147

2K 176 88
                                    

— E você conhece de cada palmo daquelas favelas. — Estendi um papel na direção dele. — Esse aí é o contato e o lugar onde você vai achar o contrabandista do paraguai que eu namorei há uns anos. Ele me deve um monte de favores e vai te entregar peças por um preço muito, muito bom.

Rogier pegou o papel e abriu, olhando o nome "Don Bueno", os números e os endereços que eu entreguei pra ele.

— Ele consegue direto da fonte. Vai te fazer por 15 mil ou menos cada bico, como um favor pra mim. Eu tenho um milhão e trezentos mil de reserva que eu vou te passar. Você vai pegar esse dinheiro e vai negociar com Bueno. Tu é velho de guerra, sabe bem o que tu precisa. Você vai fazer um arsenal incrível pra juntar com as armas do Fallet. Você sabe que...

— Eu vou comprar um monte de arma e fazer o que com isso, Nina? Que homem vai segurar isso?

— Eu tenho aliado improvável pra você.

— Quem?

— O Barbás. — Disse de uma vez, convicta de que era exatamente esse o caminho. Rogier riu, achando que eu tinha contado uma piada incrível. — O Russo vai cuidar de tudo pra fazer dar certo. O contato dele tá ai nesse papel também. 

—  Tá falando sério? — Ele ainda tava incrédulo. — Esse homem não quer me ver nem pintado de ouro, Nina. Mais que isso, porra, ele ajudaria a gente por quê? 

— Porque os termos vão favorecer ele também. — Disse, dando de ombros. — Já falei com meu irmão, ele já tá no esquema. As nossas favelas da Zona Sul, vão ser dele, todas dele, como ele sempre quis. Ele vai dominar a Zona Sul toda e já era. As do Rio Comprido voltam pra gente, junto com o Salgueiro e o Turano. A única condição é que ele volte a negociar com as nossas rotas de droga. Os termos são ótimos pra todo mundo. Principalmente porque nós vamos entrar com um armamento muito bom, então... Não tem como ele não aceitar. 

— Você pensou nisso tudo? — Rogier tinha uma ponta de orgulho no sorriso triste que ele tinha no rosto. — Não era pra tu estar pensando sobre você? E o tribunal, Nina?

— Eu já fiz o que eu tinha pra fazer. Todas as pessoas que podiam provar minha inocência estão mortas, Rogier. Sou eu e eu... Encarando um grupo de 20 e poucas pessoas, onde a maioria me odeia. Eu vou esperar pelo melhor, mas se tudo der errado... eu não sei se eu vou ter coragem de executar meu plano B e acabar fodendo o Barbás ou meus irmãos de novo. — Suspirei profundamente. 

— Então você tem um plano pra sair viva de lá, mesmo que eles te decretem? — Ele pareceu um pouco mais aliviado agora. — Eu devia saber que você é assim, cheia de truques... Se eles te decretarem, não se entrega de bandeja, Marina. Você tem muita coisa o que fazer aqui ainda. 

— Eu ainda não sei como vai ser, ou como eu vou proceder. Pode parecer uma escolha fácil entre viver ou morrer, mas não é tão simples. — Olhei pro Rogier, tentando fazer com que ele entendesse o que eu queria dizer. — O William... O Wallace, a Dalila... até a Larissa. Toda vez que eu preciso sair pela tangente, eles quem pagam um preço alto. Acho que dessa vez eu vou tentar só ser sincera com todos eles e ver o que acontece no final. 

— E a Ísis? — Perguntou, olhando pro mar. 

— Eu consegui o que eu me propus a fazer por ela quando vim pra cá, sabia onde poderia terminar também. Barbás vai ser o doador, Guilherme tem certeza que ele pode ser um doador haploidentico. Minha filha vai ter a cura da doença que tá matando ela, de uma vez por todas. 

— Então é isso. — Ele parou de me encarar de vez e eu sabia, só pela maneira como apertava os lábios, que ele estava mal por causa disso. 

Levantei, dando um beijo no topo de cabeça de cabelos grisalhos dele. 

— Você vai ouvir falar de mim, tio. Bem ou mal, você vai ter notícias de mim. 

Voltei andando pra perto do Piloto de novo, que levantou da cadeira dele e, em silêncio, me acompanhou de volta pro carro. O sol já estava se pondo no horizonte e, agora, tudo o que eu queria era estar com a minha filha.

Subimos a Rocinha inteira, direto pra casa do Barbás. Assim que eu botei o pé na calçada em frente ao portão dele, dei de cara com o Russo e a Dalila brincando com a Ísis no jardim de dentro. 

— Que que vocês... 

— A gente veio ficar contigo, óbvio. Trouxe umas cachaças pra tu aguentar o tranco e uns negócios pra gente se distrair de madrugada. — Disse a Dalila. O rosto dela também não estava dos melhores. 

— O Wallace não trabalha amanhã? — Perguntei, extremamente grata por eles estarem ali pra me amparar mais uma vez. 

— Trabalho, mas se eu te falar que eu vou dormir hoje eu tô mentindo. Tô ligado que você também não vai conseguir pregar o olho, então, bora só passar por essa merda juntos, que nem a gente sempre faz. — Ele disse, parecendo o mais valente dos homens.

— Eu... amo vocês. — Foi só o que eu consegui dizer, correndo pra agarrar eles pelo pescoço, com a Maria Ísis no meio. 

Entramos todos e o Pedrão veio me receber também, junto com a Madalena. Por mais difícil que eu soubesse que ia ser aquela noite, eu também não me senti sozinha. Tinha gente ali por mim, muita gente, pra segurar a minha mão. Mesmo que eu não merecesse, eu tinha eles e, por isso, eu ia amá-los até o final. 

Todas os dados já estavam rolados agora, a sorte estava lançada. 

O dia de amanhã mudaria tudo, pra sempre. E o que ia acontecer? Só Deus podia dizer. Agora estava nas mãos dele o destino de todos nós. 

Coração em GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora