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— Fechou. — Disse eu com um sorrisinho no rosto.

— Beleza, vamos começar. Aliás, bonita a roupa, mas chinelo é mais confortável. — Murmurou pra mim e eu me senti muito idiota por ter me arrumado. Cacete! Logo a Shirley voltou com uma vassoura e entregou na minha mão, me mandando ir dando uma geral no chão que tava imundo. No quarto onde ficava os tijolos estava cheio resto de cocaína no chão, notei conforme ia varrendo e notando os montes brancos que iam se formando. Assim, logo os seguranças foram chegando e se organizando, enquanto eu acabei descobrindo que o povo da endola só chegava na parte da tarde. 9h e pouco e ainda nada do gerente.

— Ô Shirley, não dá pra botar uma música ai não? Tá mó parado aqui. — Falei com ela, que fez um sinal com a mão para mim, pedindo que eu esperasse. Assim, ela correu lá dentro e voltou com uma mini-caixinha de som.

— Tem razão. Só um pagodinho pra animar essa manhã.

— Ai sim você tá falando minha língua. Lança o Ferrugem ai. — Falei e a gente riu, pegando o celular, conectando na caixinha e colocando o novo álbum da banda de pagode. Começamos a dançar com a vassoura e a cantar como se o cabo fosse um microfone, conforme varriamos tudo lá dentro. Até os seguranças, que estavam arrumando as coisas lá fora, vieram animar com a gente. Eu tinha adorado a vibe do lugar. Porra, as pessoas eram maneiras pra caramba, eu ia me dar muito bem por ali. Era um local que eu não ia me incomodar de estar todos os dias, não ia ser sacrifício algum. Na verdade, o clima tranquilo quase me fez esquecer que, na verdade, aquilo era uma boca de fumo e o que vendíamos ali era droga e não, sei lá, bala...

— Duvido que não tenha nem uma pontinha de saudades... — Começou a Shirley, apontando pra mim, esperando que eu lhe completasse.

— Se existe amor, esquece a vaidade. — Cantei, emocionadaça. Adorava aquela música. Eu fui dançando de boa, até que esbarrei em alguém. — Vejo na TV um filme repet... Eita, desculpa ai. — Falei, me virando pra encarar a pessoa em quem eu tinha esbarrado. Eu ia falar mais alguma coisa, mas a surpresa me fez ficar bem caladinha no momento seguinte. MANO? MANO!

— E ai, chefe? Essa é a Marina, é a nova menina que o patrão mandou pra gente. — Ela veio toda contente, passando uma mão pelo meu pescoço. Na hora, ele semicerrou os olhos e cruzou os braços na frente do corpo, assumindo uma posição dominante. — Tamo terminando de arrumar a merda que os endoleiros fizeram ontem e vamo lá pra frente já já. — Foi falando e pegando a vassoura de novo e puxando a sujeira pra um canto. Enquanto isso, eu e o homem tatuado de ontem ficamos nos olhando ali. Sei lá, eu devo ter diminuido uns 30 cms de tanto cagaço que eu fiquei. Não era pra eu nunca mais esbarrar com ele por ai? Shirley tava super alheia do que tava rolando ali, de certo. — Ah e o carderno, eu repassei tudo. É problema da entrega mesmo, o que chegou pra gente tá tudo ali ô.

— Rala daqui. — Ele falou de uma vez só. — Agora. O Russo não te falou nada não?

— Falar, falou, mas isso foi antes, po. Se eu soubesse que a boca era tua, eu nem tinha vindo.

— E tá esperando o que pra vazar? Bora, porra. Eu tenho que trabalhar. — Ele não parecia tão puto e assustador como ontem, mas tava surpreso mesmo por ter me visto ali. Acho que o tatuado não tava, realmente, esperando me ver de novo. Foda...

— Mano, eu não posso vacilar com o Caburé não. Ele mandou eu vir. — Dei de ombros. — Eu não quero ficar no teu caminho não, mas eu não sei o que fazer agora.

Ele passou a mão no rosto, andando pelo ambiente em passos lentos. Ai ele mandou um dos meninos que estavam parados na porta, fazendo a segurança, passar um rádio pro CR e ele saiu atrás. Eu fiquei ali quieta, esperando o veredito deles. Shirley veio até mim, perguntar qual era a da parada, mas eu nem tinha muito o que falar, só que eu realmente não me dava bem com o chefe da boca e que não ia dar pra ficar. Era uma pena, de verdade, mano. Ela terminou de varrer e ficou ali comigo um tempinho até. Pareceu que eles ficaram uma eternidade fora, o tatuado bonito foi o primeiro a entrar e foi trocar uma ideia com a Shirley, uns minutos depois, entrou o menino segurança atrás.

— O patrão mandou ela ficar aqui mesmo. — Falou por fim e eu arregalei os olhos. Que?

— Porra, tu fez o que eu mandei? Falou pra ele? — Perguntou o gerente com uma nota de indignação na voz.

— Falei, po. Ele só falou que tu pode tomar a arma dela, se tu quiser, mas que era pra ela ficar aqui. — O menino deu de ombros e negou com a cabeça pro chefe. Barbás (esse era o nome dele afinal... esquisito pra porra) bufou vindo na minha direção e erguendo a mão.

— Dá esse caralho logo aqui. — Eu não tinha nem como dizer não, já que tinha sido coisa do Caburé. Tirei a pistola da cintura e entreguei pra ele. Porra, tinha dado nem tempo de me familiarizar com o ferro. Poxa, mano... Quem porras traficava sem arma, cara? Só eu mesmo. — O Shirley, vai lá abrir a banca, tu vai vender sozinha hoje. E tu vai aproveitar pra dar uma faxina nisso aqui. Em tudo, até lá fora. Passa pano nessa porra toda ai e se os moleques quiserem alguma coisa ai, tu vai lá e faz pra eles. — Mandou, virando as costas pra mim e seguindo pra fora, provavelmente indo pro lugar onde rolava a venda mesmo.

Ótimo, agora eu era a empregadinha de uma biqueira. E quando eu achava que tava no fundo do poço, eu cavava mais. Só o ruim não era o suficiente pra mim. Filho de uma puta! Olhei feio pra ele, pegando a vassoura com raiva. Tirei o excesso com a pá e fui lá atrás, na área de serviço, procurar um balde e um pano pra passar naquele chão imundo. E não tinha nem um desinfetante pra dar um grau ali... Eu queria gritar e dar um surto com alguém, mas tava com medo de apanhar de novo. Ai eu não tive outra coisa a fazer, se não obedecer. No final da semana eu ia ganhar minha grana de qualquer jeito, não importando o que eu ia fazer, então que se foda. Fiquei ali e realmente faxinei todos os ambientes da casa. Varri, passei pano, limpei o quintal da frente e o de trás. Até fogo nas folhas eu botei, mano. E nisso foi o dia inteiro. E nem me deixaram ficar com a caixa de som... É como dizem, todo castigo pro corno é pouco, né?!

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora