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[...]


[WILLIAM]



Desde que eu recebi as informações que eu queria, o mínimo de tranquilidade que eu tinha na minha vida foi pro caralho. Acho que se eu tivesse que apontar um bagulho que eu realmente medo, acho que a única coisa que eu ia encontrar aquela merda. Em tantos anos de caminhada, nada mais me assustava, nada mais me surpreendia... só aquilo. Eu tinha medo de estar errado. Não sobre tudo, eu nunca tinha pagado como bastião da justiça, apesar de eu saber que era responsabilidade minha fazer ela se cumprir nas minhas favelas. A lei dos irmão mandava assim e eu acreditava nela. Se fosse só por mim, eu seria puramente oportunista e foda-se. A verdade é que eu, pessoalmente, achava que a justiça perfeita era uma lenda. Você podia cobrar o mal que te faziam, mas aquilo nunca ia limpar a sua alma dos rasgos que abriram nela.

Eu também não sabia quando eu tinha começado a levar aqueles valores ao pé da letra, elevando eles acima dos meus... Quando eu tinha internalizado aquilo. Fazer justiça... Eu não acreditava nela, mas era eu quem tinha que sustentar o sentido dela nas costas. Ironia. É bem como diziam mesmo: quem ser tratado como um rei? Vai ter responsabilidades de um rei.

O pior pra mim, naquela situação era ter que pensar na favela primeiro, antes de fazer o que eu queria. Era ter que pisar em ovos, porque ela podia fazer um estrago gigantesco contra a minha gestão. Eu tava tão puto, tão irritado... e arrasado pra caralho.

Sentei na cama, olhando pros papéis que o irmão que tinha ido correr atrás de informação pra mim trouxe. Em 5 anos, eu tinha crescido pra caralho... tinha saído da lama, pra me erguer como o chefe do tráfico da minha área. Só a Marina tinha crescido também, de um jeito que eu não tava esperando. É, eu tinha subestimado ela. Agora que eu sabia quem ela era hoje, tudo fazia sentido. Na fronteira do Paraguai, uma das principais rotas de tráfico e contrabando, ela tinha se consolidado como uma das grandes. Ela tinha poder e tinha influência no lugar de onde vinha a minha droga, era nisso que ela me pegava. Só que isso era o de menos. Agora era questão de tempo até eu trocar meu fornecedor pra um do Mato Grosso do Sul, que seria obviamente mais caro, mas muito mais seguro pra mim naquela situação.

A questão agora era uma da qual eu simplesmente não conseguiria me livrar... Era o elo que ia me ligar a ela pra sempre, que agora, eu tinha a plena certeza de existir. Pra mim, chegaram fotos dela que martelaram fundo dentro da minha mente e do meu coração. Passei elas uma a uma... Ela com uma blusa maior que ela, parecendo um vestido, e um bebê novinho no colo. Depois numa festa infantil, com a mãe dela do lado e a mesma criança no colo. Dessa vez, elas tavam vestidas de princesa e a garotinha era igual a ela. Maria Ísis. Por mais que eu quisesse negar, tudo confirmava aquela história dela e isso, pra mim, era o pior.

A angústia que se instalou no meu peito enquanto ela me contava foi bizarra. Eu tinha uma filha de 4 anos que não conhecia. 4 anos da vida dela que eu não tive presente. 4 anos sem ela saber que eu era o pai dela, nem eu saber que ela era minha. Agora ela precisava de mim... A última coisa que eu esperei sentir foi tristeza, mas era exatamente isso o que tava me dominando. Tristeza. O tempo não voltava mais, o que tava perdido não podia ser recuperado. 4 anos. Era um inferno.

E quando se pensava que já tava ruim, sempre piorava. Ainda tinha ela... E ela era o que deixava tudo mais difícil. Era foda ficar perto dela... naquela altura do campeonato, eu já tinha entendido que ela ainda mexia pra caralho comigo. Mexia com a minha mente, me provocava tanta raiva e ao mesmo tempo, me fazia sentir tão fraco... As vezes eu ainda olhava pra ela como se ainda fôssemos os mesmo de 5 anos atrás, como se ela ainda fosse a minha mulher e nada tivesse acontecido. No final, ela ainda não tinha perdido a habilidade especial que tinha de me deixar de pau duro. Minha mente me torturou com a porra da imagem dela, naquela roupa molhada, me olhando com os mesmos olhos escuros e os lábios entreabertos.

Eu não ia dormir aquela noite. Não com minha cabeça cheia daquele jeito e, no dia seguinte, eu tinha que acordar cedo pra cuidar dos meus negócios e pra decidir o que eu ia fazer em seguida. Eu tinha que correr atrás da minha filha e dar um jeito na mãe dela. Pra isso, eu tinha que estar tranquilo. Recorri ao meu remédio pra conseguir apagar até amanhã. Tive um sono perturbado pra caralho, entre aquele monte de papéis e fotos dela. Delas...

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora