Ele me olhou, parecendo cansado. Seus olhos estavam vermelhos pelo contato com água e ele respirava com dificuldade. Pisquei, me esforçando a ver um ser humano naquele rosto, naquele corpo. Eu queria sentir muito por ele, mas simplesmente não conseguia. Eu não sentia nada e isso me feriu muito mais do que eu imaginei que faria. Eu sentia que tinha perdido uma parte de mim que nunca mais ia voltar... Fiquei de joelhos do lado dele, sentindo um soluço me balançar o corpo, enquanto lágrimas desciam pelos meus olhos sem restrição nenhuma.
— Naquela noite do Siqueira... — Comecei, sentindo a garganta arranhar. — Você quebrou alguma coisa dentro de mim. Depois, quando você quase matou o Pedro, mais alguma coisa estilhaçou... mas foi só quando você levou o meu irmão de mim, que eu soube que nunca mais ia conseguir me consertar do mal que tu fez. — Passei a mão no rosto, levantando de uma vez só. — Que Deus tenha misericórdia da tua alma, Misael, porque eu não tenho.
Senti Barbás parar atrás de mim e ergueu uma lâmina tipo de Gilette pra mim. Peguei e ele seguiu em frente, descendo o joelho com força sobre o peito do homem, a quem ele tampou a boca com o silvertape, como tinha feito com o irmão.
— Trás ai, Russo. — Mandou. — Vamo que nosso tempo tá curto.
Will colocou o Misael sentado, enquanto puxou o irmão dele pra dentro da banheira já vazia.
— Com a família dos outros é tranquilo, né, irmão? — Perguntou, roçando uma faca no pescoço dele. — Mas quando é com a nossa dói, né?!
M7 tinha uma expressão, estava sentado, mas os ombros estavam baixos e os olhos cansados. Ele sabia que aquele era o fim da linha pra ele e estava sem reação alguma... A proximidade e a certeza da morte eram sentimentos cuja a complexidade humano nenhum seria capaz de entender, até o momento em que pessoalmente chegasse lá.
— Olha pra cá, irmão. Se tu desviar os olhos, eu vou fazer ele sofrer muito mais. — Disse Barbás, com um tom ácido. Levantei pra, junto com a Larissa, forçar ele a ver a ceninha seguinte. Pra poupar o irmão, ele obedeceu, mas eu desviei os meus olhos. Meu estômago estava muito instável e o enjôo começava a fazer eu me sentir mal de novo. Eu sabia, porém, que a garganta do irmão dele tinha sido cortada só pela quantidade bizarra de sangue que começou a encher a banheira de novo, além do esgar e o tremor vindos do Misael.
— Dói, não dói, seu merda? — Will parou na nossa frente, agarrando ele pelos cabelos. — Dói pra caralho, e sei, eu senti isso. Todo mundo aqui sentiu. Tu devia ter conseguido me matar, antes de ter tocado no meu filho.
Me afastei alguns centímetros, deixando o homem descontar toda a raiva dele no outro, que já começava a desfalecer de novo. Depois, ele sozinho jogou o Misael dentro da banheira, sobre o corpo e o sangue o irmão. Eu vi o desespero dele, despertando, e aquilo não me comoveu...— Vamo talhar esse filho da puta de uma vez, daqui a pouco o Parma começa a ligar. — Mandou. — Vai lá, Nina, começa. Pelo Jean.
— Pelo Jean. — Concordei com a cabeça, os olhos cintilando em raiva e ressentimento.
Sentei na beirada da banheira, respirando fundo e controlando o tremor da minha mão. Aproximei a lâmina da perna dele, pressionando contra a carne e ouvi seu grunhido abafado pela fita. Afundei ela mais ainda na pele, puxando repentinamente pro lado. O sangue escorreu no mesmo momento e eu olhei pro Barbás, que fez que 'sim' com a cabeça pra mim. Uns centímetros acima de pele, fiz a mesma coisa e depois de novo e de novo... fazia lentamente, pelo conflito de sentimentos que se acumulavam em mim. Aparentemente não era rápido o suficiente, então, Will e Larissa se juntaram a mim, cortaram o corpo dele em outras muitas partes. Rapidamente, violentamente. Várias vezes eu via o Barbás reclamar, quando a faca ficava presa no osso, de tanta força que ele colocava.
No meu coração aquilo me doía também. Eu não servia pra essas coisas, me sentia péssima em mutilar alguém daquela forma. Eu queria que ele sofresse, mas me envolver diretamente e rasgar a carne dele deixava os meus dedos trêmulos. Não... eu não gostava daquilo. Por um lado, o sadismo que eu nem sabia existir dentro de mim se contorceu de alegria ao notar o seu rosto desfigurado pela dor até o momento onde ele simplesmente parou de respirar. Por outro lado, eu me sentia um monstro como ele. Me sentia mais próxima do que ele tinha sido enquanto estava ali, segurando uma lâmina banhada em sangue.
Em algum momento eu parei e fechei os olhos, me sentindo fraca. Vingança não era tudo o que eu tinha imaginado... não era tão gostoso pra mim, quanto estava sendo pro Barbás, eu sabia. Nos olhos dele tinha muito mais que divertimento, tinha prazer e felicidade, ele tava curtindo até o último segundo. Eu comecei a me perguntar se não tava maculando a imagem do anjinho que era o Jean... Justificando com o nome dele um pecado monstruoso.
— Will... — Chamei, ele não olhou pra mim imediatamente, mas murmurou um 'hm'. — Já deu. Vamos embora.
Ele não me deu atenção, parecendo completamente alheio, mergulhado na sua própria satisfação mórbida.
— William! — Chamei mais alto, agarrando o braço dele, que virou os olhos pra mim. Sua expressão suavizou um pouco e, uns segundo depois, ele jogou a faca na pia. — Ele já tá morto, vamo embora.
— Me dá, eu vou colocando isso tudo num saco. — Larissa tomou a minha lâmina e pegou a faca do Barbás, lavando com a água da pia de qualquer jeito e saindo do quarto. Ela e o meu irmão começaram a limpar as evidências do resto da casa nos momentos seguintes.

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...