarem do problema ambulante que eu era, passando a responsabilidade pro 'chefe'.

— TK? — Chamei ele pelo vulgo, assim que atendeu a ligação. — Tá ocupado?

— Mais ou menos, Nina. Por quê?!

— Tem como tu me acompanhar com a Maria Ísis? Preciso mostrar uns lugares pra ela... — Não dei muitos detalhes, mas acho que ele pegou minhas intenções no meu tom de voz. — Como um parceiro que eu tive e, provavelmente, o padrinho que o Barbás ia querer pra Ísis...

— Tá, eu vou colar aí. — Falou sem discutir muito. — Só não posso demorar demais.

— Não vai.

— Valeu, então. Espera aí.

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora