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— Chamam ela de Dinha. A dona Andreia chama ela assim. De Dinha. — Falei, sentindo um gosto ferroso na boca. — Eu tava falando com ela essa semana, mas ela não sabia onde ele tava. Não conseguia falar com ele, o telefone não toca, não acha. Procura, não acha. Some. — Eu não tava falando coisa com coisa. Não era bem proposital, mas me serviu pra alguma coisa, porque tinha deixando, ao menos alguns deles, curiosos. Minha mente tava começando a entrar em parafuso, mas eu precisava me manter acordada à qualquer custo. Continuar falando... continuar.

— Ela me disse que ia ser aqui. Nesse lugar aqui. Hoje. Agora. — Continuei falando todas as coisas que queria de maneira completamente desconexa. — Dinha não quis vim, não podia vim. Não era pra vim, quem tinha que vim sou eu. A Dreia disse que eu podia, que dava.

— Maluca do caralho. — Pirraça perdeu a paciência comigo e levantou o pedaço de madeira de novo. Eu fechei os olhos, já me preparando pro golpe. Eu tinha que resistir à mais aquele, só mais aquele... Resistir.

— A gente tinha que achar o Carlos. Ele tá aqui. Eu sei que o Carlos tá aqui, aqui em algum lugar. Tá aqui, eu sei que ela. Ela disse que tava. Dinha tem medo, eu não tenho medo. Não tenho... — Não parei de falar, ia continua até a hora que eu não tivesse mais ar pra me fazer ser ouvida. E esperei...

Esperei a dor que nunca veio.

— Calma ai, Pirraça. Segura um pouco ai. — Ouvi um dizer. Quando eu abri os olhos, ele tava segurando a outra ponta da madeira. — O que que tu tá falando ai, mina? Tu faz a menor ideia do que tá falando?

Fiz o meu melhor pra erguer os meus olhos pro homem que veio pro meu lado. Antes, ele estava encostado na outra extremidade da casa, quieto. Ele era o único que tava calado diante dos deboches e risadas dos outros homens, estava me observando, sabia.

— Minha mãe. — Disse, engolindo mais saliva com gosto de sangue. Ofegante, eu levantei o rosto pra tentar respirar melhor.

— Tua mãe, hã? E ai? Tu falou que tua mãe é a Claudinha.

— Minha mãe. — Repeti. — Minha mãe tava procurando ele.

— Procurando quem? — Insistiu naquela tecla.

— Deixa eu terminar essa maluca ai logo, ô Rogier. — Pirraça falou, se intrometendo entre a gente. Ele acabou sendo empurrado pra longe pelo homem, que veio pra minha frente e se ajoelhu.

— Procurando quem, menina? Quem que cês tão procurando?

— O Carlos. — Disse mais uma vez. — Com a ajuda da Andreia. — Falei, buscando fundo na minha mente mais uma informação relevante. — Andreia... do Fallet.

— Que isso, cara... — Ele falou meio descrente, levantando de novo. — Quem te falou essas coisas? Como tu sabe o nome dessa gente toda?

— Eu só sei. — Minha voz saiu num tom muito miudinho. O homem teve que se aproximar pra me ouvir. Ai eu lembrei que eu tinha como simplesmente provar o que eu tava falando... — Minha identidade. No meu bolso.

Na mesma hora ele se mexeu, tentando acessar o bolso da minha calça. Tive que mover as costas um pouco, esticando elas pra dar espaço pra que ele conseguise chegar ao cós da minha roupa. Um gemido de dor me escapou, junto com uma tosse ruidosa. A pontada violenta me pegou de surpresa, levando minha consciência à vacilar. Tombei a cabeça pra frente, sentindo um monte de gotas transparentes caírem nos meus joelhos. Só ali eu me dei conta de que eu estive chorando esse tempo todo.

— Caralho. — Ouvi o homem dizer num tom chocado. Eu não sabia quem era ele, mas pouco importava, se ele tivesse acreditado em mim, era o meu novo anjo da guarda. — Ô menor, pega tua moto e voa lá no Carangueijo. Manda o Mandarim vim aqui agora.

— Meu chefe, o patrão falou que não quer se irritar com isso não. Mandou o Pirraça resolver. — Ouvi o outro falar.

— Moleque, eu tô mandando tu ir agora, porra. Vai lá e fala que eu falei pra ele vir agora. — Rebateu por cima, quando viu o garoto vacilar, sem saber a quem obeceder. — E tu não se mete nessa porra não, tô falando pro teu bem. — Mandou pro último que cortou ele. O garoto sumiu das minhas vistas.

Ele abaixou na minha frente de novo, com a minha identidade na mão ainda, tirando o cabelo do meu rosto. Fiz o meu melhor pra conseguir erguer os meus olhos e olhar ele.

— Segura um pouco ai, tá? Tá suave, ninguém vai te machucar mais não.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora