— Ontem... Na verdade na madrugada de hoje. — Dei de ombros e o resto do pessoal ficou de cara. — Tem coisas que a gente não sabe se vai ter a oportunidade de fazer depois, então... Por que deixar pra amanhã, né?
E veio o silêncio. Aquilo todo mundo conseguia compreender... Nesse meio, a gente sabia que pro amanhã não chegar pra gente era um estalo. Uma desatenção, uma maldade, uma vez que tu dava as costas ou cara pra baterem, podiam lhe roubar o futuro pra sempre. Todos nós estávamos expostos à isso, sempre.
— Parabéns pelo casamento, então. — E ele sorriu, dando um abraço de lado no Barbás e um beijo na minha testa. — Depois a gente conversa isso com mais calma.
— Vamos parar pra comer, enquanto se prepara? — Perguntei pra ele. — É bom que a gente se fala um pouquinho antes de ir.
— Tem que ser rápido, mas vamos. Tem alguma coisa aberta ainda? — Carlos perguntou.
— Tem, mas os caras vão passar mandando fechar. Vamo agora que vai dar tempo ainda. — Barbás disse, tomando a dianteira. Ali na entrada tinha um milhão de padarias, então, não foi difícil encontrar uma que tivesse servindo o café da manhã. Nos sentamos em uma mesa todos os 5, enquantos os seguranças de todo mundo ficaram lá fora esperado.
Foi uma conversa agradável, até. O pessoal tinha comido bem pouco, então, a gente acabou arregaçando no cafézinho com pão da tia. Enquanto comíamos, o pessoal falou sobre o dia, sobre o sol, amenidades banais. Quase esquecemos do que vinha pela frente... A paz não durou muito, porém. Logo, um rádio pro Russo alertou a gente que o pessoal nas fronteiras começaram a ficar agitados, dando tiro pro alto e causando. Uma demonstração clara de provocação, de enfrentamento.
— Ele sabe que eu tô aqui. — Carlos falou. — O Misael. Eu avisei que eu vinha conversar, ele achou que eu entraria pela parte de cima. Agora, pela hora, ele já deve estar sabendo que eu tô aqui em baixo e entendendo tudo.
— Certeza. — Barbás confirmou. — A gente tem que subir logo agora que ele tá sentindo o impacto ainda. — Disse, pegando o rádio do bolso e o religando.
— A briga vai ser feia. — Disse o mais velho, batendo os dedos na mesa de plástico.
— Você não parece muito abalado com isso. — Comentei, observando a expressão serena dele.
— Tô nessa há muito tempo já. E... vamo dizer que tudo o que eu conquistei não foi na base da conversa. — Se justificou.
— Nunca é. — Barbás respondeu, concordando com a cabeça. — Se fosse a gente não tava aqui.
— Pois é. — O Wallace concordou, se levantando primeiro e indo trocar uma ideia com os seguranças deles. Ele estava os mandando pra nossa casa, pra proteger as pessoas que estavam lá e escoltar elas quando chegasse a hora. Parma, Barbás e meu pai se levantaram em seguida, indo pagar a conta e recomendando a tia que fechasse o estabelecimento dela.
Então era isso. Estava começando. Quando colocamos o pé pra fora, vimos os meninos vindo falar com os comerciantes. Em instantes, conseguimos ouvir os sucessivos barulhos das portas de ferro sendo baixadas. Nos concentramos ali, na frente da área da UPA. É bizarro que era muito homem, MUITO homem. Homem pra caralho e olha que uma boa parte tava nas fronteiras, segurando as nossas posições. Eu nem sabia que tinha tudo isso de gente com a gente... Porra... Saber que tinha uma caralhada de gente, era diferente ver tudo aquilo.
Carlos, Barbás e o Parma iam definindo por quais ruas os caras iam se dividir. Sabia que o William tinha passado a madrugada inteira pensando nisso ontem, ele sabia bem o que fazer. Enquanto isso, eu e o Russo íamos separando o pessoal. Notei que os homens do Peralta não estavam ali... O Parma devia ter isolado bem eles, pra não ter um presente.
De qualquer maneira, como já tava tudo esquematizado anteriormente, em menos de meia hora já tudo tudo pronto. Eu ia ir no grupo com o povo da Barcelos com o Tulio e o Barbás, na rua paralela à nossa, ia o Russo e o pessoal dele, depois o Parma, e meu pai, etc, etc. Todo mundo tava dividido em grupos médios, que iam se espalhar pela favela toda e se juntar aos que já estavam nas posições. Dali, era só avançar e avançar. A ideia era geral ir conquistando junto, pra não dar merda pra ninguém, então, caso um grupo tivesse muito problema pra conseguir, ele acionava os do lado e esses iam ajudar. Era um plano bem sólido e sem muitas brechas pra cair em erro. Tinha tudo pra dar certo.
Paralelamente à isso, quando a gente conquistasse a Rua 2 e a Roupa Suja 100%, abrindo espaço pra Rua da Alegria, os seguranças que estavam lá na Cachopa na nossa casa, iam trazer eles por dentro e sair por lá. Aparentemente era um caminho bem tranquilo e era um excelente plano pra tirar o pessoal dali. Como teríamos já aberto o caminho, o risco de acontecer algum problema era mínimo.
— E ai, Tulião? — Abraçei ele de canto. — Tá pronto?
— Tô sempre, né Ninão? — Ele sorriu, passando a mão na minha cabeça. — E tu?
— Tamos ai pra tudo. — Devolvi o sorriso, dando um tapinha nas costas dele.
— Fiquei sabendo que casou, quem diria, hein?! — TK riu.
— É, po. Já falei pra ele que quando a gente for casar na igreja mermo, ele vai ser o padrinho. — Barbás comentou, testando as suas armas. Ele trocou o .38 por uma pistola melhor e pegou outra bandoleira pro fuzil dele. Eu, por outro lado, troquei o modelo que eu peguei por um que parecia mais com o que eu usava no dia-a-dia. O recuo era mais leve, eu acho... — Só porque ele viu como começou.
Todos os nossos outros homens estavam fazendo a mesma coisa que nós, preparando as suas armas e equipamentos, enquanto esperavam a ordem pra subir. Essa veio poucos minutos depois, como um bip no rádio do Barbás.
— Tá na hora. — Decretou, fazendo o falatório cessar. — Bora.

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Amor na Guerra
Romanceㅤㅤ ㅤ"Geral quer ser rei, conspiram pro tempo que não espera. Impérios caem com novos reis, os tempos passam a ser de guerra." MC Marechal ㅤㅤ ㅤO sonho do moleque é ser chefe, o do vapor, do gerente e do segurança também é. O sonho do chefe é sobreviv...