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[WILLIAM]

Eu só via vermelho. Eu tava com o ódio me engolindo por dentro, era foda ficar tranquilo depois de mexerem com o meu filho. Porra, eu tava no automático, eu queria subir e tomar aquela favela toda no braço... mais que isso, eu queria comer o M7 vivo. Caralho, meu filho era uma criança. Ninguém mexia com criança nessa porra, inocente não entrava na conta, como aquele merda tinha tido coragem de fazer aquilo? Mandar fuzilar o carro que tava o meu filho? E por que, porra? Ninguém ali devia nada pra ele, ninguém ali tava envolvido com nada...

Eu queria gritar e socar alguma coisa até quebrar a porra da minha mão, eu não conseguia pensar em nada mais. Minha mente só me trouxe de volta quando eu precisei ir até a UPA. Eu tinha que falar com o Pedro, tinha que ver ele... Porra, o meu moleque... Tanto que eu tentei tirar ele dessa favela, tanto que eu lutei pra manter ele longe dessa merda, pra que ele tivesse uma infância namoral. No final, eu tinha olhado por outro lado por um segundo só e ele tinha tomado um tiro. Tiro esse que eu ia cobrar, nem que eu precisasse morrer pra isso e isso era promessa de homem.

— Vai lá vocês dois. Eu vou com o Russo e o Parma fechar as passagens lá pra cima. — Disse o TK, me liberando do meu trabalho. Eu confiava nele pra cuidar daquela porra pra mim, mesmo que eu soubesse que aquele era um puta momento crítico. Era ali onde a gente não podia errar, se quisesse ter alguma chance de fazer frente ao M7.

Concordei com a cabeça pra ele e fui lá pra fora, direto pra minha moto. Só tinha uma coisa na minha cabeça: eu tinha que ver o meu vivo, se não eu ia ficar doido e fazer merda.

— Nina, pega 2 cara nosso ai e leva com vocês. Fica de olho. — Mandou o TK pra Marina, que veio atrás de mim apressadona. Eu não ia esperar por ela, meu tempo tava curto, mas como ela não enrolou, conseguiu subir na minha garupa. Pelo retrovisor, eu vi os dois homens que o TK tinha mandado atrás de mim.

Eu corri pra caralho pela principal e a ruas secundária da favelas e parei em frente a UPA, que tava cheia pra caralho. Tinha muita gente baleada e eu nem sabia de onde tinha vindo tanta gente fodida.

— Isso tudo é lá da frente agora, Will? — Perguntou a Nina e eu não soube responder.

— Não sei. — Engoli em seco. — Mas tá esquisito. — E eu tava pouco me fodendo naquela hora. Nos próximos minutos, eu só queria ver a porra do meu filho vivo e respirando. De resto, o mundo podia cair que eu não ia dar a mínima.

Fui direto pro balcão e bati a mão no mármore, chamando a atenção pra mim. Claro que eu sabia que, na verdade, o que tinha feito a atendente olhar pra mim naquela zona não foi o meu pedido grosso e sim o fuzil atravessado nas minhas costas. Na época do Caburé a gente tinha ordem de não entrar em posto e nem em escola com arma à vista, mas na boa? A Rocinha naquela hora era terra de todo mundo e terra de ninguém.

— Um molequinho de 5 anos, Pedro, cadê ele?

— Ele tá na enfermaria esperando transferência, senhor. — Eu já ia me adiantando, quando ela segurou no meu braço. — Não pode entrar lá agora.

— Não posso o que?! Eu vou entrar, é meu filho, foda-se. — Falei, já boladão e tirando a mão dela de mim. Quando ela quis insistir, a Nina entrou na frente e segurou as mãos dela, começando a enrolar a mulher. Agradeci à ela em silêncio pelo apoio e sai na frente, procurando a placa do lugar onde o meu moleque tava.

Na 4° ou 5° porta era o lugar. Eu entrei, assustando as enfermeiras e os próprios pacientes, que se agitaram quando me viram entrar lá armado e agitado pra cacete. Se eu tivesse agitado pra cacete pra ver o Pedro, eu ia ter visto a merda que eu tava fazendo. Tentei remediar um pouco a situação, avisando o porquê de eu estar ali.

— Tô aqui só pra ver meu filho, antes dele ser transferido. — Avisei quando passei pelo grupo de mulheres de branco. — Depois eu vou vazar.

E saí procurando pelas cortinas o meu filho. Numa que estava sem a separação eu achei o Pedro, com a Larissa e o braço imobilizado do lado dele. Ela também devia estar em uma das macas, mas tava do lado dele. A primeira visão que eu tive foi dele deitado naquela cama e um lençol recém trocado começando a se manchar de vermelho. Meu filho já não tava mais acordado, estava com um tubo que entrando pela boca e com uma faixa enrolada na barriga. Irmão, sei lá... Acho que eu nunca tinha visto um negócio que me assustou tanto quanto aquele bagulho. A pele dele, muito mais pálida que antes, os olhos fechados e um monte de gente ao redor da cama dele me deixou muito agoniado. Eu sentia como se eu tivesse realmente perdendo meu filho, como se eu tivesse falhado em proteger o meu moleque e ele ia morrer por minha causa.

Me aproximei com cuidado da cama, dando a volta pra ficar mais próximo do rosto dele e me abaixei. Eu nunca senti dor tão violenta quanto aquela, tava me rasgando por dentro, de verdade. Me sentia angustiado, agoniado, engolido pela tristeza, por um ódio que vinha ofuscando a porra toda dentro de mim... Meu Deus do céu. Eu engoli em seco e senti meus olhos se encherem de água. Porra, eu nem lembrava a última vez que tinha chorado... mais que isso, chorado na frente de outras pessoas. Eu não me lembrava e pelo olhar da Larissa, nem ela lembrava.

Eu senti minhas lágrimas descerem e nem tentei me controlar. Olhando pra ele daquele jeito, eu me senti acabado, na boa. Eu tava fodido, por dentro e por fora. Me inclinei por cima dele e dei um beijo na testa do meu moleque, sentindo a palidez dele passar pra mim.

— Eu amo você, moleque. O dia que tu nasceu foi um dos melhores dias da minha vida, eu lembro como se fosse ontem. Pra mim tu é tudo o que eu tenho, Pedro, então resiste ai, meu filho. — Sussurrei pra ele, não sabendo se ele conseguia escutar ou não. Porra, eu nunca fui sentimental, mas agora, pessoalmente eu precisava dizer aquelas coisas pra ele. Se ele morresse... eu não conseguia nem pensar na possibilidade, mas eu precisava que ele soubesse que eu amava ele pra caralho.

— Pai, o senhor se importa de se afastar agora? A ambulância chegou, a gente vai preparar ele pro transporte.

Amor na GuerraOnde histórias criam vida. Descubra agora