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[...]


Acordei cedo naquele dia com mil coisas em mente. Na noite passada, eu tinha ligado pra Maria naquele mesmo esquema, pra confortar o meu coração em saber que ela estava indo bem e confortar o dela em me ver. Enquanto conversávamos, Barbás em seu canto, observava ela com o mesmo fascínio nos olhos da última vez. Eu até propus que ele aparecesse na câmera, mas nós dois sabíamos que ali não era a situação pra explicar uma história como a nossa, ainda mais pra uma criança de 4 anos. Maria ia ficar super confusa e eu simplesmente não ia ter como explicar... Era preciso paciência.

Enquanto a minha situação... bom, eu realmente tinha conseguido algumas vitórias e sabia que eu tinha uma chance de fazer tudo dar certo, mas ainda tinham muitas pedras no caminho. Ainda tinha muita luta pela frente pra provar minha inocência e poder ser feliz com a minha filha. Agora, fazer com que acreditassem em mim não era mais só questão de vida ou de honra, era de amor e consideração também. Eu conseguia ver com meus olhos o que todos aqueles anos de dor tinham feito com o Barbás e me sentia muito, muito culpada. Eu não conseguia imaginar o quanto ele tinha sofrido por todas aquelas suposições, eu só tinha feito elas parecerem ainda mais verdadeiras... então como eu podia culpar ele por me detestar agora? Eu não me arrependia, porque tinha salvo a vida da nossa filha, mas não podia negar que o sacrifício que tinha feito foi o pior de todos. Eu tinha matado o meu coração e o do Barbás. Agora, eu não sabia nem por onde começar pra regastar tudo o que tinha sido destruído dentro da gente. Ele tava endurecido por dentro, eu tinha me tornado mais parecida com ele do que poderia imaginar que seria possível. Talvez, o início fosse fazer a verdade vir a tona de uma vez por todas. Só ela podia nos libertar...

Por isso, agora que eu tinha uma liberdade mínima, eu ia perseguir a verdade tanto quanto eu pudesse. Assim que eu coloquei os pés pra fora do meu quarto, um dos seguranças do Barbás já me esperava do lado de fora.

— É tu quem vai ser minha sombra? — Perguntei, simpática. Estendi a mão pra ele, que apertou. — Oi, eu sou Nina, ou Índia... como você preferir.

— Piloto. — Respondeu meio seco, mas sem grosseria. Ele só parecia um homem sério... bom, era a cara do Barbás escolher esse tipo de gente. Não ia ter moleza ou dois papos com ele.

— Bom dia. — Cumprimentei, passando por ele, que me seguiu. Eu nem tomei café da manhã, minha intenção era ir direto pra casa dos meus irmãos. O Piloto me levou na moto dele até o meu destino.

Bati na porta da Dalila e achei que ela fosse cair pra trás quando me viu. Só o grito já fez o Russo aparecer na janela dele.

— Acharam que eu tinha morrido? Nada disso, meus filhos. — Brinquei, agarrando no pescoço da Dalila e entrando com ela pra dentro de sala. Russo veio atrás e ofereceu uma cadeira pra minha sombra do lado de fora, enquanto entrava e deixava a porta aberta, pra que ele continuasse me vigiando de lá.

— Namoral, Nina, eu não tava nem dormindo direito pensando em você. — Wallace disse, com as duas mãos dos lados do meu rosto. Quase chorei com o carinho deles.

— Eu sei, eu sei, mas eu tava dando meus pulos do lado de cá também. E eu tava preocupada que algum de vocês fossem estar fazendo merda. — Rolei meu olhos pro Russo, repreendendo ele pelo incidente na casa do Barbás há uns dias. Nós nos abraçamos e ficamos um tempinho ali jogando conversa fora, enquanto eu comia o café da manhã improvisado que a Dalila tinha feito pra nós. Um tempinho depois, eu coloquei o assunto que eu precisava falar com eles.

— Então... eu sei que vocês querem me ajudar, eu acho que a hora chegou — Falei, me remexendo no sofá. Eu sabia que ia quebrar completamente o clima. — Tu já deve ter ouvido isso, Wall, mas eu vou ser sentenciada num tribunal.

— Ouvi. — Ele concordou com a cabeça.

— É... e eu preciso de testemunhas. Todos os que poderiam dizer diretamente que eu não tava envolvida estão mortos até onde eu sei. Meu pai e o bosta do Parma. Tem o Rogier, mas eu tenho certeza que ele vai ser irrelevante, porque naquela época ele tava na sob as ordens do meu pai e agora, ele tá sob as minhas. Ele nunca diria algo que pudesse me prejudicar, então, a palavra dele não vai ter validade nenhuma. Sobra vocês, que são pessoas aqui da favela e confiáveis. E... talvez a Larissa.

— Eu sei que tu tá falando a verdade, tu sabe que já pode contar com a gente pra comprovar as coisas que tu diz. — Russo deu de ombros.

— Eu sei... mas mesmo assim, eu queria deixar vocês cientes. E, também, a pensar comigo mais gente que possa falar em meu favor, sei lá... pensar um mínimo sobre como convencer as pessoas de que eu não fiz as coisas das quais me acusam. Você tem mais experiência com isso, ô Wallace. — Expliquei. — O que que eu faço pras pessoas acreditarem em mim?

— Ué, tu tem que provar o que tu fala, Nina. Eu não sei como a gente vai fazer isso, mas em alguma coisa a gente vai pensar. Vem. — Ele chamou com a mão, batendo na mesinha de centro.

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora