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— Eita porra. — Falei, me mexendo pra terminar de pegar a mercadoria toda, enquanto a Shirley abaixava as "janelas" venda e trancava a portinhola por onde a gente entrava. Entramos pra dentro da casa e ela fechou a porta da frente, o que nunca acontecia.

— Ô, se liga, a gente vai esconder os tijolos e os papelotes, depois a gente vai pra casa. Vamos com calma, mas com cuidado, beleza? — A Xica explicou, pegando uns 3 tijolos de uma vez. Fiz o mesmo que ela e a segui pela parte de trás da casa. Tinha uma porta ali que dava pra um beco apertado da favela. Na 5° casa, com o muro amarelo, era a casa de uma "colaborada". Uma tia que recebia uma grana pra esconder a droga sempre que precisava, segundo a Shirley. A gente pegava tudo que tava na casa da boca e trazia pra dentro da casa dessa senhora, fizemos tudo meio correndo e a gente acabou rápido até. Sob as nossas cabeças, uns fogos explodiam. Na favela, aquilo era um aviso muito claro de que estava dando alguma merda. Era um sinal sonoro pra todo mundo se ligar. Shirley tava com o rádio dela na mão, falando com alguém, enquanto a gente voltava pra dentro do nosso "local de trabalho".

— Caralho, dá pra me dizer o que tá rolando? É polícia? — Perguntei já nervosa pra Xica, que desligou o próprio celular.

— Não sei, Nina. Ninguém falou nada pra mim. — Respondeu meio seca, tava na cara que ela tava apreensiva também. — Pode só ser alarme falso. Quando tem arrego, o pessoal fica tiltado assim mesmo. Qualquer coisinha, eles mandam fechar e guardar tudo. Quase nunca dá merda mesmo, relaxa. — Explicou, mandando eu ficar tranquilo.

— Mano, e meus irmãos?

— Relaxa, já tá fechando tudo ai fora. O teu padrasto é endoleiro, ele sabe como funciona as coisas. Ninguém vem hoje, Nina. — Ela passou a mão no meu braço. — Vai pra casa, vai ficar tudo bem.

— Tu não vem comigo?

— Eu não tô conseguindo falar com o Barbás, nem com o comando da Rua 1. Vou ir aqui por dentro e passar lá no escritório pra avisar o que tá rolando aqui. — Falou, me entregando uma das chaves que tava com ela. — Vou pela saída de trás, passa a chave na porta da frente quando sair. Ah, e vai pela principal. Se for polícia mesmo, tu se mistura entre os moradores lá e ninguém vai desconfiar de você.

Ela veio e me deu um beijo na bochecha, saindo pela porta de trás. Eu sai pela da frente, trancando assim como tinham me dito pra fazer. A rua estava estranhamente vazia, nenhum dos seguranças estava a vista e tava tudo num silêncio da porra... isso até o primeiro som de tiro rasgar o ar ao meu lado. Ai tudo começou.

Na hora eu me abaixei, por puro instinto de sobrevivência do carioca. Sabe como é, aqui a gente ouve tiro e na hora deita no chão. E a rua que estava vazia, começou a brotar gente dos becos. Os meninos que geralmente ficavam ali foram os primeiros a dar o sinal de vida, atirando contra um alvo no final da rua. Eu engatinhei até o muro e fiquei escondida ali atrás, ouvindo os tiros e sentindo a vibração no chão e nas paredes. Os disparos de fuzil eram tão próximos de mim, que o barulho chegava a machucar os ouvidos de tão alto. O coração disparado no peito e a adrenalina correndo nas minhas veias me fazia tremer da cabeça aos pés. Eu ainda tava na porta da boca, escondida no muro dela, com a chave da porra do lugar e desarmada. Se os soldados não conseguissem controlar a situação, eu tava fodida até o último fio de cabelo.

No meio dos meus pensamentos, um dos meninos a quem eu alimentava todos os dias caiu machucado do meu lado. Ele estava com um tiro de raspão no ombro e outro no estômago.

— Meu Deus. — Peguei ele pela camisa e puxei para o meu esconderijo, enquanto ele se arrastava pra chegar até mim.

— Tia. — Ele falou, levando uma das mãos até o buraco de bala da barriga. Era mesmo um dos meninos do TK, um dos que estava comendo meu misto até agora pouco.

— Relaxa. Ou, fica tranquilo, vai ficar tudo bem. — Falei pra ele, colocando-o de barriga pra cima e pressionando o ferimento dele com as duas mãos, sobre as mãos dele.

— Tia, vai embora. Vai rápido.

— Eu não posso ir agora. Se eu sair daqui, eles vão me ver e você vai ficar aqui sangrando. — Disse, sentindo algumas lágrimas brotando no meu rosto. Eu limpei a umidade dos meus olhos com as costas das mãos cheias de sangue, mal notando o rasto vermelho que tinha ficado nas minhas bochechas. Voltei a pressionar o ferimento, tentando fazer o sangramento parar... mas não parava.

— Se você ficar aqui, eles vão matar você, tia. — Falou simplesmente, desviando o olhar de mim para o céu.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora