Eu não quis nem perguntar porque, eu já imaginava... A desconfiança do Barbás pra cima de mim me voltou à cabeça e eu encostei minhas costas no banco ligando um monte de pontos na minha cabeça. Alguém tinha ligado pra ele, o Túlio eu achava, e dito alguma coisa que o fez virar em mim. Pras nossas duas equipes terem sido abordadas pela polícia não tinha sido azar ao acaso, foi armado. Era a função do Parma proteger a gente daquilo, por que eu então? Meu pai...
— Foi o Parma? — Quis saber, olhando ela de canto.
— Foi. — Confirmou a cabeça. — Ele que mandou a polícia até vocês. — Pra ficar com a favela só pra ele, imaginava... Filho da puta traira do caralho.
— E o Mandarim tava junto. — Deduzi e ela concordou com a cabeça de novo.
— Só ele pode te explicar direito, como ele explicou pra mim e pro Russo. Não fica puta antes de ouvir o seu pai, por favor. Ele tá ajudando mais a gente na encolha... Sua família e o Wallace tão escondidos lá no PPG por ora. Eu tô por lá também. — Contou. — A Rocinha não é mais um lugar seguro pra gente, tu sabe... — Ela suspirou. — O Parma não quer a gente lá.
— Entendi. — Sussurrei, encostando a cabeça no estofado e suspirei. — O Barbás duvidou de mim. Os outros tão duvidando de mim também?
— Tão. — Confirmou mais uma vez. — Você entendeu, então...
— Tô entendendo bem. A reação do Will me fez entender muita coisa. Meu pai e o Parma foderam o Barbás e o Russo, eu contribui pra isso. — Falei com desgosto, sentindo um amargor na boca. Não haviam mais lágrimas em mim, eu nem conseguia mais chorar. Eu só sentia tristeza, coberta por muitas camadas de raiva. O homem era mal, o mundo cruel. A paz, um momento valioso e impagável, que eu tinha vivido por um tempo curto demais na minha opinião. 2 meses eu passei vivendo no paraíso, agora eu tava caindo do céu de novo para a terra, onde a perversão e a maldade pareciam ser a única maneira de sobreviver. O caos era inevitável, o inferno era aqui... não entre os demônios num lago de fogo, mas entre os homens em suas edificações.
A vida era assim... Eu já tinha entendido isso. Uma selva cheia de predador, o homem era o lobo do homem. Senti minha alma se endurecer, ali, naquele momento. Olhando pra trás, eu conseguia ver o quanto eu tinha mudado com o passar dos anos. Tudo o que eu passei, me feriu de alguma forma e lentamente foi me criando uma casca, aquela que seria a minha armadura.
Ali, eu entendi. O Misael não era o problema. O Caburé não era o problema. O Parma não era o problema. Todos eles eram exatamente iguais, não adiantava trocar um pelo outro, nada mudaria no final. O poder fazia a cabeça do homem, era a droga mais forte que alguém podia desejar. O dinheiro, o prestígio, aquilo tudo era o karma do homem, o que fazia eles se desfazerem da sua humanidade. Era a exaltação de tudo o que tinha de pior dentro de uma pessoa, o vício e a corrupção de um monte gente boa. Por aquilo, se prostitua os valores e o caráter. Todos nós éramos vilões...
Engoli em seco, finalmente entendendo a causa das coisas que nos aconteciam. Não era ao acaso, nunca era. E eu não teria um espaço naquele mundo, se eu não fosse exatamente igual à gente que eu desprezava. Olhei pras minhas mãos e me perguntei até onde eu seria capaz de ir?
— Longe. — Sussurrei, fechando os punhos. Minhas lágrimas queimaram e viraram fogo, força.Fiquei em silêncio o resto da viagem e quando chegamos no Galo, desci na casa do meu pai e entrei direto. No sofá, tava sentado meu irmão, meu pai e o Rogier. Me esperando... Dalila fechou a porta. Eles só me olharam por um longo tempo... Russo parecia um pouco machucado, tinha uns arranhões pelo corpo. O pé tava machucado, o um dos olhos tinha suave arroxeado.
— O que que houve, Carlos? Por que acham que fui eu que fiz essa merda? — Meu tom saiu muito mais firme e sério do que eu achei que seria capaz.
— Porque você é minha filha. — Ele deu de ombros.
— E o que foi que você fez? — Enfatizei o 'você'.
— Nada, quem fez foi o Parma. Ele só me chamou na Rocinha pra garantir meu apoio pra ele, depois que ele fizesse a sujeira que ele queria. — Explicou. — Eu não tive como impedir, Nina. Eu te falei, eu não me meto em problemas internos e por causa disso ai mesmo. Eu sei como é que funciona...
— E você vai garantir o apoio dele? — Confrontei.
— Eu tenho escolha? — Perguntou.
— Escolha todo mundo sempre tem, mas o que vale aqui é dinheiro, né? — Esfreguei o polegar e o indicado fazendo o sinal da grana. — Então não, não acho que tu tem escolha.
— Eu faço o que eu posso, Nina. Eu não tive nada a ver com o que o Parma quis fazer, mas eu não tenho como meter a mão na cara dele e mandar não fazer. O que eu pude fazer foi ir lá buscar o teu irmão de criação pra tirar ele do alcance do Parma e da polícia. Vou abrigar a sua família aqui até as coisas se acalmarem, depois eu compro uma casa boa pra sua mãe e seus irmãos ali em Vargem Pequena. O Russo e a Dalila tão livres pra ficar em qualquer favela minha, pra se juntar aos meus homens se quiserem ou ficar o tempo que precisar. Eu vou amparar vocês. — Disse e eu concordei com a cabeça. — Mas eu não tenho como tirar o apoio da Rocinha agora, eu tenho que ter dinheiro pra esquentar as costas de vocês.
Suspirei. Ele fez um sinal pra eu me sentar e, mais um vez, me recusei. Não tava em clima pra confraternizar com ninguém. Eu não esperava nada de diferente dele, eu tinha que ficar feliz que ele já tava ajudando a minha família. Eles podiam muito bem estarem fodidos lá fora, à Deus dará. Já era um começo.
— E ai você vai confirmar tudo o que eles acham sobre mim agora. — Confirmei com a cabeça. — Tá de boa, eu sei que tu não pode controlar isso. — Interrompi ele antes que começasse a se defender. — Eu entendo. Eu já tenho que ficar feliz por você estar cuidando das pessoas que eu amo.
— Desculpa, Nina. — Ele disse.
Dei de ombros, me forçando a não deixar meus olhos derramarem uma lágrima sequer.
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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...