116

2.3K 161 0
                                    


[...]


[NINA]

Acordei no dia seguinte, me sentindo uma princesa. Era oficialmente a segunda noite que eu passava ali. Tá, eu sei que não devia ficar aqui mais que o necessário, que meus amigos e família deviam estar preocupados comigo, mas eu não tinha tido oportunidade de conversar propriamente com o Carlos sobre o que eu precisava. A gente passou o dia passeando e nos conhecendo e conhecendo a favela dele. Bom... ele queria saber mais sobre mim, sobre a parte da minha vida na qual ele não participou e eu... bicho, eu achava ele fascinante pra caralho. Eu admirava o fato dele ter saído do nada e ter construído um pequeno império nas suas mãos. A história dele era foda demais, me inspirou pra cacete na minha caminhada. Assim, eu me distraí do meu objetivo por um dia inteiro. No segundo, eu sabia que não podia me dar ao luxo de estender mais minha estadia ali, eu precisava ir direto ao ponto.

Mais uma vez, eu fui direto pra mesa, tomar o café da manhã com ele. Com as roupas de uma das prováveis namoradas dele, eu consegui me manter de boa. Como sempre, ele tinha mandado fazer uma mesa farta pra gente comer bem. Era uma manhã diferente das que eu tinha na Rocinha. Eu estava sentada tranquila, ouvindo o assobiar dos passarinhos e conversando banalidades, nenhuma arma a vista, nenhuma preocupação além do quanto eu aguentaria colocar dentro do estômago. Mais ou menos ali eu consegui começar a compreender o verdadeiro significado da paz e o quanto ela realmente valia.

— Eu... Tenho que voltar. A polícia pode desocupar a qualquer momento e a gente vai precisar de todo mundo que tiver pra ir lá ver como vai ficar. — Falei. — Não dá mais pra eu ficar sem dar notícias minhas pro meu pessoal também. — Expliquei. É foda, já que ali na casa dela, a gente não podia usar o celular, nem nas proximidades. Carlos deu toda uma explicação sobre triangulação de torres de sinal e como isso servia pra dar uma localização muito aproximada do lugar onde se fazia uma chamada. Foi assim que pegaram outros "peixes grandes" do tráfico, que vieram antes de nós.

— Tava esperando por isso já. — Ele confirmou, depois de dar um gole no suco. — Eu acabei atrasando em dois dias as coisas que eu tinha que fazer, o mundo real chama nós de volta. — Riu, bem humorado.

— Pois é... o tempo não para, né? — Sorri. — Obrigada por isso aqui. Te conhecer foi uma das melhores coisas que me aconteceu ultimamente.

— Me dá o seu número. Vou dar um jeito de te informar sempre sobre os meus novos números. Eu troco algumas vezes por ano. — Falou e eu me perguntei se aquilo não era só o exagero de um homem que já tinha visto o lado mal da vida e agora tinha medo da própria sombra. — Ver você adulta e bem trouxe alívio pra minha alma, Marina. — Ele suspirou. — E eu quero que tu continue assim. Vamo falar sobre a Rocinha.

— É por isso que você me procurou, né? — Perguntou com naturalidade e eu fiquei vermelha. Putz... Tá, essa era a verdade. Eu tinha ido ali pensando em resolver a situação da minha favela, porque eu tava literalmente desesperada. Ainda sim, também tinha o desejo primitivo de correr atrás das minhas origens. O desejo natural de todo homem, como dizia a minha mãe.

— Também. — Concordei com a cabeça, pegando uma das uvas e arrancando frutinha a frutinha do cacho de cabeça baixa, desviando o olhar dele. Era um negócio muito grande pra pedir pra ele... era demais.

— No que eu posso te ajudar? — Perguntou muito francamente. — Pode me olhar e falar, Nina. Não precisa ficar disso. No que eu puder te ajudar, eu vou.

— A gente partiu a Rocinha. — Contei resumidamente. — Porque o Misael tentou matar os gerentes que ele suspeitava pra botar outros no lugar. Nisso, ele quase matou uma criança, que tá lutando pela vida no hospital. Ele tá fazendo da nossa vida um inferno faz um tempo já... — Confessei, bufando. — E ele sempre me odiou, fez pouco de mim. De qualquer maneira, nenhuma dessas coisas é seu problema. Acontece que essa semana rolou um negócio que pode ser do teu interesse.

— Explica.

— Ele sequestrou minha mãe e meus irmãos. Eu só fiquei sabendo porque o mais velho me ligou desesperado. Eu tive que ir lá e pra isso, eu perdi uma parte importante da tropa nessa. Gente que desfalcou nossas linhas de frente, o que deixa a nossa situação muito desesperadora. — Dei de ombros. — Eu não podia deixar minha mãe lá, ia ser ruim pra mim, pra você, pra eles, se o M7 tiver eles sob seu poder. Ele não tem honra, não tem princípio nenhum. — Reclamei, pressionando os dedos uns nos outros só pela lembrança. — E se ele usasse isso pra conseguir o seu apoio? Seria uma chantagem também, né?

— Seria. — Ele concordou com a cabeça. — Não sei se ele teria coragem, mas a Cláudia seria uma garantia pra ele e que eu ia cumprir o combinado.

— Isso não te ofende em nada? O acordo não era a nossa proteção?

— Também era a proteção de vocês e ele quebrou isso com as intenções ruins dele. — Confirmou. — Mas isso é ponto de vista, Nina. Tudo nessa vida depende dos olhos de quem vê. Não é porque eu não tô bolado aqui na tua frente, que eu não esteja puto com o que ele fez. De qualquer jeito, isso é culpa minha também, eu que botei sua mãe nessa contra a vontade dela.

Não falei nada, só apoiei os cotovelos na mesa e passei as mãos no rosto. Eu não sabia se ele tava relativizando o que o M7 fez, ou se tava disposto a deixar ele pra se foder.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora