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Eu e ele nos olhamos, compartilhando um sentimento de ansiedade pelo que viria. As horas seguintes foram infernais. A gente ficou com fome, mas não tinha absolutamente nada pra comer e nem possibilidade de sair pra comprar. Matamos umas horas vendo novela, depois o jornal da madrugada, ficamos andando de um lado pro outro e conversando bobeira, tentando desviar o foco da nossa mente até o momento da próxima ligação do Russo, pra atualizar a gente da nossa situação. Os tiros lá fora, entretanto, que se agravaram na entrada da madrugada, sempre nos lembravam do que tava acontecendo.

Um tempão depois, na primeira hora da madrugada, meu irmão voltou a ligar pra gente, trazendo notícias boas e ruins. A boa é que ele tava certo, o Parma realmente já estava pendendo pro nosso lado, terminou se juntando a nós mesmo depois de saber que o Peralta tava morto. Wallace garantiu pra ele que era certo o lance do Mandarim e ele pareceu querer apostar as fichas dele no nosso rolo. Ponto pra gente. Ai vinha as ruins... Primeiro, os seguranças do Peralta tavam perdendo a linha e terminaram agitando todo os homens dele. Tava rolando um verdadeiro causo lá, quase um motim dentro do motim. Eles iam ter que dar um jeito de controlar esse pessoal até o dia amanhecer, depois, se eles não quisessem colaborar... bom... O problema é que dali pra frente, o corpo do Peralta já tava pra ser encontrado a qualquer momento. Quando achassem... Porra, ai tava feita a merda.

O pior, porém, nem era isso. Isso era o leão que o Russo e o Parma teriam que matar. Eu e o Barbás também tínhamos o nosso próprio problema pra resolver. Nós tínhamos retrocedido até o meio da Dioneia, o Russo ia sair pra ir ajudar lá, mas ele achava que não ia conseguir manter a região sem a ajuda dos homens do Peralta. Até o final do dia, podia nos restar só a Cachopa. O problema disso era que a distância que a gente teria que percorrer em território inimigo era ABSURDA e nossa probabilidade de sair vivo e ileso daqui diminuía toda vez que a tropa do M7 avançava pela Rocinha, explorando a fragilidade nas nossas linhas causadas pela desavença interna que eu causei.

Enquanto o Russo não ligava pra atualizar, eu e ele resolvemos nos precaver. Apagamos todas as luzes da sala e fechamos as janelas, desligando a TV no processo. Fomos por quarto de casal, deixando só a lanterna de um celular acesa e uma gretinha de nada aberta na janela. Barbás achou papel e caneta e começou a rabiscar um monte de caminhos que pudessem nos tirar dali da maneira mais discreta possível. Por dentro, a agonia de estar no fio da espada tava me consumindo. Os tiros simplesmente não paravam do lado de fora, se tornando a sinfonia macabra que embalava uma das piores noites da minha vida.

— Will. — Chamei, me enrolando toda no lençol amarelado. — Vai ser foda sair daqui, não vai? — Sussurrei. Ele parou e me olhou por um momento.

— Vai. — Ele piscou, jogando a caneta no chão e se apoiando na parede ao lado do ponto da cama onde eu tava. — Pra falar a verdade, eu nem sei como vou tirar a gente daqui agora. Perdemo' a Dioneia, cara. Era por lá que a gente ia sair.

— E se a gente conseguir sair vivo daqui? Como vai ser depois? — Perguntei. — Você já teve num negócio desses?

— Já. — Ele concordou. — Já ajudei a tomar muita favela, mas eu nunca participei de um negócio tão grande quanto vai ser amanhã. — Ele deu de ombros. — Apesar de eu achar que a gente tem tudo pra ganhar, não dá pra garantir, nem com o Mandarim mandando um monte de homem pra ajudar. Quando a gente vai pra um enfrentamento tipo esse, todo mundo vai pronto pra morrer se for preciso. — Ele murmurou, melancólico. — Você tá pronta pra morrer, Nina?

— Não. — Confessei, escorregando do cama para o chão ao lado dele. — Não tô pronta ainda.

— É bom ficar. — Ele confirmou com a cabeça, escorregando a mão pela minha perna pra entrelaçar os dedos deles nos meus. — Amanhã vai ser um dia muito difícil. Mesmo que a gente saia daqui, não vai ser fácil tomar a favela, ainda que a gente vá ter a vantagem numérica. — E suavemente apertou minha mão contra a dele. — Eles têm uma posição muito melhor que a nossa.

— Mas a gente vai ter vantagem em número e em arma, Barbás. — Aproximei meu corpo do dele. — E a gente tem você, que é o grande fazedor de estratégias. Eu sei que tu vai ter uma ideia foda e guiar a gente pra uma boa. — Sorri ele sem mostrar os dentes. — Eu acredito em você. Por isso eu não tô pronta pra morrer...

Ele ergueu uma mão e fez um carinho suave no meu rosto, com a mão livre, eu acariciei o braço dele.

— Mesmo assim, muita gente vai morrer. Gente deles, gente inocente, gente nossa. Gente que a gente ama. Você tem que preparar o seu coração, Nina. Muita gente vai cair... É a ação final. A gente vai matar todos eles, ou nós vamos morrer. Só de uma coisa eu tenho certeza, de qualquer maneira, a gente não vai sair ileso disso.

— Tudo vai ficar bem, nada de mal vai acontecer, a gente vai sair dessa. Eu não vou ficar me martirizando pelo que não vai acontecer. — Neguei com a cabeça. Eu não gostava de falar disso, eu sentia o meu coração se fragmentando em um milhão de pedaços dentro do meu peito. Não, porra, eu queria manter as minhas esperanças muito intactas. Tudo ia passar, tudo ia ficar bem.

— Nina, acorda. — Ele disse com um tom suave, sem nada de rispidez na voz. — Eu posso morrer amanhã.

— Não, não, não. — Repeti, negando com a cabeça com firmeza. — Eu já disse que não vou aceitar isso. Vai ficar tudo bem, porra. A gente vai ficar bem.

— Você não tem que aceitar, a vida é assim. A nossa vida é assim. — Ele deu de ombros, segurando as minhas mãos, enquanto eu tentava me afastar. As lágrimas começaram a rolar no meu rosto sem que eu pudesse controlar.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora