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Me sentei, colocando as pernas para o lado de fora da cama, sem realmente tocar o chão com os pés. De frente pra mim, tinha um espelho grande, onde eu consegui ver o caco que eu tava. Putz... Meus pulsos estavam muito marcados, os tornozelos também, mas não estavam feridos nem nada. Eu devia estar meio pálida e isso acabava deixando claro a existência de olheiras escuras embaixo dos meus olhos. Acho que posição que eu tinha ficado, tinha dando um mal jeito nos braços.

Não havia nenhuma dor muito latente, que eu não conseguisse suportar, era só meu corpo em processo de recuperação de uma boa surra. Bom... não tinha sido a primeira e eu desconfiava de que não ia ser a última também. Virei-me pra porta bem na hora que um homem entrava. Ele. Finalmente eu consegui o encarar tempo o suficiente pra conhecer os seus traços. Era dele que eu tinha puxado quase toda a aparência de índia. Ele tinha a pele bem mais morena que a minha, mas em geral, o rosto dele se parecia muito com o meu.

— Oi. — Sussurrei, sorrindo verdadeiramente.

— Oi, Nina. — Ele sorriu também e sentou do meu lado na cama. — Tá melhor já?

— Uhum. — Concordei com a cabeça. — Daqui a pouco eu tô 100% de novo. Por quanto tempo eu fiquei dormindo?

— Um dia só. Eu te trouxe ontem tinha acabado de anoitecer. Agora é 4 da tarde. — Explicou com paciência.

— E aqui é...?

— Minha casa. — Respondeu e eu concordei com a cabeça.

Sorri sozinha, passando a mão no rosto. Felicidade... Eu não sabia se eu podia abraçar ele, mas de qualquer jeito, eu fiquei olhando pro seu rosto fascinada. Algumas memórias antigas, muito, muito antigas mesmo, vieram em flashes na minha cabeça. Aquele rosto era exatamente a parte que faltava em todas as minhas lembranças.

— Quanto tempo faz?

— 16 anos. — Ele respondeu, adivinhando o que eu indaguei. — Que eu não te vejo.

— Lembro pouco. Tipo... meu aniversário, aquele dos bichinhos. A praça. — Disse, resgatando algumas coisas na mente. — Mas eu ouvi falar de você. Muito.

Ele concordou com a cabeça não esboçando nenhuma reação sobre aquilo.

— Sua mãe contou? Tudo?

— Tudo o que ela sabia, eu acho. Nunca dá pra saber quando é com a minha mãe, né? — Dei de ombros. — Nenhuma mulher guarda segredo que nem ela.

— Nenhuma. — Ele riu. — Você foi feliz? Até aqui?

— Feliz? — Perguntei, refletindo um pouco sobre a pergunta. — Fui. Eu sou feliz na maior parte do tempo. É que as coisa andam meio difíceis, sabe? A vida tem dessas.

— Difíceis? — Questionou, curioso com o que eu tinha acabado de dizer. — Você tá falando da Rocinha.

— É. Acho que não tem ninguém melhor que você tá entender isso, né? — Sorri de canto, sentando de lado pra me virar pra ele. — É meio brabo acordar todo dia ouvindo tiro e sabendo que tem que levantar pra ir lá segurar as pontas. Ver gente a gente gosta, morrer. Não saber se vai ver o dia amanhecer de novo... É um vida meio incerta, sabe?

— Sei... — Concordou com a cabeça. — Desde novinho eu tô nessa. Mas é aquilo, né? Eu escolhi viver isso aqui. Viver desse jeito. As vezes eu acho que eu só dei sorte e cheguei até aqui de pé, mesmo pagando todos os preços que eu paguei e ainda pago. — Ele ficou reflexivo por uns instantes. — Tu se arrepende? De ter entrado pro tráfico?

— Não, eu nasci pra isso, eu acho. — Ri, estalando os dedos.

— Tu parece comigo mesmo... — Me acompanhou na onda.

— Pareço. — Concordei com a cabeça.

— Sabe, Nina... Você e a sua mãe foram um pedaço de mim que eu tive que deixar pra trás, mas eu sempre levei vocês comigo em pensamento. Ela um pouco mais que isso, já que a gente se falava às vezes, eu sempre que dava ia atrás de notícia de vocês.

— Fiquei sabendo disso. — Suspirei. — Fiquei sabendo também que te arranjei problema quando entrei pro corre. — Dei um risinho de canto, dando de ombros também. — Desculpa ai por isso.

— Você sabe do Caburé, então.

— Sei, de todo o resto também, acho. — Abaixei o olhar. — Foi legal da sua parte ter ligado pra mim, sabe? É só uma pena que tenha escolhido o Misael. Ele é... um filho da puta morto a hora que eu colocar a mão nele.

Um brilho de orgulho atravessou os seus olhos e uma expressão discreta de felicidade transformou a sua expressão por um rápido segundo. Eu não estava esperando por aquilo.

— A gente vai falar sobre isso depois. — Ele falou em tom de promessa. — Agora tem uns negócios que eu mandei comprar pra gente lanchar lá. Bora? — Convidou, me estendendo a mão.

Eu aceitei, me apoiando nele pra me levantar. Num impulso, eu joguei meus braços pelo seu pescoço e o apertei forte. Ele devolveu o abraço na mesma intensidade, apesar de me pressionar com delicadeza. Talvez pelo que tinha acontecido na noite passada naquele buraco que os capangas deles tinham me levado.

— Obrigada... Pai.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora