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E eu fui lá mesmo, tirei o carro e fui pegar ela na casa dela. A Nina veio o caminho todo vasculhando a bolsa pra escolher o remédio, depois ela inventou de amassar uma banana e misturar com as gotas que ela pingou ali. Ele comeu de boa, reclamando que tinha alguma coisa amargando, mas comeu. Depois ela deu banho nele e botou o moleque na cama. Enquanto ela ficava lá fazendo ele dormir, eu tava sentando num canto pensando em silêncio.

— Vai chover de novo. — Falou, olhando pra fora da janela do quarto. — Verão é assim né?

— É.

— Que foi? — Ela olhou pra minha cara.

— Nada, fia. Fica de boa ai. — Desconversei, tentando fazer ela me deixar quieto.

— Tu tá coisado com o negócio do Caburé lá? — Perguntou depois de um tempo.

— Tu não tá? — Rebati. — Tu ouviu o que ele falou lá.

— É... sei lá, eu não sei o que pensar, o que fazer. Eu sempre lembro das épocas que o pau comia aqui na favela quando eu era menor... — Falou, terminando de cobrir o menino e levantando. Ele tava completamente apagado. — É meio bizarro pra mim pensar que agora, se rolar igual a antigamente, eu vou estar dentro da parada e metendo a cara.

Nós dois saímos do quarto e paramos um de frente pro outro no corredor.

— Tu acha que vão derrubar o Caburé? — Perguntou, com os braços cruzados.

— Acho. — Era a primeira vez que eu falava o que eu achava pra alguém. Eu sabia que não podia meter aquela letra pra qualquer um, ou eu ia rodar. O CR com a cabeça a prêmio era um bicho que ia arregaçar qualquer um no caminho dele. O cara tava acuado. — Não sei se o Caburé tem peito pra segurar essa onda. Se os caras querem matar o Caburé e tomar a favela, eles não vão parar, tá ligado?

— E tu acha que vão conseguir chegar nele? Ele é dono do morro, Barbás.

— E ai? Ele tá exposto do mesmo jeito. — Abri a porta do quarto e entrei, ela tinha uma expressão triste no rosto. Tava preocupada e triste. Eu não sabia o porquê.

— Mas porque tu acha que vão matar ele?

— Eu só acho, irmão. Eu posso tá errado. Por que tu quer saber tanto? — Falei, ligando o ar condicionado e fechando a porta do quarto. Ela ficou parada perto da porta do banheiro, olhando pra mim.

— Sei lá. Eu não queria que nada ruim rolasse com o Caburé. — Falou.

— O cara é um filho da puta, irmão. Depois do que ele te botou pra fazer, tu ainda rende?

— É, ué. Ele já me ajudou pra caralho, se não fosse ele ai ser outro. — Ela deu de ombros e veio pro meu lado, sentando na cama do meu lado. — O Pedro mora com a sua ex?

— Não, ele mora com a mãe dela. — Ela continuou me olhando como se quisesse que eu continuasse contando da minha vida. É foda... — No Vidigal que é mais calmo que aqui.

— E qual o problema com a Rocinha? Eu cresci aqui, meus irmãos também, a gente tá vivo. — Perguntou, mexendo em todos os lençóis. A agitação dela me irritava de um jeito... eu mesmo tava começando a ficar agitado agora.

— O problema é que ele é meu filho e filho da Larica. Pra nego usar ele pra atingir gente é dois papos. — Falei, cruzando os braços. — É melhor ele ficar longe dessa porra.

— Já aconteceu? É por isso que tu não falou nada?

— Já, po. Eu não falo dele pra ninguém, te disse isso. — Disse num tom de quem queria encerrar o assunto. — Cabou, né? Quero mais falar disso não?

— Quer falar do que, então? Tu nunca me fala nada da sua vida. — Ela falou, cruzando os braços e fechando a cara. Eu tive que rir, irmão, ela era bonitinha até quando tentava me intimidar. Me admirava ela ainda tentar. Bati a mão no meu colo, chamando ela. Quando ela ficou de birra, eu peguei a mão dela e puxei.

— Tu já não sabe muito da minha vida não, Nina? O que mais tu quer saber, fia? — Perguntei, achando graça da curiosidade. Ela montou em mim e eu passei meu braço pela cintura dela.

— Eu só não quero ter outro susto desse, ué.

Eu dei de ombros, rindo dela. Ela não falou nada, mas deu um sorrisinho também e beijou a minha boca.

[...]

No dia seguinte eu acordei cedo, fui lá ver como tava indo o pessoal na minha boca e subi direto pro escritório da 1. Só subi no foda-se, já que nenhum dos seguranças do Caburé me parou. Bati na porta antes de realmente entrar na sala, não ouvi anda que me mandasse esperar, mas uma mulher gritava lá dentro e eu parei, não querendo entrar e atrapalhar o que tava rolando. De fora, eu fiquei escutando o surto que acontecia lá dentro.

— Eu já te falei isso mil vezes, Salvador. Ela não pode se envolver nisso, você sabe o porquê tão bem quanto eu. Eu já te pedi, já te implorei pra tu não deixar, mas tu finge que não me ouve.

— Quem escolheu isso foi tua filha, Cláudia. Eu não botei uma arma na cabeça dela e mandei ela entrar pra boca. — Ele respondeu, a irritação marcando na voz.

— Mas tu pode impedir, caralho. É tu que manda e desmanda nessa favela, pelo amor de Deus.

— Tu que é mãe dela, porra. Se resolve tu com tua filha, eu não quero saber. — Falou e eu ouvi uma batida na mesa. — Não me perturba, caralho. Eu não quero saber. Não foi eu quem meteu pra nascer ela não, Cláudia. Foi tu e aquele merda do pai dela, é problema de vocês e dela. E sai da minha frente antes que eu te dê um tiro, bora. E ô, já sabe que o esquema continua, né? Se eu ficar sabendo que tu...

— Eu não vou fazer nada, porra.

Cláudia... irmão, aquele nome não me era estranho. Abri a porta da sala nessa hora, tava interrompendo, sabia, mas foda-se. Os dois tavam perdendo a linha ali já, era bom ter alguém pra separar antes que desse merda.

— É pra eu voltar depois? — Perguntei, me fazendo de sonso.

— Barbás, chegou na hora boa, olha ai. — Ele riu, sentando de novo na cadeira e apontando pra mulher mais velha e com a cara molhada de lágrimas. Ela me olhou com os olhos vermelhos e eu fiz o mesmo com ela, antes de olhar pro Caburé. — Tua sogrinha ai, parceiro. — Ele riu pra caralho e eu fiquei com uma porra de um ponto de interrogação no rosto. Calma ai, parceiro, que? Ele tavam falando na Nina?

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora