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Eu tava começando a ficar emotiva, então parei de falar. Passei a mão rápido nos olhos, tentando me manter namoral.

— Vai ficar me devendo essa, mina. Vou te cobrar isso depois. — Barbás falou pra mim, depois do que parecia ser uma eternidade. Ai ele virou as costas pra nós dois e foi em direção ao endoleiro, que descobri ser o meu padrasto.

— Tu dá sorte com ele, tá ligada, né? O Barbás parou de falar com a mãe quando entrou pro tráfico também.

— Serião? — Perguntei pro TK. Ele parecia conhecer muito bem o cara a quem ele devia proteger. Há quanto tempo será que eles se conheciam.

— Sério, po. É por isso que ele vai quebrar essa pra você, mas não fala que eu te contei isso. — Fez um sinal de 'shiu' com o dedo pra mim e saiu andando em direção ao chefe. Eu segui atrás.

Lá ele tava falando com o endoleiro que não ia mandar ele pra prestar contas com a Rua 1 dessa vez, mas em troca, ia ter que colaborar comigo. A gente acabou discutindo lá e chegamos à conclusão de que amanhã ele ia buscar meus irmãos na escola e trazer eles aqui no final do dia, pra eu poder ver os moleques de novo. Ele ia ter que enrolar minha mãe, mas tava confiante de que ia dar certo. No peito, o meu coração pulava de felicidade. Uma sensação boa parecia ter grudado em mim, um calor diferente. Porra, eu tava muito feliz. Muito feliz!

Pra punir o homem (ele não ia deixar passar em branco...), o Barbás falou que ia ficar uma parte do pagamento dele essa semana e assim, saiu todo mundo feliz da situação. Uma parada que podia ter acabado mal, teve um final bem positivo. Pela primeira vez, eu olhei pro gerente e não senti nenhum sentimento ruim. Não tinha raiva, chateação, nem birra. Só gratidão, pura e simples. Acho que agora, uma pontinha de admiração crescia também. Na boa, eu tinha que reconhecer que, mesmo ele sendo um babaca do caralho comigo na maior parte do tempo, era por causa dele que a boca da Barcelos funcionava direito. É... Eu tinha que respeitar esse mérito dele.

Eu fiquei até mais tarde trabalhando naquele dia. Quando o pessoal da endola chegou, eu tive que ir fazer a minha tarefa de todo dia, que era arrumar aquele muquifo. Era segunda, inicio da noite e eu não tinha nem começado, por isso, eu só saí de lá quando a Xica fechou tudo pra ir embora. Queria ter tido um momento pra falar com o Barbás direito e agradecer ele pela moral que ele tinha me dado, mas não deu nem tempo. Ele avisou que ia sair mais cedo naquele dia e uma mina passou aqui pra buscar ele na saída. A Shirley e o Tulio ficaram teorizando quem era aquela, já que nunca tinham visto ela com ele antes e eu achei puta engraçado como ele era galinha no final das contas. A cara séria, sempre fechada, podia enganar no começo, mas a fama não escondia. É foda... Pelo menos eu tinha acertado em manter as minhas perninhas fechadas pra ele. Barbás era alguém com quem eu tinha que tomar cuidado.


[...]



O dia seguinte chegou voando. Devia ter sido minha ansiedade, sei lá. Durante todo o meu "expediente", eu fiz as coisas no automático. Todo mundo notou que eu tava meio longe, ficaram me zoando pra caralho. Tava tomando um lanche da tarde com os meninos que patrulhavam a boca, devia ser quase cinco da tarde e tudo parecia na mais perfeita paz. Dali há uma hora era o horário de liberação dos moleques da escola, eles iam sair de lá direto pra cá. Ia dar certo!

Apesar da paz, tinha alguma coisa estranha na movimentação da favela naquela tarde. Não que eu fosse conhecedora do movimento, mas tava esquisito. O Barbás não dava as caras desde cedo, aparecia de vez em quando pra checar a gente e os seguranças estavam meio inquietos. Xica e eu estávamos puta inocente naquele monte de tensão, eu tava ainda mais alheia, porque só pensava no encontro que eu teria mais tarde.

— Que que houve, gente? Tem ninguém na porta não, pode parar de olhar. Cruzes. — Falei pro pessoal que lanchava ali. Eles não tinham nem largado o fuzil pra comer, como sempre faziam. — Tá acontecendo alguma coisa?

— Tá rolando nada não, Ninão. Só mandaram a gente ficar na atividade, só isso. — Um deles me respondeu.

— É dia de arrego, é assim mermo. — O outro completou, terminando de beber o suco. — Fica suave ai.

Peguei os talheres que eles usaram e levei lá pra dentro, jogando na pia. Mais tarde eu lavava aquilo, agora eu ia lá fora ver o que tava piando. Eu tinha ficado meio desconfiada do comportamento do pessoal, tava começando a ficar preocupada. A última coisa que eu queria era desmarcar com o meu padrasto e os meus meninos, mas pode ser que não fosse uma boa hora. A pior parte é que eu nem tinha o número dele e não tinha como falar nada com ele, então, mesmo que eu quisesse deixar pra outro dia, não teria como.

Atravessei a rua e quando cheguei na banca, Nina tava enfiando todos os saquinhos dentro de um saco de novo.

— Ué, o que houve? — Perguntei, estranhando.

— Ajuda aqui, Nina. Passaram um rádio mandando a gente fechar aqui.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora