— E por que ninguém tá atendendo o celular? — Perguntei.
— Tá todo mundo sem sinal bom. Certeza que os porco meteram bloqueador aqui, pra dispersar a gente. — Explicou meu irmão.
— E dispersaram a gente mesmo? Não ficou ninguém nem pra marcar a posição? — Perguntei, sabendo que aquilo sim era um problema do caralho. Mano... abandonar a posição era a mesma coisa que perder ela.
— Claro, Nina. Quem vai ficar na linha de frente pra tomar tiro de polícia e ir preso? — Respondeu. — Esses cornos arregaçaram com tudo o que a gente tinha conseguido até agora.
— Voltamo à estaca zero. Só isso. — Ironizou o Parma do outro lado da sala.
— E quando eles meterem o pé daqui, quem fica pra se fuder e ir lá meter a cara pra trocar tiro é a gente. Esses putos ficam se intrometendo nesse caralho. — Wallace reclamou. — E o pior é que agora eu não sei se a gente vai ter pique pra ir daquele jeito de novo. Eles tão dando tempo pro Misael se fortalecer. A questão, agora, é o que a gente vai fazer.
— Eu já disse que vou atrás dos aliados do Caburé. A gente vai se aliar a eles nesse caralho, eu vou descobrir o que eles querem. — Barbás falou, depois de muito tempo calado. Os antigos aliados do Caburé eram uma questão polêmica. O que eles cobravam pela "amizade" deles era uma taxa alta pra caralho. Além disso, se, na melhor da hipóteses, a gente conseguisse expulsar o M7 e as tropas dele, quem garantia que eles não iam trair a gente e entrar aqui? A Rocinha ainda era a maior favela unificada do Rio e o valor que se podia tirar mensalmente dela era obsceno. Ingenuidade era acreditar que iam aceitar de boa ajudar a gente e ficar com migalhas do tesouro, quando podiam ir diretamente ao pote dourado.
— Tu tem certeza, Barbás? — Peralta perguntou
— A gente precisa de tropa aqui pra ontem e não dá pra simplesmente tirar do cu. A hora que os porcos saírem da favela, se a gente não tiver um tropa forte pra forçar as nossas posições de novo, a gente vai rodar. — Explicou. — Eu vou lá, já marquei com o chefe dos arrombados lá pra conversar e ver no que dá.
Fiquei calada no meu canto. Sabia que eles tavam reunidos ali porque no terreno do Russo tinha uma saída sensacional atrás, que dava pra um bom esconderijo debaixo de uma casa. O Parma e o Peralta foram pra lá esperar o sinal da desocupação pra sair de novo. Russo e O Barbás ficaram ali, mas de olho na movimentação da polícia. Era impossível ir se esconder na mata sem a parte alta da Rocinha na nossa mão, por isso, sem a proteção das árvores e das copas fechadas, muito amigo nosso acabaria caindo. Era um pesadelo...
Quando os outros dois saíram da casa e ficamos só nos 3 ali, os olhares do Russo e do Barbás pesaram sobre mim e eu sabia bem o porquê.
— Nina não tem como esperar mais a tua boa vontade. A hora de ir em cima do teu pai é agora. — Falou o William, me olhando diretamente nos olhos. — Não adianta eu correr atrás de apoio pra nós, se ele for apoiar o M7. É trocar 7 por meia dúzia.
— Mano, o único jeito da gente falar com ele namoral é pela minha mãe. Ela não tá conseguindo achar ele, eu já disse isso.
— Então não vamo falar com ele namoral. Eu também já te falei que sempre tem a opção de fingir um sequestro ou algo do tipo pra tirar ele na toca dele. Temos você e sua mãe, a faca e queijo na mão, Nina. — Insistiu.
[...]
Eu e Dalila ajudamos o Barbás e o Russo a entrarem pra umas das casas escondidas no beco da sua de trás. Eles não podiam ficar dando muito bandeira porque era foragidos, então, eles se separaram uns minutos mais tarde, cada um indo pra um esconderijo próprio. Quando as coisas se acalmassem, a gente ia buscar eles de novo. A principal desvantagem de estar na parte baixa era essa: era muito exposto e sem o acesso à mata, ficava mais difícil se esconder da polícia.
Depois, sozinha no meu quarto, eu parei em frente ao meu espelho e me olhei por longos minutos. Eu queria saber como ele era... O meu pai. Eu parecia um pouco com a minha mãe, mas diferente de mim, ela não tinha nenhum dos meus traços de cabocla. Diziam por ai que era inerente à todos os homens procurar por suas origens, pelo lugar de onde tinha vindo, ir atrás da sua história... O que tinha sido só um provérbio contado por vó até então, se tornou a maior verdade que eu vinha remoendo pelos últimos meses. Desde que a minha mãe tinha me contado a história dela e a minha, pelo menos.
Eu precisava do apoio do Mandarim pra vencer essa guerra. Claro que eu podia simplesmente usar a minha mãe e a mim pra cobrar uma dívida do passado e fazer ele ficar do nosso lado. Era quase como pagamento por toda a pensão atrasada até ali... Só que eu sabia que se fizesse isso, se enganasse ele pra atingir os meus objetivos, eu teria que cortar a fina linha que me ligava à ele. Nosso laço sanguíneo estaria pra sempre manchado pela sujeira e o pela minha atitude baixa. Certeza que ele nunca mais olharia para a minha cara depois que eu virasse pra ele e dissesse toda a verdade.
Eu sei que eu não deveria realmente me importar com isso, afinal ele estava há mais de 12 anos atrasado na minha vida, mas eu não conseguia só deixar pra lá. Não conseguia só cortar aquela linha... Supostamente eu não tinha outra alternativa, mas eu não ia aceitar me colocar num beco sem saída. Eu não queria abrir mão de nada... Então eu ia fazer do meu jeito. Aquela ia ser minha última tentativa e, se tudo desse errado, eles ainda teriam minha mãe do lado deles. Um tiro no escuro...
A noite estava começando a cair rapidamente, então, eu desci as escadas e entrei na casa que a dona Cláudia estava ocupando. Meus irmãos estavam jogados na sala, brigando pelo PS4 que o Wallace tinha dado de presente de aniversário pra Dalila no início do ano. Dei um beijo em todos ele e fui surpreendida pela minha mãe, que cozinhava a janta no cômodo ao lado.
— Tá melhor, mãe? — Perguntei, sorrindo de canto. Pela primeira vez em algum tempo considerável, ela me devolveu o gesto.
— Tô... Tô feliz em saber que vocês tão seguros de alguma forma. Ficar naquela casa, sendo sondada pelo Misael tava me deixando maluca.
Concordei com a cabeça, sentando na mesa de mármora.
— Queria te pedir um favor. — Falei e ela se virou pra mim. — Eu quero uma foto do meu pai. Eu quero saber como ele é... cê tem alguma foto nossa com você? De nós três.

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Amor na Guerra
Romansaㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...