Eu apoiei minha cabeça no peito dele, inspirando o cheiro metálico do sangue junto com o seu usual perfume amadeirado das suas roupas... E pólvora, que eu de desconfiava que vinha das suas mãos no meu rosto.
— A gente tem que ralar. — Falou, olhando ao redor. Levantei a cabeça e o observei. Ele tava machucado também. O rosto tinha vários pontos sanguinolentos e a lateral do pescoço estava muito vermelho e inchado. — Mas antes temos que mover esse merda ai. — Disse, chutando o corpo do Peralta. — E tu vai ter me ajudar.
Concordei com a cabeça, passando a mão nos olhos, pra conseguir enxergar direito. Tinha um machucado bizarro na entrada do meu couro cabelos e o sangramento só tinha começado a parar agora. De qualquer jeito, eu foi até os tornozelos do cadáver e os agarrei, enquanto Barbás segurou os braços pelos cotovelos.
— Só vem. — Ele mandou e de costas, a gente saiu pela porta e entramos no beco do lado pra não dar muito na vista que estávamos carregando um corpo. E ele era pesado, apesar de magro. Devia ser os ossos... Minha cabeça viajava por pensamentos mórbidos que eu não conseguia controlar. Era bizarro, porque enquanto a gente ia levando, os pingos de sangue pelo chão iam manchando os nossos pés e o marcando o caminho por onde a gente tinha percorrido. Eu evitava olhar muito pro cara, porque olha... Se eu ficasse encarando muito a cara dele, branca que nem vela, me dava vontade de vomitar. Meu estômago já tava revirando a rodo.
— Pra onde, Barbás? — Perguntei, ofegante pelo esforço que já seguia por vários minutos. A cena atraiu alguns olhares, que, logo após ver o que estávamos fazendo, viravam a cara e fingiam que nada tinha visto. Morador não se metia nessas questões pra não sobrar pra eles, eu sabia bem como era.
— Pro canal. — Falou com a voz fanha. É... quem tava pegando o peso maior era ele, eu sabia, então eu nem reclamei. Seguimos o resto do caminho calados e aguentando firme a provação que era carregar um maluco que devia ter uns 60, 70kgs. Eu quis parar algumas vezes, mas ele não quis deixar. A gente já tava no erro, não dava pra ficar dando muito a cara assim.
Uns minutos depois, a gente chegou no beco que desembocava na rua do valão, onde largamos o corpo no chão. William se abaixou ao lado do cadáver, respirando descompassadamente e eu me apoiei na outra parede da viela estreita, puxando o ar para os pulmões.
— Nina, dá teu cadarço ai. — Mandou, olhando pros meus tênis.
— Tá doido? Vai estragar meu tênis. Não vou conseguir mais usar ele.
— Dá logo, porra. — Apressou. — Depois eu te compro outro.
Desgostosa, eu abaixei e puxei o fio branco de uma vez só, que foi soltando dos aros do tênis. Joguei o primeiro na mão dele, que juntou os tornozelos do homem e os amarrou juntos com o fio branco. Depois, fez o mesmo com o segundo cadarço, dessa vez atando as mãos. Enquanto ele terminava de amarrar o Peralta, resolveu me delegar uma outra tarefa.
— Ali pra dentro tem uma lixeira grande, tu viu? Vai lá vira uns sacos grandes daqueles de lixo na rua, trás dois, mas tem que ser daqueles grandes. Eu vi que tem quando passei. — Mandou, tirando uma faca da cintura e enfiando na barriga do homem.
— Que isso, Barbás?! — Me assustei com a brutalidade com que ele fincava a faca a puxava pra baixo, abrindo um corte enorme na barriga do corpo.
— É pra não inchar muito, bora, Nina. Vai pegar os sacos. — Mandou.
— Eu não quero mexer no lixo. — Estalei os dedos hesitante. Eu sabia que não devia recusar, mas porra... que nojo.
Ele estendeu a faca toda cheia de sangue na minha direção.
— Faz aqui o que eu tô fazendo. — Falou e eu me afastei na hora. A lembrança que me veio na hora foi o dia que eu tive que arrancar a cabeça do filho do Siqueira e o pânico quase fechou minha garganta, o enjôo cresceu latente. — Então vai lá pegar o negócio.
Concordei só pra sair de perto dele e do corpo. Alguns metros à diante tava a lixeira por onde passamos e ele viu os sacos gigantes de lixo amontoados. Peguei o primeiro e joguei no chão, abrindo o nó dele, enquanto prendia a respiração pra não sentir o cheiro horroroso de bueiro. Abri o primeiro e depois, segurei ele pela parte debaixo com as pontas dos dedos, entornando todo o conteúdo no canto da rua. Procurei nem ver o que tinha ali dentro, por que né?! Já tava foda pro meu estômago manter as coisas nele. Totalmente nojento.
Repeti o movimento com mais um e juntei os dois, voltando pra perto do Barbás, que parecia estar sangrando um corpo. O detalhe é que ele já nem mais sangrava tanto, de tanto que tinha deixado pelo caminho. Ele pegou o primeiro saco e passou pelas pernas, depois mais um pela cabeça e fechou o corpo lá dentro. Ai, ele me mandou roubar o varal de alguém com a faca dele e foi exatamente o que eu fui fazer. Procurei nas redondezas um que não tivesse roupas penduradas e o cortei, entregando o fio grosso pro William, que amarrou os dois sacos juntos na cintura do falecido, com a firmeza e a precisão de quem já tinha feito aquilo milhares de vezes. Eu não gostava nem de pensar.
— Me dá cobertura. — Mandou, entregando a pistola dele na minha mão, enquanto o mesmo se abaixava e pegava o "saco preto gigantes" nas costas, reclamando de dor ao erguer a coisa.

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...