— O que tu tem que começar a entender é as consequências das coisas que você faz. Tu adora dar de maluca, sair por aí e fazer as coisas do seu jeito. Quem se fode é quem tu deixou pra trás. — Naquele ponto eu já sabia bem do que ele tava falando... Se era do segurança ou dele. — O irmão de ontem, os seguranças da casa que tu ficava antes... Você conhece bem o movimento pra saber o que acontece com quem falha na missão. Tu só torna as coisas mais difíceis pra mim.
— Desculpa. — Minha voz não saiu nada além de um sussurro. Meu sistema de autopreservação era egoísta. Eu gostava de dizer que uma das minhas qualidades era fazer o que era necessário sem hesitar... mas ali, naquele momento, aquilo pareceu o meu pior defeito. Me senti horrível. Estar ali estava sendo péssimo pra mim, estar naquela bela prisão, num ambiente hostil, era muito ruim, mas o pior mesmo era ter noção que todo o mal que me faziam, eu devolvia em gente inocente por capricho da minha parte. Fiquei atônita... mais uma vez, me senti um monstro. Eu não queria ser tão perversa quanto as pessoas que eu sempre combati na minha vida eram... Eu não queria ser a vilã da história.
— A culpa é mais deles que sua. É contigo, mas podia ser com outro. Quem é bandido tem que ter um olho nas costas e perder a inocência. Cair no erro é a morte. — Falou, parecendo ter o peso de um mundo inteiro nas costas. — Ninguém entra no tráfico sem saber onde tá se metendo, todo mundo sabe o que faz e qual consequência vai ter.
— Por que você não me castiga como faz com eles? A culpa é minha também. — Rebati, me aproximando a passos lentos. Eu tava me sentindo muito, muito mal. Minha voz tava embargada e eu gesticulei na minha direção. Ele me olhou de novo, apoiando o corpo nas mãos sobre o balcão do bar.
— Não me pergunta isso, não fica me tentando a fazer a coisa certa. Se eu realmente fizesse o que eu devia contigo, sei nem como tu estaria agora. Isso eu tô falando só da tua passagem por aqui agora. — Disse, desviando o olhar no espelho a frente dele. — Não reclama, agradece.
— Eu só quero entender. — Sussurrei pra ele, parando na outra ponta do bar, mantendo uma distância segura entre nós dois.
— Eu falo pra mim mesmo sempre que tua hora vai chegar... e é verdade. Uma hora você vai ter que prestar tuas contas. — Deu de ombros. — Não adianta ficar adicionando pena pra quem já vai possivelmente pegar uma pena capital. Quantas vezes eu vou te sentenciar se você só tem uma vida... — Ele parecia dizer mais pra si mesmo do que pra mim, seus olhos estavam na sua imagem no espelho.
— E por isso você me poupa das consequência dos meus atos? Por que tem pena de mim? — Perguntei, encarando ele e querendo buscar seu olhar pra mim.
— Não, eu tenho pena de mim. — Disse, pegou seu copo e me percebendo ali perto. — Por saber que eu tenho uma filha e que, agora, provavelmente eu vou ter que matar a mãe dela. Por não conseguir pensar nessa probabilidade e ficar em paz, mesmo que você mereça tudo o que te acontecer...
— Não era isso o que você queria? Me matar? — Questionei ele, agora tendo que desviar o olhar também. As emoções vinham até mim como ondas, uma atrás da outra.
— É... eu sonhei muito com esse dia. A realidade foi bem decepcionante pra mim, sabe qual é?! — Foi uma pergunta retórica. — Eu achei que queria você morta, aí você plantou uma porrada de dúvidas na minha cabeça e depois eu já não sabia mais o que queria de verdade. Agora a Maria existe... e você tem que viver.
Aquilo foi um baque pra mim. Até então eu trabalhava com a ideia de que ele me odiava de um jeito irreversível, que entre nós dois existiam coisas demais, nós demais, impossíveis de serem desfeitos. Eu me fiz entender que o tempo tinha deixa só a sombra do que um dia nós já fomos e tinha levado os nossos corações embora...
— Só pra você saber, eu não pretendo morrer. — Falei, dando um tapinha na parte de madeira do bar. — Pelo que me acusam, eu não sou culpada. Eu faço as coisas erradas sim, mas eu nunca ia ser capaz de te trair. Nunca. Deus é testemunha.
Ele não disse nada, se manteve calado e sereno, olhando para o teto e bebendo seu whisky. Eu não sabia o que aquilo significava.
— Eu só quero que a minha filha saiba que eu sou o pai dela... — Falou depois de um tempo. — O que tu fez, o que tu deixou de fazer e os seus motivos, eu não quero ouvir falar disso. — Eu ouvi a mágoa marcar suas palavras, ele se retraiu. Porra, ele tava ali, finalmente falando abertamente comigo, eu não queria deixar ele ir embora de novo.
— Isso ainda te magoa? — Perguntei, me aproximando um passo. — Não tô falando de raiva, de tristeza, dor... — Eu precisava saber daquilo. Desesperadamente. Eu precisava saber se ele se sentia do mesmo jeito que eu.
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Coração em Guerra
Romanceㅤㅤ"Sou a morte, o diabo, o capeta, a careta que te assombra quando fecha o olho. Sou seu colete à prova de balas, seu ouvido à prova de falas... Eu vou tomar nosso mundo de volta." Djonga ㅤㅤㅤHá 5 anos ela foi acusada de trair o homem a quem ela amav...