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[...]


Ele me deixou ali na Delfim e eu peguei um Uber até a Ápia. De lá, eu fui subindo a favela sozinha e a pé. Como sempre, tava tudo vazio até a entrada barrada pelos canas. Ele viram meu documento, fizeram uma caralhada de pergunta e depois me deixaram subir. Padrão. Nada de errado até ali... pelo menos não às vistas dos olhos. E esse era o problema. Eu sentia o clima diferente. Não tinha ninguém na rua, até porque a polícia tava ocupando, mas um pouco mais a frente, eu via gente pendurada na laje como quem não queria nada, me olhando. Alguns estavam no telefone, outros no rádio. Eu soube que tavam passando minha localização.

Andei por uns 40 minutos até a minha rua. Dobrei a esquina sentindo um peso de morte nos meus ombros, quando abri o portão, porém, minha mãe e a Dalila já estavam ali fora me esperando.

— Onde é que você tava, Nina? — Cláudia perguntou de uma vez, com os olhos e o rosto vermelhos.

— Resolvendo minha situação. — Não dei muita atenção, já fui abaixando pra abrir o zíper da bota que eu tava usando pra arrancar ela do pé. Eu tava cansada. Cansada.

— Tu não tem a menor noção das coisas que tu faz, né Marina? Olha pra mim quando eu tô falando. — Gritou comigo e eu abri a porta de casa, virando de costas pra ela. — Como que tu sai daqui e vai lá naquela porra de...

— Me deixa em paz, mãe. Eu tô cansada, já disse. Só quero minha cama, ficar em paz com a minha mente um dia. Um dia só, porra. Será que dá? — Reclamei, ficando com raiva daquela perseguição.

Assim que eu dobrei na cozinha, dei de cara com o Barbás e o Russo sentados na mesa, me esperando também. Os dois tinham uma cara péssima, com olheiras visíveis e a exaustão ainda mais visível na expressão, muito mais que eu. Bom... eu estive dormindo, mesmo que pouco, o que não parecia ser o caso deles. De nenhum deles... Por um momento, meu coração pulou uma batida e eu engoli em seco. Eu nunca quis fazer nenhum deles sofrer ou se preocupar comigo, mas porra, eu precisava...

— Vocês não tinham que estar escondidos? — Perguntei, passando por eles e indo até a geladeira pegar a água.

— Quando passaram o rádio avisando que tu tava subindo, eu vim ver pra ter certeza. Ninguém tava acreditando que tu ia voltar aqui andando. — Russo falou com a voz rouca, mas sem agressividade.

— Por pouco tu não acertou. — Falei desgostosa, ai, estiquei o braço e belisquei a pele de leve. — Mas tô aqui, viva. — Me virei pra olhar pra ele. Enquanto meu irmão tinha um olhar misto de alívio e repreenção, Barbás tinha a expressão tomada de raiva. Ódio. Ele não disse nada, só me acompanhou com o olhar com a ira mais estampada que nunca pelo rosto.

— E é isso, tu só vai chegar aqui e não vai falar nada? Porra, Nina. — Ele rebateu, levantando da cadeira.

— O que tu quer que eu fale, Wallace? — Perguntei, colocando a garrafa em cima da pia. — Quer que eu fale onde eu tava? Eu duvido que vocês já não saibam. Só pelo jeito que a minha mãe me olhou eu sei.

— E ai? Tu não tem que dar satisfação nenhuma? Namoral, eu sempre passo a mão na tua cabeça. Sempre. Tu faz merda e quem corre pra te socorrer sou eu, ai chega aqui e me faz uma porra dessas? — Reclamou batendo a mão na pia e eu pulei no lugar. Ele nunca tinha se exaltado daquele jeito comigo. — Falta de consideração, tu tá ouvindo? Aqui ninguém dormiu desde que tu sumiu. 2 dias agoniado aqui dentro, sem poder sair, sem saber de notícias suas...

— Desculpa, porra, mas ninguém ia ter me deixado ir se eu falasse.

— Claro, porra, olha no buraco de tatu como tu quis se enfiar. — Rebateu.

— Ué, mano, tu acha porque eu fui por capricho? Fui porque eu tinha que ir nessa porra. Se isso aqui der merda, eu tenho que salvar a vida da minha mãe, a vida dos meus irmãos. Eu não sei você, mas eu não quero morrer e nem quero ver vocês morrendo. — Falei por cima dele. — A gente tá sem tempo, porra.

— Tu tava pensando na gente, realmente. — Ouvi a voz do Barbás pela primeira vez e virei os olhos pra ele. — Deixa a gente aqui se fudendo 2 dias, pensou em nós pra caralho. Sorte tua que isso aqui tá tomado. Se não tivesse, eu teria juntado uma tropa de homem e ido lá naquele caralho, tu ia ver a merda que tu ia ter causado. — O tom de voz já me indicou o humor de merda que ele tava.

— Já foi, Barbás. — Disse, não querendo discutir. Meu corpo podia estar bem, mas a canseira mental tava me esmagando por dentro. Eu queria muito ficar sozinha.

— Já foi é o caralho! — Ele levantou também, derrubando a cadeira no chão, que fez um estrondo do caralho quando caiu. — Já foi é o caralho, maluca filha da puta. — Veio na minha direção com o dedo apontado pra mim. Eu fiquei puta... Porra, depois de tudo eu ainda tinha que escutar desaforo, não fode nessa porra.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora