[NINA]
[...]
Fiquei ali dentro daquele buraco do caralho por 2 dias. 2 DIAS! Eu achei que ia ficar maluca alguma hora por causa do tédio, mas eu ia fazer o quê? Ali era o lugar que eu tinha que ficar e pronto e acabou. Tudo por noia daquele filho da puta do Peralta, eu tava torcendo praquele merda tomar um tiro no meio do cu da PM. Filho de chocadeira do caralho, corno!Eu tava começando a ficar muito doida. Andava de um lado pro outro durante o dia, não podia subir pra laje porque tava trancado, porque a X9 aqui nem um ar puro tinha direito de respirar... Já tinha tido tempo de pensar e refletir sobre tudo ali dentro. Meu coração estava partido... e eu sabia que tinha errado com o Barbás. Com todos os outros também, mas mais com o Barbás. Eu cobrava tanto confiança e abertura dele antes, pra hoje eu negar essas mesmas coisas à ele. Poxa, mas eu amava aquele homem. Amava de verdade, como eu nunca tinha amado outro homem... A agonia de não poder falar com ele, de não conseguir pedir perdão, de não saber se ele resolveria me desculpar... tudo isso tava me matando por dentro.
Além dessa merda, eu não sabia como tava o mundo lá fora, de tão isolada que eu tava ali dentro. E eu sabia que eu tinha que ficar atenta ao meu telefone, porque era através dele que eu teria contato com o Carlos. Quando chegasse a hora, eu teria que dar uma resposta pra ele e se eu não desse, a gente ia estar na mão do palhaço. E ai que tava, eu não tinha o direito nem de chegar perto do meu telefone ali. Totalmente isolada!
Minha única comunicação tava sendo a Dalila, que vinha me trazer roupas, coisas de higiene, roupa de cama, comida e água. Na entrada da casa, vigiando da laje da casa da frente, um moleque que sempre vinha regular nossas conversas pela janela e fiscalizar as coisas que ela me trazia. Eu tava me sentido uma prisioneira... Naquele dia, porém, eu tinha acordado com uma estratégia diferente.
Quando a Lila chegou pra me trazer o almoço, na primeira das duas visitas que ela vinha fazer, o menino desceu e veio abrir a porta pra eu pegar a comida. Eu sai, peguei as coisas, coloquei lá dentro e voltei correndo pra simular um abraço na minha irmã. Ela ficou meio sem entender, mas me conhecia bem o suficiente pra saber que tinha que dançar conforme a música que eu tava tocando. Na subida de volta pra casa, fingi que tropecei em um dos degrauzinhos e fiz uma cena. Fiquei em posição fetal no chão e abracei o calcanhar, gritando a rodo.
— Ai, ai, tá doendo muito. Porra, puta que pariu, caralho. — Xinguei, querendo deixar mais real. Eu era uma atriz legítima, foda-se, cadê meus prêmios? — Ai, ai. Pega gelo pra mim! — Pedi pro menino, que ficou meio indeciso se ia mesmo. — Pelo amor de Deus, AI! Pega gelo pra mim, por favor, por favor! — Insisti, pressionando ele. Óbvio que ele correu pra dentro da casa pra arrumar o que eu tinha pedido e foi nessa hora, que eu sentei e puxei a Dalila pra perto. — Lila, escuta! Dá um jeito de trazer meu celular e meu carregador escondido quando tu vier trazer minha janta. Põe dentro da quentinha, tira a comida, ou sei lá... fala que vai trocar a roupa de cama de novo, ou trazer mais roupa e põe bem enrolado no meio. Eles meio que mexem nas coisas, então tem que ser bem escondido. Dá um jeito, por favor. É questão de vida ou morte... — Vi o menino despontar na porta de novo e voltei a rolar no chão. — Ai, porra. Torci meu pé, acho que torci. — E peguei os cubinhos de gelo enrolados num pano de prato, colocando na parte de cima do pé, enquanto fingia reclamações e mancava fingidamente, ficando de pé. — Obrigada, viu, menino? Me cobra um sorvete depois.
Lila saiu, quando ele veio e me ajudou a entrar, fechando a porta nas minhas costas. Agora era só orar pra minha irmã conseguir fazer o que eu tinha pedido pra ela. E era só isso o que me restava pra fazer ali, né? Conversar com Deus e pedir a ajuda dele. Ê vida sofrida da moléstia.[...]
O dia passou devagar que nem uma mula. Eu quase não comi de tanto que tava ansiosa e dev ter tomado uns 10 banhos entre a tarde e a noite. Porra, tava muito quente, meu parceiro. Pior é que o tempo parecia estar fechando, então, devia ser só mais um daqueles calorões do verão que antecediam um temporal daqueles. O verão no Rio era assim, maçarico na cara durante o dia e uma chuva de alagar a porra toda a noite. Claro que isso rolava só algumas vezes durante o período, geralmente era só o forno assando a gente que nem frango, mas quando chovia... ah, chovia pra dar merda. A rua de frente pra minha casa virava um rio de verdade, com correnteza e tudo. Era bizarro... quando criança eu amava me jogar naquela água podre e ir deslizando. Quando cresci um pouquinho, eu entendi que minha vida valia mais do que uma escorregada naquelas águas cheias de doença do rato.
O fato é que, quando a noite caiu, a ventania começou e acabou faltando a luz. Só podia ser uma conspiração para o bem... todo o tempo que eu tinha passado rezando por falta do que fazer, devia ter atraído a atenção dele pra mim, não era possível. Assim, quando a Lila veio trazer minha janta, junto com mais roupas, tava um breu danado na viela e assim, o moleque nem quis insistir muito em revirar tudo. Só passou a lanterna de celular por cima e voltou a me trancar dentro da casa, voltando a entrar pra dentro da residência dele em seguida. Claro, antes eu exigi que ele me desse umas velas pra eu acender ali e conseguir enxergar algo além do preto. A mãe dele me cedeu umas 6, uma caixa de fósforo e pra mim era mais que o suficiente. Posicionei metade delas em pontos estratégicos e o resto eu guardei pra reposição.
Quando já estava sozinha ali de novo, eu avancei de uma vez só em cima das coisas que a Lila tinha trago. Revirei todas as roupas e não achei nada. Examinei a garrafa e nada também. Abri a quentinha e... nada de comida, só os cabos do meu carregador e meu celular lindo e cheiroso lá dentro. Vitória! Bingo! Eureca, porra! Vibrei na hora e nem senti falta do alimento. Fui direto ligando meu aparelho. Vi que ela tinha feito a gentileza de carregar ele pra mim antes de me mandar e eu fiz uma anotação mental de que deveria mimar muito a Lila nessa vida ainda.
Fui direto no Whatsapp ver o que tinham me mandado. Nada que fosse realmente do meu interesse, ou que eu devesse dar prioridade naquele momento. Ai eu fui no meu SMS e lá tava uma mensagem do Carlos de anteontem "Nina, até o final de semana vão desocupar a Rocinha. Fiquei sabendo isso do Batalhão da Glória, então abre teu olho ai. Tá chegando a hora."
Eu senti meu coração palpitar logo quando li. Hoje era sexta, o que indicava que logo amanhã, talvez depois, seria a data final do nosso prazo com ele. Porra, eu tava ficando sem tempo, sem tempo nenhum... Estar trancada ali enquanto isso me deixava com tendências violentas contra objetos inanimados. Eu queria quebrar todos os móveis de madeira daquela "casa" no chute só pela raiva. Ao invés disso, eu respondi a mensagem do Carlos: "De boa. Eu tava sem celular, mas já tô aqui de novo. Fico esperando mais informações." Respondi pra tranquilizar ele e dar a falsa sensação de que estava tudo ok.

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Amor na Guerra
Storie d'amoreㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...